entrevista por Luiz Mazetto
Na ativa desde 2005, o grupo canadense Nadja faz um som difícil de definir, quase indecifrável, uma mistura inspirada e bastante barulhenta de diferentes gêneros do metal e do rock alternativo, o que já rendeu descrições no mínimo criativas como “ambient doom”, “dreamsludge” e “metalgaze”.
Apesar de ser originalmente de Toronto, no Canadá, o duo, que também é um casal, formado pelo multinstrumentista Aidan Baker e pela baixista Leah Buckareff, adotou a cidade de Berlim, na Alemanha, como lar há cerca de uma década. E foi em seu estúdio caseiro na capital alemã – e também no seu espaço de ensaios – que o Nadja gravou o seu mais recente trabalho, o denso e melódico “Luminous Rot”, lançado no último dia 21 de maio pela Southern Lord.
Na entrevista abaixo, feita por e-mail, Aidan fala sobre suas experiências ao longo do último ano em meio à pandemia da Covid-19, conta como foi ter o David Pajo (Slint) mixando o disco novo do Nadja, relembra a passagem da banda pelo Brasil no cada vez mais longínquo ano de 2013, explica as diferenças entre ser uma banda na Europa e na América do Norte e ainda revela quais discos mudaram a sua vida. Confira!
Como foi esse último ano para vocês com a pandemia? Como isso afetou a sua abordagem/visão para compor?
Foi um ano difícil. Fazer shows e vender discos na estrada têm sido a nossa principal fonte de renda há alguns anos. Então com isso sendo retirado, tivemos de olhar para outros lugares para o nosso sustento. Ao menos, tive a felicidade de poder fazer alguns trabalhos com trilhas-sonoras e mixagem/masterização. Para ser totalmente honesto, estávamos prontos para parar de fazer turnês por um tempo, mas a incerteza deste último ano não permitiu realmente que tivéssemos um ano sabático relaxante. E apesar de estar trabalhando em vários projetos diferentes neste período, tem sido difícil dar sequência e completá-los, em meio à incerteza de não saber como (ou se) poderemos compartilhar esses projetos com o mundo.
Além de trazer algumas músicas mais curtas em comparação com os seus outros trabalhos, o novo disco, “Luminous Rot” (2021), traz uma abordagem mais direta, na minha opinião. Isso foi algo intencional ou mais uma consequência desses tempos mais urgentes que estamos vivendo desde o início da pandemia?
Na verdade, começamos a trabalhar nas demos para essas músicas antes do início da pandemia. As músicas tiveram origem em gravações mais cruas com uma bateria analógica, em vez da bateria eletrônica que costumamos usar, e penso que os sentimentos dessas partes de bateria acabaram direcionando o formato e a direção das músicas de um modo um pouco diferente.
O disco foi mixado pelo David Pajo, do Slint. Como são fãs do Slint, queria saber como foi tê-lo no seu álbum. Qual foi a importância desse acontecimento, digamos, para vocês?
Ficamos muito felizes de trabalhar com o David, uma vez que somos sim grandes fãs do Slint. E gosto tanto do “Tweez” (1989) quanto do “Spiderland” (1991), provavelmente porque soa mais como Big Black ou Jesus Lizard. Apesar de não esperarmos exatamente que o David nos fizesse soar como o Slint, ficamos satisfeitos em como ele mudou o nosso som ao focar em diferentes elementos da mixagem do que nós mesmos teríamos feito.
E como o foi processo de trabalhar com o David, vocês costumavam falar com frequência? E o que acha que ele trouxe de diferente para a sua música?
Tivemos algumas conversas com o David e ele nos enviou algumas versões diferentes para ver o que achávamos. Então as faixas foram e voltaram algumas vezes antes de chegarmos às versões finais. Penso que a comunicação foi um pouco frustrada por causa da pandemia, uma vez que nem sempre era fácil nos conectarmos por conta das circunstâncias. Mas não saberíamos dizer como o processo poderia ter sido em tempos mais “normais”. Quanto às diferenças, penso que ele suavizou um pouco as guitarras e a bateria para que elas soassem um pouco menos “metal”, além de ter trazido os vocais mais para frente e destacado os elementos melódicos das músicas.
Aliás, como acabaram chegando no David para trabalhar no disco? Já o conheciam? Ou o contato aconteceu por meio da Southern Lord? Sei que ele é um bom amigo do Greg Anderson (Southern Lord), já tendo tocado em um disco do Goatsnake e feito turnês abrindo shows do Sunn O))).
O Greg (Anderson), atuando como um produtor para o disco, sugeriu que tivéssemos outra pessoa além de nós para fazer a mixagem final e nos apresentou ao David.
