texto por Renan Guerra
fotos por Fernando Yokota
Desde 2017 que Julieta Venegas não voltava ao Brasil e de lá pra cá muita coisa mudou: ela passou a residir em Buenos Aires, aonde passou o período pandêmico, e também foi na capXital argentina que ela compôs grande parte de seu mais recente disco, “Tu Historia” (2022), que contou com produção do chileno Alex Anwandter. É desse disco a turnê que passa agora pelo Brasil, em visita rápida, com apenas dois shows: um em São Paulo e outro em Porto Alegre. É quase uma visitinha de médico para uma artista tão apaixonada pelo Brasil e que costumava fazer turnês amplas por diversas capitais.
Seu show em São Paulo foi no Teatro Bradesco e teve um caráter mais íntimo, com uma banda de três músicos que faziam múltiplas funções, enquanto Julieta também passeava entre os vocais, o teclado e o acordeom. Já o público estava com essa sensação de saudade de uma artista que há tempos não os visitava. E a sensação era recíproca: Julieta frisou várias vezes no palco o quanto estava feliz em retornar ao país e o quanto era apaixonada por esse público.
Tudo isso, claro, falado em um característico portunhol que, segundo ela, é a língua do futuro. E seu portunhol foi de perfeita compreensão para o público, que não se acanhou e pediu canções, gritou repetidas vezes o quanto ela era linda e até a avisou que a luz estava atrapalhando um pouco, o que fez com que a artista pedisse para a iluminadora tentar resolver. Um pouco demais? Não, quem é querido e é de casa traz essa sensação de intimidade.
No palco, “Tu Historia” é a espinha dorsal do show e o disco é cantado na íntegra, porém entremeado por diferentes fases da carreira de Venegas. O show abre com três faixas do novo disco, mas logo emenda com “Bien o Mal”, do excelente “Outra Cosa” (2010). Do disco “Algo Sucede” (2015) surgem “Parte Mía” e “Esse Camino”; de “Los Momentos” (2013) vem a linda e romântica “Te Vi”. E, claro, os hits clássicos marcam presença e fazem pulsar o coração dos fãs: a tríade “Lento”, “Andar Conmigo” e “Algo Está Cambiando”, do “Si” (2003), fizeram a plateia ir a loucura, bem como as icônicas “Eres Para Mi”, “Me Voy” e “Limón y Sal”, do disco “Limón y Sal” (2006) – a faixa título é que encerrou o bis da noite.
Nome de sucesso massivo na América hispânica (seu primeiro disco, “Aqui”, de 1997, vendeu 300 mil cópias, enquanto “Si”, de 2003, bateu nos 2 milhões e 500 mil cópias e “Limón y Sal” alcançou a marca impressionante de 4 milhões de cópias vendidas), Julieta Venegas passou a ter reconhecimento no Brasil após seu “MTV Unplugged”, de 2008, que contava com a participação de Marisa Monte na faixa “Ilusion”.
Para o show nessa noite, Julieta chamou ao palco a brasileira Roberta Campos, que teve a difícil missão de cantar a parte de Marisa na canção. O encontro de Roberta e Julieta foi de uma delicadeza única, essa é uma canção extremamente bela e que pede um cuidado vocal que foi muito bem apresentado nessa junção de vozes. Além dessa faixa do “Unplugged”, Julieta também resgatou “El Presente”, canção que encerrou o show e que fez o público levantar de suas cadeiras para dançar pelas escadas do Teatro Bradesco.
Julieta Venegas estava feliz e falante, tanto que contou algumas histórias, falou sobre a origem de algumas canções e, dentre tantas coisas bonitas, uma das suas falas era sobre como precisamos essencialmente retornar a infância e ter de novo aquele olhar único e surpreso para as coisas. Na plateia do teatro havia inclusive algumas crianças, numa das transições entre canções até se ouviu uma voz miúda de menino gritar “vai, Julieta!”.
É curioso, pois seu show tem essencialmente essa leveza de nos fazer (re)observar a vida, entender a simplicidade de determinadas coisas e se encantar com a beleza delas. A arte e a música têm essa função singela de nos colocar atentos perante o que é belo e tocante no mundo e as canções de Julieta Venegas são uma prova muito forte disso.
Ver Julieta no palco com sua turnê “Tu Historia” é um alento, é lampejo de beleza e felicidade, coisa que não pode ser rara, precisa ser mais constante em nossas vidas, por isso fica o pedido: volte mais vezes, Julieta, o Brasil te espera.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/