entrevista por Thiago Sobrinho
Logo nos segundos iniciais de “ÀdeusdarÁ” (2022, Deck), novo álbum de Josyara e sucessor do ótimo “Mansa Fúria” (2018), a baiana questiona: “Quem sustentará o meu sentimento? Quem se importará com a minha dor?”. A força política dos versos de “ladoAlado”, faixa que abre o segundo álbum da cantora, compositora e produtora, também ganha o acréscimo da potência da soteropolitana Margareth Menezes. “Sou muito fã da Margareth. Acredito muito no trabalho dela. E tem o lugar da magia da voz dela na canção, que foi pra mim o que fez a canção brilhar”, orgulha-se a cantora acerca da parceria com uma das principais vozes negras do País e ícone ofuscado da axé music.
Para a baiana Josyara, ter Maga ao seu lado simboliza ter um porto seguro. Mais do que isso: um abrigo que a juazeirense de 30 anos buscou para lançar ao mundo o primeiro álbum em que assume a posição de produtora musical. É que Josy, além de compor e tocar violão, assina os arranjos e a direção do trabalho. Segundo ela, esse foi um caminho que surgiu no contexto da pandemia. Durante o período, encontrou no computador um aliado na hora de compor. “Eu caí de cabeça. Estudei algumas coisas, fiz cursos online e comecei a meter a mão na massa. Fui fazendo, experimentando, compondo com bases. Enfim, mexendo na música de uma outra maneira porque sempre tive ali a voz e violão”, explica.
O resultado desse mergulho são beats eletrônicos acompanhados de seu violão, tão marcante em “Mansa Fúria”, que ganharam a companhia de elementos percussivos assinados pelo parceiro musical Ícaro Sá. “Nesse disco, a percussão é muito importante. Ela fala e conta tudo. Mas assim, sinto que ela complementa”, esmiúça a artista que contou também com a ajuda dos percussionistas Jadson Xabla, Gabriel Santana, Larissa Braga, Yasmin Reis, Lorena Caroline e Alana Gabriela além de SekoBass, que produz e toca baixo em “Bilhetinho”, “Melancia” e “Essa Cobiça”. Essas duas últimas faixas, respectivamente, ganham as guitarras de Junix11 (BaianaSystem), produtor de “Mansa Fúria”.
O trabalho, gravado entre Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, também conta com a participação dos instrumentistas Vanessa Melo (arranjos de sopro e clarone), Daniela Nátali (clarinete), Gabriela Wara (oboé), Ana Karina Sebastião (baixo na faixa “MAMA”), André Vasconcellos (baixo e baixo synth) e Lucas Martins (fx synth em “Ouro & Lama”). E, em meio a toda essa alquimia, Josyara canta – e faz críticas – sobre o momento político e ambiental do País e compartilha suas dores. Mas tudo isso acontece, de acordo com ela, sem esquecer os prazeres da vida e as possibilidades que irão se desvendar com o futuro.
“É um disco que vive o luto e chora, mas ele também fala também que o amanhã vai vir. Ele bota a dor e os bichos para fora, mas também sabe festejar, sabe que namorar é bom”, conta a artista em entrevista ao Scream & Yell em que fala sobre temas como racismo, o seu processo criativo e o lugar da mulher na produção musical, além de compartilhar a ansiedade para se apresentar no palco do Primavera Sound. O festival acontece entre os dias 31 de outubro e 6 de novembro, em São Paulo. “Estou animada e curiosa pra ver como vai ser. Não só a receptividade do público, como também as coisas que eu vou assistir. Nunca vi um show internacional grande. Vai ser a primeira vez que eu vou curtir”, adianta ela no bate-papo que pode lido abaixo na íntegra.
Ei Josyara, como estão as coisas? Acabou de lançar o seu novo álbum em um show no Sesc Pompeia. Como que foi e como está reverberando essa primeira apresentação?
