introdução por Marcelo Costa
faixa a faixa por Blubell
“Como cantar e dançar em meio a um massacre?”, pergunta Blubell ao comentar, logo abaixo, uma das faixas de seu belíssimo sexto disco, “Música Solar Para Tempos Sombrios” (2021), e relembrando o ato heroico do septeto que, pretendendo acalmar os passageiros, tocou por todo o tempo que foi possível no Titanic, naufragando com o navio, a única resposta possível é: “Suingando e ouvindo Blubell animadamente”. Ou, como diria outro, que a felicidade seja a nossa melhor vingança, então vamos nos vingar… dançando.
“Música Solar Para Tempos Sombrios” é mais um disco elegante de Blubell, mas não deixa de prestar atenção em suas letras deliciosamente inteligentes, transpirando sarcasmo lírico. “Recebi um convite para cantar em um prêmio chique de uma revista mundialmente renomada, pasmem, sem cachê. A pessoa que fez o convite disse que embora não houvesse cachê, “a nata da nata” estaria presente. Corri pro violão e fiz ‘A Nata Sou Eu’”, conta divertidamente abaixo, falando da canção que traz, ainda, Ná Ozzetti e Suzanna Salles.
Blubell assina as nove faixas de “Música Solar Para Tempos Sombrios”, uma delas em parceria com Zélia Duncan (“Um blues lascivo, clima de paquera nos anos 40”, avisa), e estende a experiência do álbum em um livro, que está saindo pela editora Lyra das Artes (o disco é mais uma parceria da artista com o selo YB Music) com nove crônicas, cada uma inspirada em uma faixa do disco. Abaixo, Blubell comenta a inspiração de cada uma das faixas do álbum. Leia, dê play e venha dançar alegremente com a gente…enquanto o navio Brasil afunda.
Faixa a faixa por Bluebell
01) “O Futuro” – Acordei com essa frase na cabeça: “A ponta do meu nariz já está no futuro”. Corri pro meu arquivo de melodias e harmonias psicografadas e encontrei uma bem recente que se encaixava perfeitamente. Desenvolvi a canção a partir disso. Tava num momento bastante sombrio da vida, precisando me agarrar em qualquer coisa que brilha… Hoje vejo essa música como meu hino da esperança pró-ativa, que é bem diferente de um otimismo passivo… Fizemos o arranjo dela tocando juntos. Destaque pro baixo firme, porém macio, do Igor Pimenta e o solo de piano do Danilo Penteado que não sei por que, me lembra “Bring On The Night” na versão do disco ao vivo do Sting.
02) “A Nata Sou Eu” – Recebi um convite para cantar em um prêmio chique de uma revista mundialmente renomada, pasmem, sem cachê. A pessoa que fez o convite disse que embora não houvesse cachê, “a nata da nata” estaria presente. Corri pro violão e fiz “A Nata Sou Eu”. Pensando no arranjo dela com Luca Raele, optamos por emular um bolero antigo. Ninguém melhor que o Luca pra fazer o arranjo de vocais que ninguém menos que Na Ozzetti e Suzanna Salles cantaram lindamente. Nunca cantei acompanhada de um coro tão chique. Duas sereias a sério. A Suzana ainda faz uma interpretação hilária da voz da “socialite sem noção” no início da faixa.
03) “Música Americana” – Essa música fala da influência que eu tenho de música anglo-saxonica e da patrulha que existe em cima disso para artistas brasileiros. Olha-se torto pra quem escreve letras em inglês e não sabe sambar. O arranjo dela ficou com uma cara de cabaret dos anos 70. Destaque para Zé Ruivo nas teclas e Luca Raele no clarinete.
04) “No Banco De Trás” – Falando em música brasileira, acho que “No Banco de Trás” tem uma baita influência do samba-canção que se fazia nos anos 50 no Brasil. A letra fala sobre a ilusão do controle que temos da vida. Achamos que estamos dirigindo o carro da nossa vida, mas, na verdade, estamos no banco de trás. Tive essa ideia porque tenho esse sonho recorrente de que estou tentando dirigir um carro do banco de trás. Danilo penteado no piano, Igor Pimenta no baixo acústico deixaram o asfalto lisinho pra eu deslizar a voz.
05) “Blues do Pijama” – A única parceria do disco com a magnânima Zélia Duncan, que fez a letra sob medida pra eu cantar até com trompete de boca. Um blues lascivo, clima de paquera nos anos 40. Destaque para o naipe elegante de clarinete do Luca Raele.
06) “Empatia” – “Nada como errar, errar outra vez e mais uma vez, pra acertar”. Escrevi essa música pensando no meu amadurecimento com as cagadas que fiz na vida. Quanto mais a gente erra e entende que errou, mais empatia a gente tem com os erros do outro. Destaque para Richard Ribeiro, baterista mais cremoso da praça, que deixa no chão e no pop um arranjo que poderia ter ido pra um caminho mais do jazz clássico.
07) “O Sol” – Minha balada de protesto, escrita antes do coiso ganhar a presidência, mas numa fase em que já tinha um clima militar rondando o País. Como cantar e dançar em meio a um massacre? Destaque para os efeitos sonoros que o quarteto fez ao final, que me remetem a ratos saindo de bueiros. E um “easter-egg” para beatlemaníacos.
08) “Frágil” – Na hora de falar de solidão, escolhi falar com leveza e humor. Por isso, essa é a mais dançante e a mais irônica do disco. A mais “pop” também, talvez.
09) “The Bright Side Of The Moon” – “Psicografei” essa música ao piano e em inglês. Saiu tudo junto, música e letra. É a boneca de louça do disco. O quarteto fez dela uma explosão de luz e cores.Muito louco pensar que eu estava num momento bem sombrio da vida quando fiz essa canção tão solar. Resume bem a pegada do disco todo. Escrever essas canções foi o que me curou no período em que assisti minha mãe, cheia de metástases no corpo, se encaminhar para passar para o outro plano.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne.