entrevista por Ananda Zambi
Uma nova fase de Otto se inicia. Após transformar seu hobby de pintar quadros em ofício na pandemia e lançar em 2021 seu primeiro livro, “Meu Livro Vermelho”, em que reúne textos e fotografias, o artista pernambucano lançou no dia 29 de abril seu sétimo álbum de estúdio, “Canicule Sauvage” (“ondas de calor selvagem” em francês, tradução livre).
O disco, que trata principalmente da urgência de combatermos as crises ambiental e política mundial, foi todo feito em casa com uma grande ajuda: o GarageBand, aplicativo em que, com um toque, é possível simular sons de instrumentos de verdade. Com isso, Otto garante que, com a facilidade proporcionada por essas novas tecnologias, a relação com sua própria música já se transformou, e de vez.
Em “Canicule Sauvage”, Otto assumiu, pela primeira vez, a produção musical, junto com Apollo 9, produtor que o acompanhou em seu primeiro e premiado disco solo, “Samba pra Burro” (1998). O disco começou a surgir um ano após o lançamento de seu último trabalho, “Ottomatopeia” (2017) – quando o artista começou a registrar diversas ideias e gravações soltas em seu celular, chegando a acumular mais de 250 células musicais, que se transformaram em 11 faixas.
“Canicule”, ou “canícula”, em português, designa períodos específicos de ondas de calor, geralmente associadas à presença de circulações atmosféricas anticiclônicas estacionárias. Otto trata desse tema literalmente no disco e também no sentido metafórico, se referindo também à “chapa quente” das polarizações, conflitos e guerras que tão acontecendo no Brasil e no resto do planeta, tentando também canalizar essa indignação em esperança e amor, assim como tudo que se propõe a fazer.
O título também é uma homenagem à França, país pelo qual o artista sempre foi fascinado – um de seus ídolos é o Serge Gainsbourg – e onde morou por alguns anos na década de 1990.
Mas diferente de alguns álbuns do músico, como “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos” (2009) ou “The Moon 1111” (2012), “Canicule Sauvage” abre diferentes possibilidades musicais em cada faixa. Tem rock, reggae, samba, mas sempre com uma presença eletrônica forte – que pode ter sido reforçada por causa da presença de Apollo no trabalho, que contribuiu para a expansão do pandeiro de Otto pelas searas da música experimental eletrônica.
O álbum conta com várias participações especiais, entre elas da cantora e atriz Lavínia Alves, com quem Otto assumiu um relacionamento esse ano, que participa em várias faixas do disco. Além dela também marcam presença Anaïs Sylla, Ana Cañas, Kenza Said, Tulipa Ruiz, Lirinha, Junio Barreto e Nina Miranda. O instrumental conta com percussões de Michelle Abu e Malê, baterias de Samuel Fraga e Pupillo, violões de Juliano Holanda e baixo de Douglas Couto.
Na entrevista abaixo, Otto conta um pouco sobre a concepção do álbum, passando pela ideia geral e pelo processo de produção da obra, e fala também sobre como o seu trabalho se inspira em ritmos nordestinos. O pernambucano comenta ainda sobre suas outras atividades artísticas, como a pintura e a escrita, e sobre como um aplicativo de celular se tornou, segundo ele, um novo pandeiro:
O nome do disco é “Canicule Sauvage” e fala muito sobre as questões climáticas que o planeta vem passando, mas não só. Queria que você contasse sobre o conceito do álbum.
Quando compus a música “Canicule Sauvage” vi que tinha a faixa título, o conceito e a inspiração do novo disco. Sabia que ia falar do presente e do futuro da humanidade… Quis falar de aquecimento global, de amor e deste momento autoritário que o Brasil e o mundo vivem. Queria falar da “chapa quente” e da urgência de termos um pensamento mais de preservação do meio ambiente, preservação da sanidade política e democrática.
Eu li que esse disco também é uma homenagem à França. Como é a sua relação com o país?
A França sempre será homenageada na minha vida, minha segunda língua… Morei lá em 1989, 1990 e 1991. Tenho uma grande admiração pela cultura francesa. “Canicule Sauvage” é uma homenagem explícita a Serge Gainsbourg e à música francesa.
Li também que você tem se inspirado no rap e no repente no que diz respeito a valorizar o que vem no momento, uma coisa quase de improviso, principalmente com relação às letras. Fala um pouco sobre esse processo criativo.
Talvez o único país que não inclui o rap nas suas influências é o Brasil. O rap é uma linguagem que uso e que está dentro das minhas influências. Quem vem do nordeste, como eu, que na cultura o rap já vem incluído na batida no improviso na embolada, o repente, o coco, o baião, o rap já é… Por isso utilizei na música “Peraí Seu Moço” como provocação, como deboche com a rima.
Como foi produzir um disco pela primeira vez?
Na verdade, eu sempre produzia algo nos discos, só que fazia a letra, cantava e mapeava, mas sempre tive produtores. Na verdade, dois produtores meu compadre Pupillo e Apollo 9. Dessa vez eu me nomeei produtor pois além de cantar e fazer as letras, eu toquei vários instrumentos, harmonizei e trouxe as melodias. Por isso, assumi a produção também. Apollo é um parceiro e um produtor genial. Um irmão.
Você pretende continuar usando o GarageBand e se autoproduzir nos seus próximos trabalhos?
Minha música atual certamente virá do GarageBand neste momento da vida. Estou começando um período mais autoral, mais meu, a minha criação. É aqui que passa meu trabalho.
Queria que você falasse um pouco das participações presentes em “Canicule Sauvage”, em especial da Lavínia Alves.
Lavínia Alves nasceu pra cantar, expressar e iluminar tudo que toca. A conheci no começo da pandemia e falamos muito à distância… Quando nos vimos, bateu o santo e estamos vivendo juntos. As últimas músicas do disco eu pensei: “Agora você vai passear pelo meu disco em várias músicas”. Ainda tem Tulipa Ruiz, Ana Cañas, Lirinha, Nina Miranda e Junio Barreto, Anaïs Sylla… Estas pessoas estão aí pois admiro demais os artistas que são. Pra cada uma destas participações, tinha a música que eu enxergava neles… Artistas que amo, amigos lindos.
Como tá sendo a volta aos palcos depois de dois anos sem shows (Otto fez um belo show encerrando o Festival Casarão, em maio, em Porto Velho)?
Estou começando a movimentar os shows. A volta é sempre bonita e necessária. Estava com saudades de estar do lado do meu público. Amo demais este povo maravilhoso.
Você também pinta quadros e escreve – Até recentemente lançou um livro, o “Meu livro vermelho”. Como andam essas outras atividades?
A pandemia me fez sair do lugar de conforto e gostar de pintar, segurou bastante a onda aqui em casa. Escrever é um vício. São coisas que vou levar pra minha vida, não paro mais… Julho será meu primeiro lançamento do livro presencial. Estou feliz e agradecido por estar vivo e produzindo muito.
– Ananda Zambi (@anandazambi) é jornalista e editora do Nonada – jornalismo travessia. Nas horas vagas, também brinca de fazer música.”
Excelente entrevista!
Obrigada <3