Em termos de letras e temas, o disco explora assuntos como primeiros contatos e inteligência alienígena. Essa área de conhecimento foi algo que sempre te interessou? Ou é algo mais recente, inspirado pelos livros mencionados no press release, como os trabalhos de Stanislaw Lem e Cixin Lui e também o livro “A Field Guide To Hyperbolic Space”, de Margaret Wertheim?
É uma combinação das duas coisas. Já tenho interesse em ficção científica há bastante tempo – embora o tipo mais filosófico, em vez de ópera espacial. Lem têm sido um favorito há alguns anos, desde que o estudei na universidade, na verdade. Mas quando li recentemente a trilogia de Lui, algumas das ideias expressadas nas obras me fizeram pensar não apenas em primeiros contatos, mas também em astrofísica e espaço hiperbólico – algo que em que Leah possui interesse há algum tempo, especificamente porque é algo que se relaciona com crochê. Então essas foram meio que uma convergência de influência para nós, às quais chegamos de forma independente e por meio de diferentes fontes… por isso nos pareceu apropriado como um tema para um disco.
Ainda sobre isso: qual a importância de livros, filmes e outras formas de arte além da música para o seu processo de composição? E uma vez que são um casal, sente que vocês trocam mais essas referências e influências um com o outro?
Outras formas de arte – outras músicas também – são muito importantes para o nosso processo criativo, seja ao fornecer temas específicos com os quais queremos trabalhar ou, mais genericamente, simplesmente oferecendo algum tipo de inspiração. E sim, certamente existe uma troca entre nós dois.
Vocês estão em Berlim há cerca de uma década, certo? Mas antes disso vocês estavam baseados em Toronto, no Canadá. Acredita que as cidades influenciaram/moldaram o som de vocês de alguma forma? Pensa que poderiam ter criado os mesmos discos que criaram em Berlim se ainda estivessem em Toronto, por exemplo?
Não diria que as cidades por si só influenciaram ou moldaram exatamente o nosso som, mas que as diferenças entre a Europa e a América do Norte afetaram como vivemos e trabalhamos enquanto músicos. Existem consideravelmente mais oportunidades para nós tocarmos e fazermos turnês na Europa do que no Canadá – apesar de existirem muitos músicos canadenses incríveis e cenas interessantes, o tamanho do país torna bastante difícil fazer turnês. E se você comparar a densidade populacional, simplesmente há mais pessoas na Europa, o que torna muito mais fácil encontrar um público. Se pensarmos que fizemos muito mais shows e turnês na última década desde que mudamos para Berlim, isso certamente contribuiu para o crescimento e a evolução do projeto. Então isso nos permitiu criar e alcançar coisas diferentes que provavelmente não teríamos alcançado se tivéssemos ficado no Canadá, pelo menos não neste ponto da nossa carreira.
Vocês tocaram no Brasil em 2013. Quais as suas lembranças desta viagem e dos shows? Há algo em especial que chamou a sua atenção?
O Brasil foi algo bastante novo para nós, uma das nossas primeiras experiências em um país tropical, e apesar de termos feito shows em diferentes cidades, penso que gostei mais de São Paulo – tanto os shows que fizemos quanto o tempo livre que pudemos passar na cidade.
Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
O primeiro é o “Songs About Fucking” (1987), do Big Black. Estava curtindo muito punk quando ouvi esse disco pela primeira vez, e apesar de ter muitos elementos do punk, era algo bastante diferente. Não apenas a bateria eletrônica, que dava um aspecto mais eletrônico/industrial ao álbum, mas também as texturas dos sons de guitarra que combinavam uma aspereza com uma certa efemeridade.
Outro seria o “Rid of Me” (1993), da PJ Harvey. O fato de o Steve Albini, do Big Black, ter produzido esse disco foi uma razão para eu ter me interessado para escutá-lo. Mas gostei imediatamente da angularidade e da natureza ácida das músicas, tanto em termos sonoros quanto das letras. Também gosto do jeito como ela toca guitarra e seu estilo de fraseado e ritmo, que são únicos.
E, por fim, vou citar o “Confusion Is Sex” (1983), do Sonic Youth. Esse não foi o primeiro disco do Sonic Youth que ouvi, mas assim que o escutei ele se tornou (e continua sendo) o meu favorito. Apesar de gostar de outros discos da banda, o “Confusion is Sex” soa como o trabalho mais obscuro e pesado deles. E mesmo sendo um disco difícil e experimental, ainda é um álbum focado nas músicas. Eles conseguem criar estrutura dentro da cacofonia, amansar o ruído com melodia.
Essa é a última pergunta. Do que você tem mais orgulho nesses mais de 15 anos de carreira com a banda?
Que tal…existir como uma banda por mais de 15 anos!
Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!