texto por Renan Guerra
Dolores Duran viveu apenas 29 anos (1930/1959). Em seus últimos dois anos de carreira, ela compôs pouco mais de 30 canções, e conseguiu gravar, como intérprete, apenas sete delas. Mesmo assim, o impacto de seu canto e de suas composições se tornou mítico no Brasil, se tornando um nome de referências para outras compositoras e cantoras nacionais. “Dolores Duran – O coração da noite” (2023), de Juliana Baraúna e Igor Miguel, reconta a breve vida da artista e apresenta ao público uma personagem complexa e a frente de seu tempo. O filme é montado a partir da mescla de entrevistas da irmã e da filha de Dolores, bem como de amigos e colegas, com inserções da cantora Bárbara Sut a interpretar as composições de Dolores.
As interessantes e profundas entrevistas são a espinha dorsal de um filme que não conta com imagens em vídeo de Dolores Duran – o que se tem é um acervo de fotos familiares e de publicações impressas da época. No documentário, a mais importante voz é de Denise Duran, irmã de Dolores e figura que acompanhou de forma intensa todo o desenvolvimento da jovem artista. Além disso, destaca-se a presença de Maria Fernanda, filha adotada por Dolores pouco antes da morte da artista, e o delicioso depoimento de Eloá Dias, amiga íntima da compositora.
Há ainda no filme a presença de Izzy Gordon, sobrinha de Dolores, e dos pesquisadores Haroldo Costa, Jurema Werneck e Rodrigo Faour, seu biógrafo, autor de “Dolores Duran – A noite e as canções de uma mulher fascinante” (2012). Vale destacar também a presença de João Donato, músico exemplar e que teve um breve namoro com a artista – seu depoimento é delicado e cheio de carinho.
“Dolores Duran – O coração da noite” é um interessante olhar moderno sobre a obra de uma artista ainda a ser redescoberta por uma parcela do público. Juliana Baraúna e Igor Miguel, diretores de “Chiquinha Gonzaga: Música Substantivo Feminino”, também presente nessa edição do In-Edit, conseguem criar uma narrativa interessante e instigante que mostra os amores de Dolores e suas atitudes a frente de seu tempo, bem como cria um panorama muito interessante sobre seus múltiplos talentos: Dolores dominava diferentes idiomas, tinha nuances e complexidades no palco e era uma rainha na hora de improvisar, especialmente no scat singing. De todo modo, essas habilidades todas são apenas narradas e aí temos a grande falha do filme: não ouvimos em nenhum momento a voz de Dolores Duran nem a vemos atuando.
Ok, não temos muitas imagens em movimento dela (uma das raríssimas é “Tião”, número presente no filme de estreia de Roberto Farias, “Rico Ri à Toa”, de 1957), muitas coisas ela nem teve tempo de gravar em LP, mas o fato é que temos excelentes gravações na voz de Dolores Duran e isso é uma falha. “Dolores Duran – O coração da noite” até tem um enfoque maior no lado compositora da artista, mas é inegável que seu sucesso à época se devia ao seu talento enquanto intérprete e é uma pena que isso não é ouvido durante o filme. A presença de Bárbara Sut é interessante, ela fala de maneira extremamente inteligente e interessante sobre a obra de Dolores, porém a escolha artística de apenas o seu canto dar voz as composições de Dolores é algo que, sem dúvida, diminui o impacto do filme.
No todo, a falta da voz de Dolores Duran é algo marcante, mas não tira muito dos méritos do filme, uma vez que o trabalho de Juliana Baraúna e Igor Miguel é louvável ao fazer uma pesquisa ampla sobre a vida da artista, reunindo uma série de entrevistas interessantes e importantes enquanto esses personagens – testemunhas diretas da trajetória de Dolores – ainda estão vivos. “Dolores Duran – O coração da noite” foi produzido em parceria com o canal Curta!, então logo deve estar disponível na televisão, o que é um excelente notícia, pois com seu olhar moderno e diverso, esse é um documentário que pode funcionar de forma interessante para que novos públicos descubram a importância de Dolores para a nossa música e o nosso canto.
MAIS SOBRE O IN-EDIT BRASIL NO SCREAM & YELL
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.