entrevista por Ananda Zambi
No livro “Tudo sobre o amor: novas perspectivas” (Editora Elefante, 2020), a escritora, professora e ativista norte-americana bell hooks argumenta que o amor, mais do que um sentimento, é uma das mais potentes ferramentas de transformação social, tanto no âmbito pessoal quanto no coletivo. Não muito diferente disso, o músico e ator Paulo Miklos exalta em seu quarto disco solo, “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém” (2022), lançado em maio deste ano, o poder de uma das emoções/ações mais complexas que conhecemos, colocando o amor como filosofia de vida e até mesmo como posicionamento político – o artista afirma que ele está presente no mundo que sonha transformado em suas músicas e nos seus trabalhos como ator.
Produzido por Rafael Ramos e lançado pela Deckdisc, “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém”, ao contrário do disco anterior, o “A gente mora no agora” (2017), é feito só de canções autorais compostas durante o isolamento social. Nesse contexto, observando e vivendo uma intensa rotina familiar nos papéis de marido, pai e padrasto, Paulo transpôs no álbum a perspectiva não apenas de um amor maduro, mas de um amor múltiplo: enquanto “Ao Teu Lado” representaria uma música de entrada no altar de um casamento, “É Assim que Eu Sei” repara nas manifestações de amor presentes nos detalhes. “O Que Ela Quer” fala sobre a vontade e a necessidade de quebrarmos preconceitos estruturais para podermos viver em uma sociedade melhor e mais afetiva. “Uma Conversa” ressalta a importância do amor de amigo, assim como em “Sabotage Está Aqui”, Miklos homenageia um desses amigos, o rapper Sabotage, exaltando sua lembrança e seu legado artístico. Outra tema abordado – e não menos importante – é o amor que não é incondicional, como pode-se ouvir em “Mansa”.
Paulo Miklos fez parte, como ele mesmo chamou a atenção, de “uma das mais importantes bandas brasileiras de todos os tempos”, os Titãs, onde permaneceu de 1982, ano de surgimento do grupo, até 2016 e se destacou pelo talento de tocar vários instrumentos, pela afinação vocal impecável e pelo carisma inegável. Mas sua carreira solo também traz pérolas que merecem uma atenção. Seu disco solo de estreia, “Paulo Miklos” (1994), apresenta um ar urbano com hits subestimados como “A Mesma Praça” e “Ninguém se Cansa de Ouvir o Som da Própria Voz”. Já o segundo, “Vou ser feliz e já volto” (2001), é mais introspectivo e um tanto dramático, contendo canções de libertação como “Vai Acontecer de Novo” e a explícita “Orgia”. Em 2017, já fora dos Titãs, Paulo lançou seu elogiado disco de reestreia, “A gente mora no agora”, que é de fato potente e tem todos os atributos que um álbum de sucesso precisa ter. Ainda assim, “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém” é o trabalho solo mais consistente do ex-titã.
Além do Paulo músico, o Paulo ator também está de vento em popa. Desde que começou no cinema em “O Invasor” (2001), o artista já fez mais de uma dezena de filmes e está no elenco de nada menos que três filmes que estão em fase de lançamento: “Jesus Kid,” de Aly Muritiba, “O Homem Cordial”, de Iberê Carvalho, e “O Clube dos Anjos”, de Angelo Defanti, e recentemente finalizou as gravações da sequência do filme “Estômago”, o “Estômago 2 – O poderoso chef” (com estreia prevista para 2023), em que faz o papel do presidiário Etcétera. Também já se aventurou no mundo das novelas, como em “Bang Bang” (2005) e “O Sétimo Guardião (2018), do teatro, fazendo o jazzista na peça “Chet Baker: apenas um sopro” (2019), e da série “Manhãs de Setembro” (2021), produzida pela Amazon Prime Video. Além de tudo isso, Miklos também já foi apresentador de TV e jurado de programa de calouros! O que faz a versatilidade ser uma de suas características mais fascinantes. Parafraseando o próprio, Paulo Miklos é um misto de todas as coisas.
Em entrevista realizada por e-mail, conversamos sobre a experiência de ter gravado o novo álbum totalmente à distância, sobre como a pandemia interferiu na sua maneira de lidar com o amor e, consequentemente, na sua criatividade, sobre sempre se posicionar politicamente e sobre realizações futuras. Leia abaixo!
