resenha por Gab Piumbato
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O visual despojado da capa – camisa jeans, lápis e passaporte no bolso – camufla a produção deste novo conjunto de covers de outros artistas. Camuflou tanto que até esquecemos que esta é a Chan Marshall (seu rosto não aparece mais na capa, como em “Moon Pix” ou “Sun” – lembra desses discos?), aquela capaz de habitar uma canção do avesso para trazer apenas a sua verdade para nós.
Tudo isso é passado. Só resta o seu nome. Para quê fazer um cover inferior de Frank Ocean? Parece difícil considerar as canções deste disco uma vitória quando temos vontade de ouvir os originais novamente. Bate uma saudade de The Pogues diante da aberração que é o seu cover de “A Pair of Brown Eyes” (o que é aquele pandeirinho ali no fim, uma participação não-creditada de Liam Gallagher? A classe de Shane MacGowan não merecia esse assassinato).
“Unhate” mantém a tradição de referenciar uma composição da própria Cat Power, agora revisitando o disco “The Greatest”. Poderia ser a Sky Ferreira cantando que daria na mesma. Chan não quer ser especial, quer ser uma “regular”. “Pa Pa Power” é um cover de Ryan Gosling, sim, o ator. Por gentileza, me diga que é um filme ruim. Tem Lana Del Rey, claro. E assim vamos empilhando curiosidades inúteis. Dessa vez não há convidados para dividir a culpa. A mudança para Miami fez bem à Chan Marshall, mas não à Cat Power.
Segundo Elizabeth Goodman, a sua biógrafa não-autorizada, “Um crítico que espera de Cat Power mais do que ela está dando é alguém que ela aprecia, alguém que a respeita mais do que ela respeita a si própria”. Respeitem Cat Power. Mais “Respect”, por favor, e menos autotune. Em vez dos seus “whatever”, comuns em entrevistas, agora é o momento de fazer valer a sua frase preferida: “I’m sorry”. Por sinal, título de uma canção ganhadora do Grammy de melhor performance vocal em 1960 na interpretação de Brenda Lee:
I’m so sorry.
Ao dar o seu tratamento idiossincrático ao cancioneiro americano, de Sinatra a Tin Pan Alley, Bob Dylan disse estar fazendo não um “cover”, mas “uncovering” (descobrindo) a canção, trazendo-a à vida. Não havia nada mitológico nos covers de Cat Power: ela não referenciava (nem reverenciava) ninguém, muito menos queria se aproveitar da aura alheia. Ela apenas convertia a canção para o seu universo, o universo Cat Power, repleto de peso e catarse.
Antes seus covers nos retiravam para a sua realidade, o universo Cat Power, agora nos jogam ao mundo. Antes éramos uma tribo, agora somos apenas mais um entre milhões. Antes ela entrava no estúdio e nos dava “Color and the Kids”, agora ela manipula o autotune. Antes ela fazia discos que ninguém mais fazia, agora ela faz discos que todos fazem. Antes podíamos tentar articular o que significava a voz de Cat Power para nós, agora uma métrica tola como a parada de sucesso da Billboard ou os decibéis no Pro Tools são os fatos incontestáveis.
A sua primeira canção, composta aos 7 anos, se chamava “Windows”. No universo frio e artifical de Cat Power 3.0 nenhuma janela se abre. Do outro lado do muro, só trazemos no coração os ecos da sua voz. Rouca, triunfante, humana.
Na sua fase mais feliz em cima dos palcos, durante as turnês de “The Greatest” e “Jukebox” (2006-2009), o pianista Gregg Foreman costumava apresentá-la: “De Georgia, Atlanta…” – e ela o interrompia antes do anúncio de seu nome: “Vocês sabem quem eu sou”. Não sabemos mais. Não há mais nenhuma revelação pessoal. Será pedir demais para ouvirmos a sua voz, ‘one more time with feeling’, como cantou Chrissie Hynde? Viva el amor! Viva Cat Power!
– Gab Piumbato é jornalista e autor da melhor discografia comentada de Bob Dylan em português (aqui)
Engraçado, as três que o Marcelo colocou aí na edição me soaram legais.
Acho que o adjetivo “assasinar” é pesado demais. “Covers” é apenas um disco óbvio, um disco que Rod Stewart gravaria. Vai ver que a Chan tá precisando de grana e quis fazer um disco comum, igual ao que todo mundo faz, pra pagar a hipóteca dela. Não culpo, mas prefiro quando a Cat Power soava Cat Power.
Na época também falaram que ela assassinou Rolling Stones no outro disco de covers. Particularmente eu gostei desse disco. Não é genial, mas é um bom disco e nada tão diferente do que ela costuma fazer.