entrevista por Bruno Lisboa
Na estrada desde 2008, Bárbara Eugênia é uma cantora e compositora de muita personalidade que o Scream & Yell sempre tenta acompanhar de perto. Seja como artista solo (são quatro álbuns, o quinto está chegando agora), seja com seus projetos paralelos (Aurora, feito em parceria com Chankas, do Hurtmold, e “Vida Ventureira”, disco gravado junto a Tatá Aeroplano), seja com seus shows (como um em que ela homenageava Diana), pode se esperar sempre um trabalho pessoalíssimo vindo de Bárbara Eugenia.
Seu trabalho mais recente é “Crashes n’ Crushes”, lançado no final do ano passado e que reúne canções compostas entre 2015 e 2021. Gravado durante a estadia da artista em Lisboa, em “Crashes n’ Crushes”, Bárbara explora ares mais intimistas e minimalistas, apostando numa sonoridade mais acústica. Produzido por Bianca Godói (parceira no disco “TUDA”, de 2019) e pela própria Bárbara, nesse novo trabalho constam colaborações de nomes com o mineiro Thiakov e o músico português Noiserv.
Na conversa abaixo, concedida por e-mail, Bárbara Eugênia fala sobre a sua vida errante (“Sou bem ciganona mesmo”), o processo de composição e gravação do novo disco (que ela ainda esmiuça no faixa a faixa abaixo), pandemia e isolamento (“O que me pegou mesmo foi ficar sem fazer show“), a passagem por Portugal (“Quando fui para Portugal ano passado não tinha ideia de que gravaria um disco lá”), as participações especiais, retorno aos palcos e muito mais. Leia abaixo!
Primeiramente, eu gostaria de saber o que esse período representou para você? Como ser errante que é, como você lidou com o fato de ter que ficar confinada por um longo tempo?
Sou bem ciganona mesmo e, inclusive, estava com uma viagem longa programada para maio de 2020. Foi frustrante, claro. Mas acabei saindo de São Paulo em julho, fui pra Cotia, e isso salvou! Não tive essa sensação de confinamento que muito gente teve. O que me pegou mesmo foi ficar sem fazer show.
Se a arte pode ser especular ao seu tempo, o que “Crash n’ Crushes” representa? Como artista multifacetada que é, qual a Bárbara Eugênia temos nesse novo disco?
Depois de “TUDA”, esse disco talvez seja o mais meu. Fiz exatamente o que queria, segui todas as intuições e estou muito feliz com o processo todo. Esse minimalismo e introspecção são muito parte minha e é como essas canções precisavam ser mostradas. Ele é quase uma volta ao começo, só que um outro começo.
De modo geral a imprensa tem percebido e elogiado o caráter minimalista desse novo disco. Nesse sentido, como foi o processo de criação desse de “Crash n’ Crushes”?
Esse disco tem músicas que compus anos atrás, e desde sempre, elas estariam nesse disco, e sempre senti que elas deveriam ser bem cruas. Meu som sempre foi muito de banda, e foi muito interessante usar o mínimo. É sobre a canção, e ponto.
Recentemente entrevistei músicos como o Rod Kriger (TRIPLX) e Luiz Gabriel Lopes, que tem como elemento comum o fato de ter adotado Portugal como destino e refúgio para a sua arte. Para você, como se deu essa escolha? De que maneira estar em novo país, numa nova cultura, a influenciou de modo geral?
Quando fui para Portugal ano passado não tinha ideia de que gravaria um disco lá. Meu pai se mudou para os Açores no final de 2020 e eu fui ficar um pouco com ele. Mas recebi um “recado” do universo, a Bianca (que era da banda “TUDA”) estava morando em Lisboa e topou fazer comigo, e então tudo se desenrolou tão fluidamente que só tinha de ser mesmo. O que aconteceu foi que estava totalmente fora da minha zona de conforto, e isso não foi um problema.
Nesse novo trabalho você contou com as participações de Noiserv, Thiakov e da própria Bianca Godoi, que dividiu a produção do disco contigo. Como se deu o processo de aproximação de vocês e quais as contribuições eles trouxeram para o resultado final?
Como falei, a Bianca já estava por lá e já tocávamos juntas. Ela é uma jovem geniazinha e me sinto abençoada de ter ela como parceria, muita sensibilidade, muita abertura, é ótimo criar assim. Thiakov fez uma participação da música que é parceria nossa. Amigo de BH, vivendo em Lisboa há alguns anos, era mais que natural que ele chegasse pra somar. Noiserv foi uma baita e grata surpresa! A gente tinha trabalhado juntos em 2018, acho, numa trilha que ele estava produzindo. Quando fechei a parceria com a Bianca, fomos atrás de estúdio e lembrei dele. Escrevi perguntando e ele ofereceu o seu estúdio pessoal, que era perfeito para o “Crashes n’ Crushes”! Achei que ele alugaria o espaço e iria fazer as coisas dele, mas não. Ele ficou, o tempo todo, acabou entrando em todas as faixas, somou de um jeito que eu jamais podia imaginar e foi imprescindível pro resultado do disco. Esse tipo de conexão é muito mágica. Resultou, inclusive, em um disco menos minimalista! A ideia era ter ainda menos coisas, e ele trouxe uns mini elementos tão legais que quase tudo entrou.