Como está sendo lançar um disco só com canções suas, depois de tanto tempo?
É sempre uma grande emoção e envolve muita expectativa de como será a receptividade de um trabalho novo. Principalmente se este disco tem uma transparência muito grande e diz muito a respeito da nossa intimidade. O tempo foi mais dilatado por causa da pandemia. Mas agora ele está aí!
E como foi gravar sem ter se encontrado com os músicos? Você já tinha vivido esse tipo de experiência?
Foi bem interessante, um exercício de desapego e aposta. Mas foi muito prazeroso e fácil trabalhar com músicos tão talentosos. Estivemos muito conectados, contando com a sintonia do nosso produtor Rafael Ramos. No disco anterior, eu tinha experimentado trabalhar à distância quando se tratava de um instrumentista como Dadi no baixo ou a orquestra de frevo lá de Olinda. Mas desta vez foi intenso.
Você disse em entrevista que esse álbum é muito influenciado pelas suas referências afetivas do rádio. Quais são elas?
Acho que essa música pop, que começa lá atrás com Beatles e vem com as listas de sucessos nacionais e internacionais que eu sempre ouvi no rádio. Parada de sucessos mesmo. E foi algo que eu só me dei conta ao final.
Seu novo disco foi produzido durante a pandemia, e ele é essencialmente sobre amor, nas suas mais variadas formas. No momento mais crítico do isolamento social, se falava que sairíamos desse período transformados, de alguma maneira. Dito isso, a pandemia modificou o seu modo de enxergar, de lidar com o amor?
Acho que sim. Foi um período de intenso convívio dos casais, das famílias. Muitos casais sofreram por nunca terem vivenciado essa convivência estreita. Minha criatividade encontrou lugar nesse assunto, até porque foi para a minha própria saúde mental que compor foi fundamental.
Tem uma música no disco que é em homenagem ao rapper Sabotage, que você conheceu quando estava gravando o filme “O invasor” (2002). Vejo que você sempre fala dele com muito carinho, até já te vi cantando uma música dele no seu show. Queria que você falasse um pouco como era a relação de vocês dois.
Nossa experiência no cinema foi muito feliz e nos aproximou bastante. Trabalhávamos e conversávamos muito no set de filmagem. Lembrando nossas conversas foi que me veio o desejo de fazer essa homenagem. E a certeza de que sua obra continua presente.
De uns tempos pra cá, você tem se posicionado politicamente de maneira mais definida – no caso, revelando voto em Lula e até fazendo campanha pra ele. Isso me faz lembrar que o rock brasileiro dos anos 80, movimento do qual você fez parte, era bem politizado, mas que hoje em dia muitos contemporâneos seus ou evitam se posicionar mais firmemente ou se tornaram de direita. Primeiro eu queria saber: Quando você percebeu que devia assumir publicamente um lado político? E segundo, o que você acha que pode ter acontecido pra uma quantidade considerável de roqueiros dessa geração terem se tornado conservadores?
Eu sempre deixei muito evidente minhas posições. Acho que elas estão nas canções que eu faço, no mundo que eu sonho transformado nas minhas músicas e até no meu trabalho de ator. Considero que todos nós somos seres políticos e nossas ações sempre têm um efeito. A respeito dos meus contemporâneos, acredito que eles têm todo o direito de ter opiniões diferentes das minhas. Nossa convivência deve ser democrática acima de tudo.
Na sua saída dos Titãs, em 2016, você alegou que queria se dedicar a projetos individuais. E aí você gravou discos, fez filmes, novelas, até no teatro se aventurou. E agora, você se sente realizado?
Já me sentia realizado com uma carreira de tremendo sucesso junto a uma das mais importantes bandas brasileiras de todos os tempos. Mas continuo criativo e inquieto. Quero cantar o amor que eu sinto, viver novos personagens e contar histórias interessantes para emocionar as pessoas.
Você já está estabelecido como um artista multimídia, mas tem algo que queira fazer e ainda não fez?
Quero fazer mais e melhor. Aprendendo sempre.
– Ananda Zambi (@anandazambi) é jornalista e editora do Nonada – jornalismo travessia. Nas horas vagas, também brinca de fazer música.”