Texto e fotos por Fernando Yokota

“Você não vai lembrar, mas eles nunca vão esquecer”. Dizem que essa frase era o conselho que o saudoso Ronnie James Dio dava aos músicos mais jovens ao dizer que era importante dar, por menor que seja, um momento de atenção para os fãs. Louis Tomlinson provavelmente não chegou a conhecer a lenda do heavy metal, mas fez a máxima valer em noite com ingressos esgotados no Espaço Unimed em São Paulo.

Não durou mais que dois segundos, mas bastou uma apontada com o dedo no meio de “Don’t Let It Break Your Heart” e um contato visual para uma moça virar para a pessoa ao lado como quem pedia a confirmação do que acabara de acontecer. As lágrimas brotavam dos olhos na mesma velocidade em que os seguranças – em ritmo de operação humanitária – distribuiam copos de água para os fãs que sofriam do calor desumanamente humano que milhares de fãs exaltados geravam.

Entre fãs – dezenas deles – passando mal e sendo retirados da pista, gritos ensurdecedores e cartazes com pedidos de abraços, o cantor inglês veio ao Brasil promovendo “Walls”, seu primeiro álbum em carreira pós-One Direction e lançado pouco antes do início da pandemia. Com produção e banda impecáveis, Tomlinson apresentou repertório majoritariamente baseado no álbum, sem deixar de incluir músicas de sua ex-banda e alguns covers (destaque para “Beautiful War”, do Kings of Leon).

Declaradamente fã de Robbie Williams, alguns dos temas de “Walls” de fato sugerem seu apreço pelo ex-Take That (“Habit”, por exemplo, tem momentos que lembram “Strong”, do primeiro álbum solo de Williams). Entretanto, durante a uma hora e meia de apresentação foi possível perceber outras influências, como o Oasis dos tempos do “Be Here Now” (“Copy of a Copy of a Copy”), Def Leppard (“Little Black Dress”, uma das músicas do One Direction incluídas no setlist), a velha levada de “We Will Rock You” do Queen (“Fearless”) e o cover de “7” do Catfish and the Bottlemen.

Apesar de ser fã de Williams, a carreira de Tomlinson acaba encontrando paralelos muito mais evidentes na trajetória de outro ex-Take That, em Gary Barlow. Ambos começaram em boy bands de muito sucesso, eram os compositores principais de seus grupos, acabaram por entrar em carreiras solos (Tomlinson, ao que parece, com maior êxito que Barlow) que, apesar do sucesso, eram de certa forma ofuscadas pelo status de celebridade de seus ex-colegas (no caso de Tomlinson, seu ex-colega de One Direction Harry Styles).

Diferentemente da maioria dos artistas que saem em voo solo, Tomlinson não se apoia no catálogo do One Direction como muleta. Apesar de “Walls” ser seu primeiro registro solo, os fãs cantavam e vibravam com as músicas como se fossem clássicos com décadas de prateleira, mostrando mais ânimo com as composições novas do que com as de seu antigo grupo como foi possível ver em momentos como “Only The Brave” e “Kill My Mind”.

No bis, antes de fazer uma foto com o público e tocar “Through The Dark”, Tomlinson agradece pela noite, diz que ama os fãs e que não demorará tanto para voltar ao país. Na saída, uma faixa da rua interditada e lotada de pais esperando pelos filhos em clima de saída de escola. No semblante de uma fã, o desespero de quem tentava explicar o que acabara de acontecer à mãe, sem muito sucesso, enquanto a van que faria o traslado de Tomlinson de volta para o hotel chegava para levá-lo embora.

O velho Dio, afinal de contas, sabia do que estava falando: o que para o artista era só mais um dia de trabalho para o fã acaba por ser uma memória para o resto de sua vida.

Louis Tomlinson volta a tocar hoje, 29 de maio, em São Paulo no mesmo Espaço Unimed, com ingressos esgotados.

Setlist:

We Made It
Drag Me Down
Don’t Let It Break Your Heart
Two of Us
Always You
Too Young
Change
7
Fearless
Only the Brave
Habit
Copy of a Copy of a Copy
Defenceless
Beautiful War
Little Black Dress
Walls
Through the Dark
Kill My Mind

– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/