Por fim, como tem sido o retorno aos palcos? E voltando a falar do trabalho com o Noisesrv como serão os shows que vocês farão juntos em São Paulo e no Rio?
Está maravilhoso! Apesar do primeiro show ter sido bem tenso, foi na segunda semana de janeiro quando explodiu tudo de novo por conta do fim de ano, e estava todo mundo com medo, quase não teve o show, foi tenso. Mas foi lindo! Uma montanha-russa de emoções… eu diria. Estou bem animada com esse encontro com o Noiserv! Fazer ao vivo o que já rolou em estúdio, poder compartilhar com o público. Poder trazê-lo ao Brasil pela primeira vez tá sendo bem especial. Vou cantar uma música linda no show dele e ele vai estar bastante presente nos meus, isso posso dizer.
Faixa a faixa
“Crashes n’ Crushes” por Bárbara Eugênia
01 – I Don’t Love You No More – Resolvi abrir e fechar o disco com vinhetas. Já é algo que andava rolando em alguns discos e gosto disso. Simples, papo reto, uma passagem ali ou, nesse caso, uma abertura. Penso nela como aquele momento no bar, quando está todo mundo falando junto e concordando com o depoimento da amiga (amigo, amigue). Aqui, esse momento é uma celebração do fim.
02 – Rain Oh Rain – Fiz essa música muitos anos atrás num voo longo (acho que pra Índia). Estava vendo o filme sobre a vida do Hank Williams e fiquei pensando naquele sotaque caipira americano e viajando na sonoridade e no universo country comecei a balbuciar “rain oh rain”. Logo corri pro banheiro pra registrar a ideia. Ano depois, encontrei o Thiakov (músico de BH, responsável pela guitarra slide da faixa), mostrei as ideias pra ele, que me ajudou a terminar, e assim a canção nasceu.
03 – O Amor Se Acabou – Essa foi escrita pra Wanderlea, na verdade. Seria para um disco novo dela que acabou não acontecendo, então quando eu estava revendo minhas coisas pra fechar esse disco pensei: essa música linda PRECISA entrar! Aqui, o músico português Noiserv já começa a dar mais as caras, gravando os synths.
04 – Favorite Music – Fala daquelas declarações de amor que a gente faz através de música, sabe? Era só um pedaço, eu pensava, e acabou que tudo que tinha que dizer era isso mesmo, o que está aí. E nessa, o que aparece brilhando mais é um bandolim vietnamita que a Bianca Godoi (coprodutora e instrumentista no álbum) arrumou emprestado e acabou virando uma das marcas desse disco.
05 – Build A Bridge – Sempre imaginei uma voz masculina bem grave cantando comigo essa música, que foi feita do outro lado do mundo pensando na saudade de um amor à distância que parece impossível. Quando fechamos o estúdio do Noiserv pra gravar o disco, vi que seria perfeito esse dueto.
06 – Do It Anyway – Essa é a canção mais recente do disco, escrita em 2021 mesmo. Ela fala daquele amor destemido, sonhador, de quando a gente se joga apesar de qualquer coisa. E aqui temos a presença de um lindíssimo instrumento chamado celesta (tipo uma mistura de piano e metalofone) que mora no estúdio do Noiserv e que, quando bati o olho, disse: eu quero esse som meu disco!
07 – Estrela Da Noite – Gravei essa música no ano passado, sozinha, no meu quarto. Foi a pedido de um programa de rádio de Londres chamado Barkino. Era pra escolher uma versão e gravar e eu estava há tempos querendo gravar essa do Mautner. Sou apaixonada por ele.
08 – Straight From The Stars – Sobre encontros e desencontros. Aqueles amores que duram a vida inteira porque nunca se materializam de verdade, mas que sempre que se encontram, arrebatam.
09 – Ready To Love – Fiz essa quando estava morando na roça, sozinha. E foi quando comprei um piano elétrico e voltei a estudar, e foi uma das primeiras composições que surgiram ali. Ela fala do medo de se entregar, de olhar pra dentro, entender as sombras e se abrir porque o amor pode estar ali, é só você que não tá deixando ele entrar.
10 – We Don’t Know – Também veio da minha época no mato e fala de libertação, de uma transformação na vida. Deixar o velho ir embora e se abrir para o novo sem saber o que vem, mas aqui existe confiança, esperança.
11 – Sambinha – A vinheta de encerramento é uma das canções mais lindas da “nova” música brasileira. Sou fã desses caras (Peri Pane e arrudA e seu “Canções velhas para embrulhar peixes”) faz tempo, já cantei ela muito em shows deles (nota: o Scream & Yell gravou um desses encontros) e senti que seria o final perfeito para essa história. Afinal, nos crashes ou nos crushes, estamos todes na mesma busca: o amor.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Debby Gram.