texto de Marcus Losanoff
No último dia 8 de outubro os argentinos do El Mató a un Policía Motorizado (ou “El Mató” para os íntimos), naturais de La Plata (distante cerca de 57 km da capital Buenos Aires) por fim retornaram ao lado de cá da bacia do Rio da Prata (ou melhor, à Porto Alegre) após 11 anos; e novamente na tradicional casa noturna Opinião, incrustada no coração do boêmio bairro Cidade Baixa, sob alta temperatura e elevado clima infernal-eleitoral. E, claro, na melhor cidade da América do Sul (ao menos naquela noite).
Após aprazível sábado de céu e sol primaveris, o time original azul-celeste formado por Santiago “Motorizado” (voz e baixo), Manuel “Pantro Puto” (guitarra base), Gustavo “Niño Elefante” (guitarra solo), Willy “Doctora Muerte” (bateria) e Agustín “Chatrán Chatrán” (teclado) – acrescido de um percussionista – adentrou as quatros linhas do palco pouco depois das 21 horas, como parte da turnê “Vacaciones Raras”, que inclui shows na América Latina e Europa, e que havia passado por São Paulo dois dias antes.
Quanto à audiência, a impressão inicial ao caminhar pelas dependências do lugar era de um perfil etário variado, desde jovens na faixa dos 20-30 anos (em maioria na pista) até quarentões bem-apessoados (como este que vos tecla), além de marcante presença feminina junto à masculina. E, no geral, uma plateia quiçá mais interessada por encontrar um “perro perdido” na Redenção do que um “cachorro louco” no Parcão (brincadeiras à parte, claro).
Enquanto os acordes e versos inaugurais de “El Magnetismo” (“¿quién te va a cuidar? / en este mundo peligroso / tenemos que estar juntos”) rompiam o espaço e tomavam conta do ambiente, de algum modo a realidade (pós?) pandêmica parecia igualmente hibridizar-se à mensagem e performance da banda, sobretudo para quem estivesse experimentando – enfim! – o primeiro show desde meados de 2020 (sim, meu caso). Ou seja, talvez para alguns aquela não fosse apenas uma noite de escapismo, mas também parte de um processo natural de reencontro e (quem sabe até) de cura pela música. Viajei?
Y bueno, por outro lado, não é desprezível supor que as canções de abordagem pós-apocalíptica do El Mató – originalmente compostas há mais de uma década – não apenas se relacionem como caiam como uma luva (e alento) para o atual momento em que vivemos. Lembrando que os platenses lançaram uma trilogia de EPs temáticos sobre nascimento, vida e morte (“Navidad de Reserva”, 2005, “Un Millón de Euros”, 2006, e “Día de los Muertos”, 2008), com inspirações líricas e audiovisuais na cultura pop (alinhando George Romero ao Calendário Maia), e concebendo, desde então, um universo artístico peculiar.
Não demora para o grupo nos desvelar “La Noche Eterna”, arrancando o coro dos tri-contentes em versos que, de novo, pareciam tanto abraçar o espírito do tempo (“voy a derrumbar mi casa y a empezar de nuevo”) quanto suscitar a celebração coletiva naquele espaço-tempo (“dame algo esta noche / esta noche es especial”), sem olvidar, claro, que “el cosmos cuida a todos por igual”. De pronto, ao presentes reagiram carinhosamente ao El Mató, e o flagrante clima de jogo ganho logo em seus primeiros minutos foi progressivamente se acentuando, os sorrisos pululando e os corpos pulando (com direito a um tímido e bem-vindo stage diving em dado momento) conforme a banda seguia enfileirando seus golaços sonoros baseados nos dois últimos álbuns de inéditas, “La Dinastía Scorpio” (2012) e “La Síntesis O’Konor” (2017), bem como na já mencionada tríade de EPs.
A exemplo das imagens e relatos emocionados gerados pelo público do El Mató em São Paulo, os porto-alegrenses seriam apresentados a uma banda coesa, pulsante, exitosa em transpor ao vivo a ambiência sonora dos discos, e genuinamente feliz de estar ali. E, assim, os versos em espanhol platense cantados por “El Chango” acabavam sendo sincronicamente apropriados e re-entoados a plenos pulmões, como nos refrães de “Amigo Piedra” (que, agradecidos e surpresos, eles compartilharam no Twitter) e também de “Más o Menos Bien”, reproduzidos à capela como mantras ou cânticos de arquibancada, transformando, assim, o “Opinas” em Beira-Rio ou Olímpico (ok, Arena do Grêmio, bah!). Porém, como antigo seguidor da banda (desde a época em que havia Geral no Maracanã – ou havia Maracanã de fato), confesso ter sentido falta de canções do debute homônimo, de 2004, como “Sábado” (afinal, era sábado – perdón), e “Guitarra Comunista” (afinal, é mês de eleições no Brasil).
