Coala Festival 2023, Dia 1: Péricles brilha e emociona em dia que ainda contou com shows impecáveis de FBC e Boogarins

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

vídeos por Bruno Capelas

Saiba como foi o Dia 2 e o Dia 3

Surgido em 2014 ainda pequeno, mas já experimental, o Coala Festival construiu em menos de 10 anos uma trajetória extremamente singular no calendário de festivais nacionais. Muito provavelmente, quem esteve presente nas primeiras edições desse festival – que leva o nome de um mamífero marsupial – não tinha ideia de que, num futuro próximo, o evento se tornaria um dos mais relevantes do país, com uma curadoria ousada e criativa se destacando num meio repleto de marasmo, o que o diferencia de outros festivais médios que seguem um formato óbvio de atrações (exibem artistas que tocam em TODOS os festivais a ponto de parecer sempre o mesmo line-up) e, também, de mega festivais que tropeçam feio em curadoria e serviço entregue ao público. Essa personalidade arisca e corajosa do Coala foi posta à prova, mais uma vez, em 2023, o que permite diversas considerações acerca de projeto curatorial, conexão com o público e distanciamento da zona de conforto. Nada como um show após o outro para mergulharmos em mais divagações.

A maratona de sexta-feira prometia inteligência, sucessos populares e encontros interessantes. Da música torta da genial Jadsa passando pelo rock encorpado do Boogarins numa apresentação curta, mas poderosa, pela nova fase de FBC, com disco e show novos contagiantes, pelo apelo popular de Péricles, que teria feito muito mais sentido fechando a noite, pela tradicional apresentação histriônica de Fafá de Belém, que atirou para todos os lados e, eventualmente, acertou alguns alvos, mas também errou vários, até o encontro estimulante do Olodum com o Baiana System, que resultou num mix musculoso para fechar os olhos e dançar e se entregar à festa, mas também, principalmente no caso das canções do repertório do Baiana, perder a chance de cantar, o que soa um pouco frustrante, pois as letras de Russo são parte essencial do grupo tanto quanto a sonoridade da guitarra baiana de Roberto Barreto. Com público visivelmente mais reduzido, o primeiro dia do Coala passou sem grandes perrengues (houve relatos de superlotação nos banheiros após o show de Fafá) e com uma seleção honesta de bons shows. Vamos a eles.

Jadsa

Com praticamente a mesma disposição de 2022, utilizando os dois lados do Memorial com estandes, serviços e palcos exatamente nos mesmos lugares, o que facilita “se encontrar” no evento, e sua já tradicional sequência de show seguido por DJ set, o Coala Festival deu start na edição 2023 com a baiana Jadsa em uma apresentação arretada e marcada por percussão, alfinetadas de eletrônica, homenagem à Itamar Assumpção e canções de seu poderoso disco “Olho de Vidro” (2021). O som, num replay do ano anterior, estava bastante alto e nítido, e o sol a pino castigando nucas no adorável jardim de cimento de Oscar Niemeyer. Diante de um público pequeno, mas aceitável para um pós almoço de sexta-feira de labuta (ela entrou em cena pouco antes das 13h30), Jadsa mostrou segurança, entrosamento e muito carisma num belo show. Na sequência, foi a vez do Boogarins arrebentar em uma apresentação irretocável, mais centrada nos hits indies (“Lucifernandis”, “Avalanche”, “Foi Mal”, “Onda Negra”, “Sombra ou Dúvida”) e na condução matadora de Ynaiã Benthroldo, um dos melhores bateristas em atividade no país.

Boogarins

O dia, ensolarado, já tinha começado bonito, e ficou ainda melhor com a dupla Febre90s colocando todo mundo pra dançar com sua música popular de concreto brasileira, um aquecimento perfeito para um dos grandes shows do de, Fabricio, o FBC. Todo de branco e com uma bandaça que incluía trio de metais, duo de backings vocals, guitarra, baixo, bateria e DJ, o Padrim centrou foco em seu recém-lançado novo álbum, “O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta” (2023), e fez um daqueles shows pra não ficar parado, emulando disco music, soul e rap com muita elegância. “O rap nacional é a música eletrônica de favela”, bradou em certo momento, e o público o acompanhou em números como “Madrugada Maldita”, “Químico Amor” e “Estante de Livros”, faixa com Don L. Corajosamente, FBC deixou de fora do set os dois grandes hits de sua parceria com Vhoor, as bombadas “Se Tá Solteira” e “De Kenner”, parecendo querer se afastar do “Baile” e focar em uma nova fase mais suingante (e só sua). O resultado, impecável, foi aprovado por todos os presentes, que fizeram fila para abraçá-lo na pista, extremamente simpático, horas depois.

