Texto, fotos e vídeo nº 1 por Bruno Capelas
Já dizia o poeta: “caminhante, não há caminho: o caminho se faz ao andar”. A frase é do espanhol Antonio Machado, mas o lema já esteve em qualquer cuca maravilhosa que já se pôs a enfrentar uma vida na estrada. É uma experiência da qual a música brasileira se serviu muito bem ao longo dos anos, em uma linhagem que inclui nomes como os mineiros do Clube da Esquina e a dupla do carioca Luiz Carlos Sá com o baiano Gutemberg Guarabyra, para ficar apenas em dois exemplos. Mineiro de Passa Quatro (e mais conhecido, desde 2017, como baixista da Maglore), Lucas Gonçalves tem retomado essa tradição em seus dois primeiros discos solo – “Se Chover”, de 2020, e “Verona”, de 2021. Na última quinta-feira (03/02), quem foi ao Bona, casa de shows na zona oeste de São Paulo, pode conferir não só uma das primeiras apresentações do repertório dos dois álbuns, mas também uma explicação prática dos versos ibéricos de Machado.
Lançados durante a pandemia, “Se Chover” e “Verona” retomam a tradição estradeira da canção popular brasileira, tanto em letra como em música. Nas temáticas, os dois discos versam sobre caminhos, as condições do tempo, as amizades e a beleza dos encontros (Lucas conversou sobre ambos com o Scream & Yell, aqui e aqui). Já a mão de compositor de Lucas recupera arranjos, sonoridades, referências e certa atmosfera enevoada, entre a poeira e a neblina, que muita gente se acostumou a ouvir com chiados em velhas vitrolas. Mas como falar da estrada em uma época em que a palavra de bom-senso (já que não há muita ordem) era ficar em casa? E como vive um músico que fala da estrada se ele precisa ficar no quarto?
Talvez venha justamente dessa inquietação parte da beleza da apresentação de Lucas no Bona. Ali, suas canções ganharam um colorido especial justamente por poderem encontrar o espaço – e esta não se trata apenas de uma discussão simples entre a diferença entre ver um show e ouvir um disco, mas sim de significados mais abertos. Canções como “Subir a Serra”, “Basta”, “Sol e Chuva” e “Amigos do Peito” (esta, de Iso Guedes, compositor de Passa Quatro e amigo de Gonçalves) foram feitas não para ficarem nos fones de ouvido, mas para serem cantadas em roda, com um coral em que sempre há um camarada meio desafinado, mas muito empolgado. É música que precisa de calor – e a despeito do tempo esquisito que fazia em São Paulo neste verão mofado, ele estava lá.
Como toda jornada em seus primeiros capítulos, às vezes nem todos os passos eram certos. Em alguns momentos, Lucas parecia ainda estar se acostumando a mostrar as novas músicas no palco. Também o público parecia buscar se entender com sua nova condição de cantar alto uma música ao mesmo tempo em que veste uma máscara. Por outro lado, só o reencontro já fazia muita coisa fazer sentido. E por falar em encontro, é belo o arranjo entre Lucas e a banda que conseguiu reunir, com Pedro Lacerda (bateria), Malli (baixo), Lucca Simões (guitarra) e Renato Medeiros (guitarra e sintetizadores). Juntos, os quatro tiveram espaço para brilhar sozinhos – Pedro ganhou o público quando trocou as baquetas pelas mãos para dar um efeito especial no ritmo, enquanto Lucca se mostrou um solista exemplar.
O quarteto também permitiu que Lucas alçasse novos voos (e foi bonito ver como ele pode cantar ainda melhor ao vivo que em disco). Um bom exemplo disso aconteceu em um intervalo específico do show, dividido entre duas partes – uma para “Verona”, outra para “Se Chover”. Entre as duas sessões, porém, Lucas pinçou uma canção antiga de Caetano Veloso, do tempo em que ele ainda nem tinha organizado o movimento: “No Dia em Que Eu Fui Me Embora”, uma balada bonita sobre a hora de partir que se encaixou lindamente em seu repertório. Outro momento marcante, puxado pelo esquema violão-e-voz, foi o de “Baixa a Poeira”, que poderia estar facilmente no “disco do Tênis”. Isso para não falar em “Vira Lata”, pop song que fechou a apresentação e mostra bem a capacidade de Lucas para compor canções acessíveis, sem perder a sofisticação.
Mais do que uma noite bonita, porém, a sensação de que o show que Lucas fez no Bona deixou foi a de que há uma estrada longa por aí. Sem pressa, o compositor mineiro já percorreu um caminho interessante e acumulou histórias. Sua música tem muito a ganhar ao se encontrar com o público e reveberar, literalmente, por aí. É um caminho que se faz ao andar – e sortudo de quem puder encontrá-lo por aí, tomando um trago e espantando os males do coração, encontrando os amigos do peito.
Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e, desde 2006, acredita que “maturidade é uma fase, adolescência é para sempre”. É um dos responsáveis pelo Programa de Indie, na Eldorado FM, e autor de “Raios e Trovões – A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum”, editado pela Summus Editorial. Colabora com o Scream & Yell desde 2010. Os vídeos 2 e 3 são cortesia da equipe do selo Pequeno Imprevisto.