Ao vivo: Cris Braun festeja 60 anos com show íntimo e deliciosamente divertido

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

Gaúcha radicada em Maceió (desde sempre), Cris Braun viveu uma fase intensa no Rio de Janeiro dos anos 80 e 90, época em que se aventurou a ser “cantriz” (como se define) e assumiu a posição de frontwoman de uma das cult bands mais maravilhosas do período, o Sex Beatles, quinteto que chamava a atenção pelas letras poéticas espertas de Alvin L, o apelo glam do som e pelo vocal forte e a performance irrequieta de Cris – o Sex Beatles deixou dois discões gravados, “Automobília” (1994) e “Mondo Passionale” (1995), produzidos por Dado Villa Lobos e Tom Capone.

Assim que o grupo encerrou as atividades, Alvin L foi salvar o Capital Inicial do desastre literário de seu baterista Fê Lemos (imagina as variações de “vem bater no meu tambor, chega de falar de amor”, do álbum “Independência”, que poderiam ter vindo a seguir?) e gravou um maravilhoso disco solo que quase ninguém ouviu. Cris Braun, por sua vez, deu início a uma carreira solo deliciosa que hoje soma quatro álbuns repletos de pérolas aos poucos e um disco em colaboração com o tecladista, produtor e parceiro Dinho Zampier.

Quase Erótica” (2021), seu trabalho mais recente (sem contar o recém-lançado EP “Moti”, uma colaboração com Nilo Romero), é tanto um mergulho dentro da gaveta da Cris compositora quanto um olhar feliz e saudoso para a época dos Sex Beatles, ou como ela contou em entrevista ao Scream & Yell, “um Q de saudades dos tempos, saudades de mim”. Ao vivo, esse tempo passado volta a se tornar presente, e a sensação é de que o intervalo foi o de uma rápida ida ao banheiro (passaram-se 25 anos lá fora e aqui… 5 minutos).

Isso acontece porque Cris Braun, festejando seu sexagésimo aniversário no dia, transpira paixão no palco. Esse lugar, temido por muitos, parece a sala de estar da casa de Cris, e o fato do aconchegante Bona, no bairro de Pinheiros da capital paulista, replicar uma sala, deixa tudo ainda mais conectado. “Tudo Que Você Queria Saber Sobre Si Mesmo”, um clássico do Sex Beatles (regravado tanto por Alvin quanto por Cris), dá início ao passeio pelo tempo em um arranjo vigoroso, com a intervenção esperta de Dinho Zampier nos teclados, a bateria segura de Rodrigo Peixe, a guitarra áspera de Reuel Albuquerque e a voz perfeita de Cris.

A poética de Alvin L, popularizada em sua parceria com o Capital Inicial (ele é o principal letrista da banda desde o álbum “Todos os Lados”, de 1989, até os dias atuais), é daquelas que só melhoram com o tempo, e Cris apenas a valoriza. Num cenário carente de reais bons letristas (90% das ideias literárias boas em música no país hoje estão no rap, um estilo cuja qualidade de texto é diferencial, e os 10% do pop rock samba pagode sertanejo nacional não são tão inspiradores, tipo: “Ela riu da minha cara, eu ri da dela / o aperto no peito, a risada sincera”… sério?), o texto de Alvin se torna ainda mais forte e, nessa noite, ganha interpretação a altura.

A deliciosa “Invisíveis” (parceria de Cris com Luciana Pestano) vem na sequência com sua letra alvinelitica (“Ele diz a verdade / Quando eu quero a mentira/ Ela é flor da bondade/ Quando eu quero que agrida”) trazendo consigo a sessentista “A Cara da Metade” e “Príncipes e Feras”, uma das melhores inéditas de “Quase Erótica”, antecipada por Cris assim: “O repertório desse show é basicamente Sex Beatles, banda da qual fui uma cantriz no passado. Fui lá no passado buscar músicas inéditas que, ao lado dessas músicas do Sex Beatles, essas letras divinas maravilhosas, vão me deixando assim infanto juvenil fofinha para sempre”, para diversão dos presentes.

Duas pérolas da lavra de Alvin L surgem na noite, a maravilhosa “Aprender” (de seu disco solo, regravada por Cris em “Quase Erótica”) e “Essa é a Sua Vida”, parceria dele com Leoni que abre o segundo disco do Sex Beatles, e que aqui surge em versão calminha praieira com vocal belíssimo de Cris quase declamando essa letra… letrada (e atualíssima): “O que você faria por prestígio/ O que daria para ser notícia?”. Um belo cover de “Fuga Nº 2”, dos Mutantes, surpreende no set, fazendo cama para outra faixa grandiosa dos Sex Beatles, “Stromboli” (regravada por Marina).