FBC

O festival paulistano, então, migrou para o Rio de Janeiro, primeiro com o set arrasa quarteirão de funk putaria de Puterrier, e depois com a elegância pagodeira de Péricles, que começou a tarde relembrando o Exaltasamba com os sucessos “É no Pagode” e “Já Que Tá Gostoso Deixa”. Lá pelas tantas, diante de um público entregue e emocionado, confidenciou: “Eu quero mexer com sua emoção e com a sua memória”, senha para a entrada do hino “Me Apaixonei Pela Pessoa Errada”. Diante da resposta assertiva do público, que cantou e sambou com a mão direita no peito tal qual um hino nacional, sentenciou: “Vocês fazem parte de uma nação, a nação pagodeira”. Vieram, na sequência, para não deixar ninguém em silêncio, “Temporal” (Art Popular), “A Amizade é Tudo” (Jeito Moleque) e até “Não Casa Não” (Marilia Mendonça). Para surpresa de todos os presentes, Pericão convidou ao palco Tim Bernardes, que cantou e tocou guitarra numa versão de “Final de Tarde” mais curiosa que interessante. O grande show do dia ainda piscou os olhos para a soul music numa baita versão de “Stand By Me” e para Tim Maia na irresistível “Não Quero Dinheiro”.

Péricles

Fafá de Belém veio na sequência com a missão inglória de manter a chama do público, que havia sido incendiada por Péricão, acesa, e ainda que tenha sido ovacionada durante toda sua apresentação, a sensação é de que havíamos alcançado o clímax do dia no final da tarde de sexta-feira, e agora estávamos suavemente descendo a ladeira. Com um repertório mais variado que combinava rock, brega paraense, sertanejo e canções românticas, um visual vermelho com madeixas louras que remetia a Duda Beat, Fafá mostrou canções como “Vermelho”, “Emoriô”, a maravilhosa “Revelação”, de Fagner, e recebeu Johnny Hooker, que cantou o hit “Volta”, da trilha sonora do filmaço “Tatuagem”, e também encaixou uma homenagem para Marilia Mendonça, interpretando “De Quem é a Culpa?”, meio que fazendo um show dele dentro do show de Fafá. O trecho final, mais romântico, teve “Abandonado”, de Leandro e Leonardo, “Meu coração é Brega” e “Nuvem de Lágrimas”, fechando uma apresentação correta, mas deslocada.

Fafá de Belém

Responsável por fechar o primeiro dia do Coala Festival 2023, a junção do Olodum com o BaianaSystem foi, musicalmente, intensa, com percussa, guitarra baiana e metaleira brilhando de maneira efusiva e estendendo as versões de maneira bela, mas, de certo modo, esfriando o público que queria, também, cantar junto os números marcantes das duas atrações. Isso ficou bastante nítido no hino “Lucro (Descomprimindo)”: assim que o riff inesquecível da canção surgiu, o público começou a pular como se fosse final de campeonato, mas conforme a versão se estendia e o vocal não aparecia, a audiência foi se acalmando, meio que entendendo que a vibe desse encontro incluía um q de perfumaria visual (com tambores sendo girados para todos os lados) tanto quanto de longos remixes, que, em alguns momentos (principalmente nas canções do set do Baiana) soavam mais esparsos do que as contagiantes versões oficiais. O vento frio forte e cortante fez com que a noite terminasse com um dos menores públicos do Coala em edições recentes, mas quem estava presente pulou, pogou, fez roda, suou e se divertiu intensamente, encerrando de maneira festeira o primeiro dia do Coala 2023. Sábado tem mais… e promete muito.

Saiba como foi o Dia 2 e o Dia 3

Russo Passapusso e Claudia Manzo

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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