Nossa Senhora! Está tudo muito intenso. As coisas ainda estão, para mim, assentando e tomando corpo. O show fez com que o disco nascesse de forma real. Foi muito especial. Senti que a música chegou naquelas pessoas que estavam ali naquele show. E foi bem interessante perceber que, depois de tanto tempo de trabalho, o negócio tomando esse corpo todo.
E como é pra você ver essas novas músicas entrando numa apresentação ao vivo, dividindo espaço com composições que já estavam no seu repertório há algum tempo?
Esse show que está ainda tomando essa cara, mas é o show do disco. Cantamos todas as músicas na ordem do álbum. A gente trouxe também uma releitura do Chiclete com Banana. Trouxe também uma dessas referências que eu aponto no disco, sonoramente de poética. E também o que eu fiz foi trazer o “Mansa Fúria” em voz e violão. Cantei algumas músicas nesse formato para resgatar um pouco esse início. Mas cantei o (novo) disco inteiro. Foram só duas músicas do “Mansa Fúria”, mas quis trazer o formato que iniciou. O formato que fez o “Mansa Fúria” nascer.
Falando do seu novo trabalho… É o seu segundo…? Há uma divergência aí se é o segundo ou o terceiro, né?
Pois é. Eu falo que é o segundo porque oficialmente, em termos de acesso e tudo, são dois que eu tenho. Tenho um projeto especial com o Giovani (Cidreira), o EP “Estreite”. Mas o meu primeiro, primeiro mesmo, que é o “Universo”, que volta e meia eu cito, de fato existiu. Mas ele não está nas plataformas de streaming. De fato, o “Mansa Fúria” eu considero o primeiro porque ele me colocou em outro lugar profissional. Tanto da parte digital de distribuição como também de abrir espaços maiores. E é isso. O “Universo” é muito antigo, de 2011 ou 2012. O “Mansa Fúria” conseguiu sintetizar e arrematar o meu momento e que conta essa trajetória toda minha na música. Gosto de dizer que é o segundo por causa disso.
Como foi criar esse disco novo e de que forma ele se encaixa no trabalho que você vem construindo desde o início da sua carreira?
Esse disco começou na questão do isolamento, da pandemia, sem poder fazer shows e encontrar as pessoas para inspirar e criar. Tive ali uma nova ferramenta: o computador. Eu caí de cabeça. Estudei algumas coisas, fiz cursos online e comecei a meter a mão na massa. Fui fazendo, experimentando, compondo com bases. Enfim, mexendo na música de uma outra maneira porque sempre tive ali a voz e violão. Tinha, como posso dizer, tempo para poder ouvir a abertura de violões e fazer a abertura de vozes, sabe? Foi de um estudo musical e artístico que acabou nascendo o disco e a necessidade de lançá-lo também. Porque não é só criar, mas também ver que era importante para mim e para minha carreira ter esse registro do que foi o momento histórico mundial, a pandemia, o que eu estava fazendo nesse momento. É a junção de várias coisas: da minha criatividade que pulsou, a vontade de uma autonomia em termos de produção e arranjo. Ter mais segurança nas coisas que eu quero. E também experimentar sonoridades. Foi um espaço que eu pude me debruçar e repetir e cansar e voltar e desistir. Enfim, foi muito profundo esse disco. Esse lugar de eu estar muito solitária, apesar de ter pessoas que colaboraram e gravaram e tudo mais. Mas assim, foi um processo inicial muito solitário. Eu acho que realmente foi um passo que eu dei.
E de que maneira ele se encaixa na sua trajetória?
Acho que ele se encaixa no que já é. Pelo menos assim, em comparação ao “Mansa Fúria”, essas canções foram existindo também em experimentações, mas, claro, em voz e violão. Acho que o que conta na trajetória é o novo. É o meu jeito de criar, que é muito trabalhando e colocando a mão na massa, acho que nessa coisa de artesanato, de pegar e fazer. E também na coisa do desejo do novo: de transformar e me apegar muito às coisas. É uma coisa que fala muito de mim e da forma que eu crio até o momento, que é meio que desapegando mesmo e querendo fazer uma coisa que eu estou acreditando ali.
