Texto por Pedro Salgado, de Lisboa
Vestida de verde e exibindo um sorriso aberto, Beatriz Pessoa entrou confiante no palco do pequeno auditório do Centro Cultural de Belém. Pouco antes, já tinham comparecido os três músicos que a acompanhariam durante a atuação e, previamente, escutou-se um ‘spoken word’ no qual Beatriz refletia sobre o efeito positivo que a primavera lhe provocava (outros trechos similares viriam mais tarde). Em causa estava a apresentação lisboeta do álbum “Primaveras” num show que, devido aos condicionalismos provocados pela pandemia, só pôde ser concretizado a 14 de outubro de 2021 (Beatriz conversou em março com o Scream & Yell sobre o disco).
O espetáculo começou com “Acordar”, numa toada a meio gás, pontuada por efeitos sonoros, em que Beatriz mostrou o seu poder vocal, dando o tom para o resto da performance. Seguiu-se o pop colorido de “Canção Leve”, onde a cantautora lisboeta ensaiou uns pequenos passos de dança enquanto a banda imprimia um pendor ritmado à canção. “Boa noite. Obrigado por terem vindo. É um concerto que eu desejei muito, porque cresci assistindo a shows no Centro Cultural de Belém e pretendia apresentar o disco aqui”, começou por dizer a uma assistência que se rendeu, sempre, ao seu talento e simpatia.
A noite prosseguiu com uma sequência de três canções relativas aos EPs “Insects” (2016) e “II” (2018). Em “Vento” destacou-se a boa interpretação da artista e “Disguise” (uma canção alusiva “à necessidade de utilizar máscaras interiores”), com Beatriz nos teclados, guiada pelo ritmo compassado da banda, proporcionou um instante de delicadeza sonora que encantou o público. Mas, seria “Everyday Fights” a arrebatar o título no primeiro grande momento da noite, combinando uma pegada soul com um ligeiro travo eletrônico e em plena fruição interpretativa dos quatro músicos.
Pouco depois, Beatriz apresentou a convidada especial do show: “Vou chamar ao palco uma grande cantora, compositora e professora de voz com quem aprendi muito. O vosso aplauso para a Joana Espadinha”. Juntas, interpretaram “Leva-me a Dançar” (da autoria de Joana Espadinha) e “Dueto”, num registo agradável marcado pela empatia entre as duas artistas. Com o single “Elefante da Sorte” veio outro ponto alto do espetáculo, em que Beatriz Pessoa interpretou muito bem um pop onde são visíveis as suas influências musicais brasileiras. O trio composto por Francisco Santos (bateria), Ricardo Marques (baixo) e Guilherme Salgueiro (teclados), forneceu o tapete sonoro indicado para conduzir o tema para outras latitudes, antes e durante o momento em que Beatriz cantou em português do Brasil.
A envolvente “Laura” e a luminosa “Primaveras” abriram caminho para um novo dueto com Joana Espadinha, através da sugestiva “Fala Com Deus”, num desempenho animado que validou novamente a afinidade da dupla. Regressando ao EP “II”, Beatriz Pessoa assinou uma excelente interpretação de “Feminina”, onde se encontrou no seu território favorito e correspondeu com elegância e expressividade vocal. Nesta altura, a atuação decorria em velocidade de cruzeiro, conciliando perfeitamente as expectativas do público presente com a energia da cantora.
Mais tarde, Beatriz recordou, com graça, uma viagem que fez a Nova Iorque em 2019: “Fiquei num Airbnb que afinal era uma ‘crack house’ (risos)” e contou um pouco da gênese do disco “Primaveras”, resultante da sua estadia de cinco meses no Rio de Janeiro: “Depois de Nova Iorque fui para o Rio e conheci uns músicos incríveis. O álbum nasceu lá e foi gravado num estúdio em Santa Teresa”. Após a relaxante “Colo Secreto”, apresentou os músicos, agradeceu o apoio do público e saiu de cena. Mas, voltaria logo depois para cantar uma versão intimista de “Nós”, acompanhada apenas por Ricardo Marques na guitarra acústica.
No encore, a artista enalteceu a música brasileira e a influência que recebe do Brasil e cantou a capella um tema de Tom Zé (“Menina, Amanhã de Manhã”), que arrancou muitos aplausos pelo empenho magistral que colocou na interpretação. Por fim, já com a banda toda em palco, regressou igualmente Joana Espadinha para uma despedida em festa, repescando a faixa “Dueto” e celebrando a amizade que une as duas cantautoras. Ao fim de 80 minutos de um espetáculo composto por boas surpresas, o maior destaque da noite foi, indiscutivelmente, a notável capacidade interpretativa de Beatriz e a forma natural de transmitir as suas emoções num punhado de canções frescas. Se mantiver a abertura criativa que tem manifestado e seguir o seu instinto musical, Beatriz Pessoa poderá alcançar, muito em breve, um lugar de destaque no panorama pop português.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. As fotos são de Maria Bicker.
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