Meu disco favorito de 2021: The War on Drugs, por Pedro Hollanda

MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #6
“I Don’t Live Here Anymore”, The War on Drugs
escolha de Pedro Hollanda

Artista – The War on Drugs
Álbum – “I Don’t Live Here Anymore”
Lançamento – 29/10/2021
Selo – Atlantic

Durante a primeira metade de sua discografia, o War on Drugs – ou melhor, Adam Granduciel – parecia desinteressado em colocar canções de fato em seus álbuns. Pérolas sempre eram encontradas nos primeiros lançamentos, mas a sensação prevalente ao escutar é que a principal preocupação do grupo era a vibe.

Numa entrevista, o baixista Dave Hartley – membro mais antigo do grupo fora Granduciel – contou como Granduciel e o então membro da banda Kurt Vile (presente no disco de estreia) se aplicavam com afinco tentando replicar duas coisas em particular: a levada da versão de “It’s All Over Now, Baby Blue” tocada por Bob Dylan na lendária cena de “Don’t Look Back” onde ele humilha sem dó nem piedade o músico inglês Donovan; e através de experimentos com todo tipo de sintetizadores e efeitos procuravam replicar não necessariamente “My Hometown”, clássico de Bruce Springsteen da era “Born in the USA“, mas particularmente a sensação causada neles pela canção. Como era experienciar os teclados de Roy Bittan e Danny Federici no banco de trás do carro de seus respectivos pais quando crianças.

Quando “Lost in the Dream” (2014), o terceiro trabalho do grupo, foi lançado, houve uma mudança drástica na trajetória do grupo no sentido que as canções começaram a aparecer mais. Tanto nesse disco quanto seu sucessor, “A Deeper Understanding” (2017), foram marcados por processos árduos de composição e gravação depois caracterizados por Granduciel como prejudiciais à sua saúde mental. Entretanto, acabaram providenciando ao compositor um caminho para aliar todas suas influências e dá-lo a confiança de se abrir emocionalmente através das letras, embora ainda bem oblíquas.

Desde “A Deeper Understanding”, outras mudanças ocorreram no entorno da banda. Granduciel se mudou de Philadelphia, sua cidade natal e praticamente a versão do grupo da Nova Jersey de Springsteen, para Los Angeles, onde agora mora com sua companheira, a atriz Krysten Ritter. Eles tiveram um filho em 2019, chamado Bruce. E, talvez mais importante, o War on Drugs através de turnês promovendo os dois maiores sucessos da carreira deles, se tornou uma banda de fato. Esse processo é exemplificado no disco ao vivo “Live Drugs“, lançado ano passado, e no Super High Quality Podcast, criado pelo grupo para discutir o processo por trás da seleção da tracklist e como aprender a tocar as canções ao vivo, uma vez que “Lost in the Dream” e “A Deeper Understanding” são discos produzidos a partir de muita experimentação de estúdio por Granduciel. E uma das principais lições aprendidas nesse podcast é como o líder foi se abrindo aos poucos para a ideia de um álbum com sonoridade mais orgânica e presente. Uma banda tocando junta.

É um tanto irônico que o disco mais “banda” do War on Drugs tenha sido composto principalmente durante o período de quarentena e distanciamento social, mas é uma vibe clara desde a faixa de abertura, “Holding On”, uma balada que ecoa a fase “Blood on the Tracks” de Bob Dylan. A presença dos outros membros – o já mencionado Hartley, o tecladista Robbie Bennett, o guitarrista Anthony LaMarca, o saxofonista Jon Natchez e o baterista Charlie Hall – se faz evidente ao longo de “I Don’t Live Here Anymore” em maneiras singelas, porém contundentes. Os teclados estão mais presentes do que nunca. Foram aos poucos deixadas de lado as baterias eletrônicas, antes uma presença constante para replicar o ritmo motorik de uma das maiores influências do grupo, os alemães do Neu!. Backing vocals são mais presentes e característicos, a ponto da excelente faixa título ter a primeira participação especial na discografia, da dupla americana Lucius.

E isso tudo faz “I Don’t Live Here Anymore” um disco tão aberto que as letras não tinham como não refletir essa sonoridade. Granduciel nunca foi um letrista direto – e continua bem oblíquo – mas ele não apenas faz alusão a sentimentos e locações vagas aqui. Cidades são mencionadas por nome, shows do Bob Dylan onde ele dança com alguém ao som de “Desolation Row“, e a relação com o pai é discutida numa constante meditação sobre envelhecimento e conflitos geracionais. A canção “Harmonia’s Dream”, embora não seja sobre isso, recebeu esse nome porque Bruce, seu filho pequeno, sempre gostava muito quando Granduciel colocava para tocar no carro discos do supergrupo de krautrock Harmonia – formado por Michael Rother do Neu! com Hans-Joachim Roedelius e Dieter Moebius do Cluster.

Quase tudo é tangível nesse disco, algo que não acontecia com os álbuns anteriores. Talvez essa seja a vibe procurada há tanto tempo por Granduciel, talvez não seja. Talvez ele tenha desistido de ir atrás ao descobrir algo diferente no caminho. Talvez o título “I Don’t Live Here Anymore” queira dizer que ele não se vê mais nesse estado de busca por algo efêmero do passado. O que ele encontrou ao invés acabou rendendo um disco lindo, possivelmente o melhor da banda.


– Pedro Hollanda é jornalista de formação, cineasta de profissão e opera o blog Teatro Magnético.

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