E esses mergulho nas máquinas, nos plug-in e nos synths? Há sentimentos e mensagens que foram desbloqueadas com essa nova forma de composição?
Com certeza. Gosto muito de timbres, afinações diferentes. Pensando nessa coisa do violão, por exemplo, quando eu mudo a afinação, isso já me inspira a compor e a criar uma linha de riff. Isso também vale para o computador e aqueles sons novos. Ao invés de perder muito tempo e a fluidez da inspiração compondo só no violão porque eu não estou acertando, eu faço um loop aqui e consigo ter mais fluidez na melodia, por exemplo. Posso trazer um novo tipo de campo, porque tenho ali a máquina me ajudando e eu posso ali só cantar. Isso me ajudou a crescer nesse sentido da música. Então com certeza, me inspirou e me ajudou a enxergar a música de outro jeito.
Há um equilíbrio bacana nesse seu novo álbum entre elementos orgânicos e eletrônicos. Como você o conseguiu?
A coisa se deu muito pela ideia. Quando o disco, a pré-produção, mostrava um disco, eu comecei esse conceito, essas ideias mais fixas que se apresentam no disco, como percussão, por exemplo, foi encarando e fazendo escolhas. “Ah, eu quero percussão”. Então eu chamei o Ícaro Sá para poder fazer essa pré comigo. Ele fez a direção e os arranjos também. Acho que foi nas escolhas e acreditando nelas. E, claro, com essa pós-produção, com outra coisa de edição, foi dando essa medida. Foi fazendo essa alquimia acontecer. Mas foi isso: eu tinha um todo, propondo, inclusive, coisas de percussões, que aí Ícaro trouxe essa parte orgânica e humana. E já tinha certeza que queria beat porque eu queria mostrar que eu estava fazendo beat. Foi um pouco isso. Eu poderia chamar uma baterista e tudo, mas eu falei: “Não. É isso que eu quero. Quero que seja meu beat e minhas programações”. E foram escolhas que foram moldando com as participações.
E o papel do Ícaro nisso tudo? O que você deve a ele desse álbum?
Devo, enfim, acho que a coisa da cara do disco. A percussão é o conceito dele. Como o “Mansa Fúria” se fala muito do violão, e, de fato, foi uma escolha, nesse é isso: a percussão. A percussão vai aparecer, ela vai soar alto. Então, Ícaro foi fundamental nesse sentido porque ele trouxe o estudo, a diversidade da nossa música, da música africana, das possibilidades rítmicas junto do meu violão e aquela programação. Ele foi um grande colaborador, juntamente do Seko Bass, que co-produziu três faixas. São pessoas que estiveram junto comigo, me ouvindo muito bem e fazendo com que aquela música tomasse a sua proporção desejada.
A gente pode falar que seu disco anterior é um trabalho onde o violão é protagonista e neste novo a percussão está lá na frente?
É. Acho que a percussão é o elemento especial. É o que dá, talvez, essa liga, esse equilíbrio que você cita do eletrônico, da coisa feita picotada. A percussão é o elemento que une todas essas coisas, todos os sons. É a unidade ali. Então, acho que nesse disco a percussão é muito importante. Ela fala e conta tudo. Mas assim, eu sinto que ela complementa. Tem música que ela soa como complemento e não está ali com arranjo todo. Sei lá, depende muito de cada música, de cada trajeto do disco. O diferencial dele é, eu sinto, que foi meu jeito de compor. De compor no computador. Se for para dizer é: eletrônica e percussão, obviamente com meu violão presente ali.
Você e Ícaro se conhecem há muito tempo?
Conheço o Ícaro desde os meus 14 anos. Eu nem morava em Salvador ainda. Quando fui morar, um ano depois que a gente se conheceu, a gente passou a se encontrar e a amizade foi acontecendo. A gente se conhece há muito tempo. Já tocamos juntos várias vezes. Ele já esteve presente em várias situações da minha vida. E foi muito bom reencontrá-lo nesse lugar mais seguro, mais profissional meu. E nos palcos também. Porque no lançamento ele também estava presente.
