Cinema: “Garoto Chiffon”, de Nicolas Maury, mistura drama e comédia de forma agridoce

texto por Renan Guerra

Jérémie (Nicolas Maury) é um ator de meia-idade, gay e afeminado, que vive em Paris. Apaixonado por seu namorado Albert (Arnaud Valois), Jérémie se deixa levar por um ciúme doentio, que faz mal para todos os envolvidos. Após perder um papel importante e de colocar os pés pelas mãos em seu relacionamento, é o momento de Jérémie visitar a sua mãe (Nathalie Baye), que possui uma pousada no interior da França.

Esse é o plot principal de “Garoto Chiffon” (“Garçon Chiffon” no original), primeiro filme escrito, dirigido e estrelado por Nicolas Maury, que é conhecido de uma boa parcela do público brasileiro pela série “Dix Pour Cent”, disponível na Netflix. Conhecido pela sua comédia, Maury pode causar certa estranheza em seu papel de Jérémie, pois o filme (de 2020) que chega agora aos cinemas brasileiros torna meio nebulosas as definições entre drama e comédia.

“Garoto Chiffon” adentra em temas pesados, como suicídio, abandono, ciúmes, solidão e medo, mas é curioso como Nicolas Maury tem um olhar bastante específico sobre essa história e cria um universo que não se torna denso, mas que passeia entre a leveza e o humor, criando um filme que é agridoce, e que apesar de parecer quase cínico, é extremamente delicado. E isso pode se dar especialmente por sua criação da persona de Jérémie, um protagonista que nem sempre é defensável e que toma atitudes egoístas, mas que ao mesmo tempo é extremamente cativante em seus exageros e loucuras.

Exagero é uma boa palavra para “Garoto Chiffon”: os personagens do filme sofrem, sentem ao extremo e não têm vergonha de se jogar em seus sentimentos, por isso é normal que rolem lágrimas, gritos e brigas. Essas oscilações dos personagens se sustentam graças a um elenco bastante afinado, especialmente o trio Nicolas Maury, Arnaud Valois e Nathalie Baye.

Maury, por exemplo, consegue criar um Jérémie quase histriônico, mas que ainda assim é divertido, envolvente e faz com que o público torça por ele, apesar de seus defeitos. Nathalie Baye, que faz Bernadette, a mãe de Jérémie, é o ponto de sensatez do filme: calma, segura e de falar suave, essa é uma personagem que vamos descobrindo ao longo do filme e que vai apresentando os seus porquês aos poucos e isso é interessante quando confrontado com a figura exagerada do filho.

Há em “Garoto Chiffon” alguns momentos em que o roteiro poderia ser mais rdondinho, ele parece às vezes abrir arestas demais e talvez isso seja o seu ponto fraco. Maury consegue desenhar personagens muito bem, ele traz verdade para essas histórias, porém elas parecem escapar das mãos dele e isso no cinema pode causar distanciamento do público. Com uma força estética muito interessante, o filme consegue se desenvolver de forma coesa e se encerra de forma madura e bem amarrada, porém há pequenos pontos que parecem ficar no ar.

Tirando pequenos pormenores, “Garoto Chiffon” é um belo e curioso filme, que com seu universo quase estranho nos coloca nessa viagem melancólica e cheia de angústia ao lado de Jérémie. Por caminhos tortos, Nicolas Maury consegue passear entre o choro e o riso e é pouco provável que se saia incólume depois de passar por essas cenas todas de Jérémie, um protagonista que é em mesma medida odiável e apaixonante.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava



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