O atual clima eleitoral esteve igualmente presente, representado pelo esperançoso coro de “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”, cantarolado ainda antes da entrada da banda, e repetido durante o show. E Santi, tão econômico quanto doce com as palavras, responde sorrindo (como se fez também em São Paulo): “30 de octubre”, satisfazendo a audiência. Como não poderia deixar de ser, houve espaço ainda para a tradicional polarização Grenal quando o vocalista é presenteado com uma camisa do Grêmio e, de forma diplomática, pergunta se não havia também algum regalo do Internacional. Contudo, a “geral” do lugar parecia mesmo ocupada por uma “avalanche” de adeptos do tricolor gaúcho, para o desgosto (brincadeiras à parte II) do colorado e grande jornalista, produtor e pesquisador musical Fernando Rosa – também conhecido como Senhor F.
Organizador do desbravador e essencial Festival El Mapa de Todos, Fernando foi responsável – entre outros feitos – por trazer a banda argentina pela primeira vez ao palco do Opinião, em abril de 2011, além de ter lançado em compact disc nessa terra “El Nuevo Magnetismo (2003-2011)”, uma coletânea que é uma introdução perfeita ao trabalho dos guris. Não seria surpresa, pois, a menção do grupo argentino ao Senhor F, já na parte final do concerto. Após lamentar sua ausência, o vocalista lhe dedicou “Yoni b” (“ey, Yoni, ¿dónde estas? / te extrañamos, ¿dónde estas?”).
Na sequência, a atmosfera “El Mató de Todos” seria novamente suscitada no Opinião, com a lembrança ao microfone da extinta banda gaúcha Superguidis (contemporânea do El Mató e escalada para a mesma edição do El Mapa, 11 anos atrás); isto antes de apresentar “Navidad en los Santos”, surpresa do set, e tema que havia ganhado uma versão dos guris de Guaíba intitulada “Natal“, considerada “muito melhor” do que o tema original, segundo o insuspeito Santiago Motorizado em entrevista aqui no Scream & Yell. Há, inclusive, um registro ao vivo de Navidad/Natal captada à época no referido festival, com participação do então vocalista da Superguidis, Andrio Maquenzi (que lançou o ótimo álbum solo “Contracorrente“, em 2020) junto dos amigos de La Plata, alternando versos em português e espanhol. O “feat” foi incluído na coleta “El Nuevo Magnetismo (2003-2011)”. E já que estamos falando de amigos, vale citar a muitíssimo recomendada 107 Faunos, banda-irmã do El Mató, igualmente representada no palco, estampada na camiseta do guitarrista Manu “Pantro Puto”. Aliás, as três bandas dividiram o mesmo palco no longínquo ano de 2007, em La Plata, mas isso é outra história.
Por fim, podemos arriscar presumir que a recepção extasiada dos infatigáveis “torcedores” gaúchos (assim como a dos paulistanos) durante as duas horas de show em PoA tenha servido para erodir momentaneamente a suposta (e, para este que vos tecla, falaciosa) barreira do idioma, ‘esperançando’ que a integração latino-americana na região se torne uma utopia tangível, realizável. E, nesse sentido, a música obviamente possui papel central na busca pelo autodescobrimento da América Latina enquanto identidade (socio)cultural, sendo a Aliança FARO uma notável iniciativa do Scream & Yell e demais sites envolvidos na missão de promover o intercâmbio musical ibero-americano para os seus leitores.
Assim, a catártica apresentação da banda argentina em noite de lua quase cheia, encerrada com “Mi Proximo Movimiento” (“bajo la luz, de la luna gigante”, apontava Santiago para o alto), permitiu que este velho (quase) ébrio e perdido carioca em terras gaúchas renovasse o sonho de que El Mató a un Policía Motorizado fosse também capaz de contribuir à sua maneira com o imprescindível despertar sonoro deste dist(r)ópico Brasil em relação aos demais países da América Latina, em prol de uma Pátria Grande musical na região. Um sonhar acordado, diga-se (“hey, hey, hey / no te duermas”) e ‘re-en-cantado’ por uma gramática cotidiana e latino-americana calcada nos sujeitos comuns; homens e mulheres belas e fortes em sua busca existencial para se sentir mais ou menos bem nesses tempos difíceis (“hasta el final, el final”).
– Marcus Losanoff, jornalista, pesquisador e pai do Martín. Responsável pelo Cambio Losanoff, o melhor do novo rock e pop ibero-americano, toda quarta-feira, 21h, na Rádio Graviola.
Marcus, obrigado pelo registro da minha “onipresença” hehehehe. Senti muito não pode estar no show, tanto em Porto Alegre, quando em São Paulo. Sou fã da banda desde nossas aventuras por Buenos Aires e La Plata. Além da música, também tenho grande carinho pelos guris/meninos, como dizem aqui e lá. Um abraço. Valeu Scream & Yell. #Lulalá no dia 30 (no momento, meu ídolo musical é o Maderada(.
Forte abraço, mestre! Dale Maderada!!!