Ter essa percussão no seu álbum remete, de alguma forma, a sua ancestralidade?
Com certeza. Tem esse lugar africano que existe na nossa musicalidade como um todo. Tem meu lugar íntimo de buscar isso em mim, nas minhas raízes, nas coisas que me tocam. Escuto muita música brasileira, afro-brasileira e baiana. E sempre me tocou os tambores, a percussão, a música do terreiro. Sempre me tocou tudo isso. Acho que essa busca minha de entender como compositora, produtora e arranjo. Essa busca faz parte disso também.
Nessa busca de se entender, como é essa questão de se reconhecer como uma mulher negra, uma artista negra que está lançando um álbum pela Deck e tudo o mais?
Esse processo de racialização, comigo, no meu processo pessoal, levou-se um tempo. Eu não venho de uma família negra retinta. O meu pai é negro de pele escura e eu tenho uma tia negra de pele clara. Essa coisa do colorismo, da miscigenação toda. Para mim, que cresci numa família majoritariamente branca, tanto com traços quanto de cor de pele, já tem um tempo. As coisas que eu fui entendendo que foi racismo e não é um racismo de uma pessoa retinta, mas que está ali velado. O meu processo foi esse. Com o tempo, comigo mesma, buscando, lendo, conversando. Não tive, digamos, um berço familiar que me introjetasse: “Olha, você é uma mulher negra”. Eu tive que descobrir isso. Acho que é muito difícil nessa estrutura que temos de País, imagina, 300 anos de escravização dos povos africanos, então, de fato, o distanciamento do que é ruim, do que é feio, que é um corpo descartável, você vê que ele não é bem visto. Pensando que eu me enxergo e reconhecendo todo esse trajeto de infância e de como eu me cobro também. Como nesse disco a autocrítica transbordou. Ela foi anormal. Não foi na dosagem. Então, por que disso também, né? Poxa, eu fechei com a Deck. É o meu primeiro disco que eu estou produzindo. Eu não quero, na gravadora, que soe ruim. Sabe, assim? Claro que todo mundo ali, o próprio Rafa (Ramos), que fez a direção artística, me encorajou e estava comigo. Mas isso tá muito no nosso corpo. E encarar isso foi a maior dificuldade nesse processo: a autocrítica, a insegurança que está muito ali na raiz dos nossos corpos, infelizmente. A gente está ali na resistência, na luta, tive a coragem de lançar o meu disco com todas as incertezas que a criação artística nos coloca. Se for para dizer desse lugar, a maior dificuldade foi enfrentar esses monstros que a sociedade brasileira nos empurra enquanto mulher, negra, nordestina.
E trazer Margareth Menezes nesse álbum é uma forma de ter um porto seguro? Não só uma homenagem, mas ter uma referência.
Com certeza. Foi uma homenagem, uma honra e tudo. A música fez todo o sentido ter a voz e a presença dela. Ter um lugar histórico do axé music, que Margareth enquanto uma grande cantora e compositora ficou ali de escanteio midiaticamente. A gente sabe muito porque: por ser uma mulher negra e cantar a cultura africana na Bahia, cantar músicas de religiões africanas. E foi uma junção disso tudo. Sou muito fã dela. Acredito muito no trabalho dela. E tem o lugar da magia da voz dela na canção, que foi pra mim o que fez a canção brilhar.
E esse contato com ela? Vocês já se conheciam? Você escreveu essa música pensando já que teria um feat ou surgiu?