Em sua sala de estar, Cris Braun reina absoluta e divertida entre goles de água e taças de vinho. Senta no chão para valorizar momentos solo dos músicos, agradece o carinho dos presentes, que tomaram todas as mesas da casa. “Logado”, outra das novas, uma parceria com Billy Brandão, encaminha o show para o trecho final, mas, antes, uma boa surpresa: “Estou chamando essa nova música brasileira de ‘Música Linda Brasileira’ e tenho um convidado especial, Bruno Berle, que é das Alagoas e está com disco pra ser lançado na sexta-feira”. Juntos, eles cantam uma versão linda e comovente de “Deve Ser Assim”, parceria de Alvin com Marina Lima presente no terceiro disco de Cris, “Fábula” (2011).

“Eu Nunca Te Amei, Idiota”, outra dos clássicos do Sex Beatles (que chegou a ser regravada por Ana Carolina), chega encorpada e agita a plateia com a voz de Dinho Ouro Preto (na plateia) se destacando no coro entre as mesas. “Impossível”, outra grande canção (inédita) de Alvin, marca presença no set, que ainda traz (mais uma do Sex Beatles) “…E Seu Namorado Também”, e a inédita (e deliciosa) “A Louca”, que rende um momento hilário: todos já sabem que o maior hit da volta dos shows pós pandemia são as variações do coro em “homenagem” ao excrementíssimo presidente da república, sempre entoado pelo público, que Cris, espertamente, incluiu no arranjo da canção (com tons dramáticos), para delírio de todos os presentes.

O show estava se aproximando da uma hora de duração, e Cris explica: “Vocês sabem que eu gosto de show curto, certo?”. O público presente, no entanto, quer mais, e ela cede e repete no bis “Tudo Que Você Queria Saber Sobre Si Mesmo” e “…E Seu Namorado Também”. A festa, no entanto, ainda não tinha acabado: um bolo é levado ao palco, teve cantoria de “Feliz Aniversário” e Cris, impagavelmente, se virando e levantando sua chemise: “Quem já me viu ao vivo sabe que eu sempre termino o show mostrando a bunda…” (risos). Uma última recomendação (empolgada) para fechar uma noite íntima e adorável: “Espero que vocês cheguem aos 60 anos com o mesmo pique que eu”. Também esperamos, Cris, também esperamos.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

5 thoughts on “Ao vivo: Cris Braun festeja 60 anos com show íntimo e deliciosamente divertido

  1. A grande questão das letras é encontrar em outros lugares. Juliano Holanda, Alessandra leão, Juliana Linhares, por exemplo…honram a tradição. E não tem como não curtir coletivo 401, Daniel groove …sem contar que vanguart, Los porongas, a banda mais bonita da cidade, juçara Marçal etc oferecem biscoitos diferentes e saborosos.

    1. A gente sempre teve tradição de bons letristas na música que está mais sendo consumida no país (por sucesso ou por hype, o que seja). Não era um nome ou dois, você sabe, eram vários. Isso não existe nem na geração mainstream atual nem na geração hype. É lógico que se pegarmos o todo de qualquer cultura vamos ter exemplos pra provar qualquer coisa, e não é essa a questão, mas sim olhar pra essa música que está no radar do público hoje (por desejo ou imposição, o que seja novamente) e perceber que há um vazio textual.

      Dos nomes que você citou, só Juçara se encaixaria (por hype – merecido – mas hype), ainda que seja interprete, pois afinal Vanguart é de outra geração (e os biscoitos deles andam bem comuns), Los Porongas e A Banda Mais Bonita estão hibernando, e Daniel Groove, Juliano Holanda, Alessandra Leão e mesmo Juliana Linhares não furaram a bolha ainda, não são o que o público está consumindo – apesar de terem produzido grandes trabalhos.

      A gente que consome música pra caramba tem acesso fácil a esses artistas e muitos outros – a lista é imensa. A questão é que essas as letras, antigamente, não precisavam que a massa fosse atrás delas: elas encontravam a massa. Porque tinham muita gente boa produzindo textos bons. Agora não, esses textos bons estão restritos a esses outros lugares que você comentou, a que eu e você e alguns outros temos acesso, mas na hora que a gente olha as músicas que todo mundo tá falando, o vazio é imenso.

      1. Não tem como discutir isso sem avaliar que o sertanejo, por exemplo, é soft Power do agronegócio. E que há um planejamento de controle bem azeitado por parte dessa galera. Isso acaba se refletindo no que vc analisou.

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