Essa foi a primeira música que comecei a mexer e a fazer beat. Quando ela tomou sentido, achei que deveria ter Margareth. Foi uma coisa assim muito que eu intui e fiquei com isso na cabeça por muito tempo. Quando eu fiz o convite, a música ainda estava… já tinha gravado a percussão, mas tinha uma parte da letra incerta. Quando ela topou, eu fiz o contato ali virtual mesmo, a gente já tinha nos encontrado em ocasiões e tudo, aí eu fiz o convite e ela aceitou. E quando ela aceitou, eu concluí a música. Terminei e arredondei pensando nela.
Queria que você falasse das letras. Elas mostram um certo desprendimento das coisas ruins da vida. Mas ao mesmo tempo, você canta se abrir ao desconhecido. Mesmo com tanta dor, você acha que esse é um disco otimista?
Olha, é um disco que se for para dizer o ciclo dele, ele vive o luto, ele chora, mas ele também fala também que o amanhã vai vir. Ele bota a dor e os bichos para fora, mas também sabe festejar, sabe que namorar é bom. E é isso. É um pouco da vida. Acho que como fiz esse disco muito no processo pandêmico, busquei muito isso: a importância disso, de a gente viver o luto e chorar, mas que sem amor não tem rebeldia. Se a gente não for carnavalizado, a gente não tem força para enfrentar certas coisas.
Como viver no País e num mundo de hoje sem amor e esperança?
Acho que, de uma certa maneira, a gente vai encontrando nossos territórios, nossas famílias, os laços afetuosos. Eu me sinto sortuda, privilegiada, por ter uma rede de pessoas numa cidade que não é minha. Ter saído duas vezes, na verdade, uma vez de Juazeiro e outra de Salvador. Então, não sei pra onde vou agora, se fico aqui em São Paulo ou se vou voltar. Acho que o importante são as redes mesmo. E não é um lugar de se fechar numa bolha e ver nada. Mas entender que essa bolha é importante para a gente se resguardar e enfrentar esse dia a dia severo que a gente tem nesse País de muita violência, de muita apreensão das coisas e tudo.
Há quanto tempo você está fora de casa?
Fora de Juazeiro são 15 anos.
E vivendo em São Paulo, principalmente durante a pandemia, quais foram os seus suportes além de aprender a mexer com as máquinas e fazer esse mergulho que você fez?
Olha, acho que foi a parceria e o amor de Marisa, que é minha namorada, minha esposa. Acho que quando a coisa começou a se entender de como se proteger do que é isso. Uma amiga querida minha é minha vizinha, e eu tenho essa sorte de se encontrar e se falar. A rede social, que de certa maneira já estava inserida ali na minha vida profissional e pessoal, ficou um pouco mais intensa. Isso foi salvando. Poder trocar com as pessoas, mesmo que seja virtualmente. E estar em São Paulo foi muito difícil. Claro que se eu tivesse em Salvador, na beira do mar ou do rio (seria mais fácil). Aí que a gente vê a importância de estar perto da natureza. Foi difícil, mas sobrevivemos.
Pensa em voltar para a Bahia?
Sempre. Todo dia (risos). Mas são situações. É uma coisa muito sazonal. O verão é um lugar que eu consigo estar e trabalhar em Salvador e voltar. E as coisas pulsam de outra forma. É um pouco um vai e vem. É uma vida meio cigana. Não me vejo a vida toda aqui nem me vejo a vida toda lá.
Fico admirado com esse período do disco em que você se tornou uma produtora. Li em entrevistas suas que no seu primeiro álbum você não teve muito controle nas questões das escolhas. E sempre que converso com artistas mulheres, ouço esse mesmo relato e vejo elas tomando o mesmo caminho que você.
Tem esse lugar histórico da música brasileira de sempre tirar o crédito da mulher. Se ela é compositora, ela não assina a composição. Ou ela acaba dividindo a composição com o produtor ou o seu marido, que seja. Você vê ali as tantas compositoras que temos e quantas foram boicotadas. Você vê a Cátia de França, ela contou que uma vez ela teve um disco todo gravado e não foi lançado. Para mim, se eu sou uma instrumentista e uma cantora, eu só vou conseguir crescer no que estou fazendo, se eu tiver prática de estúdio, puder ter essa liberdade de criação. Sinto que temos muitas produtoras e que esse machismo todo não permite e que acaba não exercitando. E você desconfia de você mesma. “Ah, será que estou certa? O cara é produtor há 30 anos e tal e ele disse isso, mas eu quero isso”. E você começa a se desvalorizar. Se desvalorizar não, porque desvalorizam a gente e começamos a entrar em crises. Somos produtoras dos nossos trabalhos há muito tempo. De saber o que a gente quer e tudo. A gente tem, claro, parceiros. Não andamos sozinhas. É muito foda porque é muito real. Ainda há processos que muitos caras que detêm esse poder, seja por ser famoso ou muito bom no que faz, que não permite que aquela ideia seja acatada ou fala de um jeito que diminui, sabe? Porque assim… Acho que é muito fácil os caras trabalharem entre si. Acho que eles trabalham muito bem. Eles trocam e aceitam as coisas. O cara pode ser experimental pra caralho que o outro cara vai achar massa. Ou aquela nota ali subtonando, e eles vão achar lindo. Claro, eu estou generalizando e passando por cima. Mas com a gente, o nosso corpo fica ali retraído. Sinto que a gente está mudando isso. Vejo muitas mulheres assumindo as produções e direções. Acho que o enfrentamento muito da história mesmo de não ser aceitável isso. Não dá mais para ficar nessa posição.
Esse álbum, vai ser também para você uma espécie de cartão de visitas. Tipo: “Olha, esse álbum eu quem produzi, gravei. Quem quiser trabalhar comigo, esse é meu trampo”?.
Olha, eu acho que sim. Tanto que insisto muito em falar que eu fui a produtora. É muito importante. Acho que é isso. Se, naturalmente, alguém ouviu o disco e está ali escancarado que eu quem produzi e quiser trocar comigo, eu puder colaborar, acho que é isso.
Você se vê produzindo outros artistas?
Tenho o desejo de fazer essas parcerias. Tanto de composição quanto de produção. Fiz a coprodução de uma faixa do novo disco de Anelis Assumpção, que vai sair neste ano. Um disco que ela traz mulheres para coproduzir com elas. O nome do disco se chama “Sal” (https://www.kickante.com.br/financiamento-coletivo/disco-4-de-anelis-assumpcao-sal).
E como estão os planos a partir de agora? Você tem shows marcados. Toca no Primavera Sound São Paulo. Queria saber da expectativa de estar nesse festival.
Temos alguns shows fora da cidade de São Paulo. Tem o Festival MADA, em Natal, que acontece em outubro. Aí vou fazer um voz e violão no Circo Voador, no Rio. Vai ser um show mais especial. Vou reunir músicas do “Mansa Fúria” e vai ser mais uma mistura. E o Primavera Sound. Um palco grande. Artistas mundiais. É interessante. Estou animada e curiosa pra ver como vai ser. Não só a receptividade do público, como também as coisas que eu vou assistir. Nunca vi um show internacional grande. Vai ser a primeira vez que eu vou curtir.
Vai chamar a Margareth para uma participação no seu show no Primavera Sound?
Poxa… Tentaremos. Se ela puder (risos).
E agora? O que você pretende fazer? Queria saber quais são seus próximos passos e qual mensagem você quer transmitir com sua arte a partir de agora.
Agora é pensar muito no palco e no show. Desejo muito tocar nos festivais, circular em espaços interessantes. Viajar para outros países também, sabe? Eu gosto do palco. Sou uma artista do palco. Quero circular e amadurecer esse show tocando. Esse é meu desejo inicial. Acho que de composição, não estou pensando muito. A não ser que venha alguma coisa ou trabalho específico que me incentive fazer alguma coisa. Mas é um pouco isso: trabalhar esse show, a circulação e tentar verba e parceria para fazer clipes.
– Thiago Sobrinho (fb.trsobrinho) é jornalista do A Tribuna em Vitória, Espírito Santo.