entrevista por João Pedro Ramos
De repente, chegou um CD aqui em casa, vindo diretamente da longínqua Suíça. Na capa, um adesivo dizia: “Dos becos de Bern, na Suíça, Maryanne Shewolf e sua matilha cantam seu blues trash muito psicodélico”. Foi essa minha introdução para “Cosmic Creature Capture“, segundo disco da banda Honshu Wolves, lançado em março de 2021.
Apesar do rótulo, o álbum é muito mais que isso, sem clichês como guitarras sujas ou riffs distorcidos, indo para um lado mais cheio de reverb e fuzz e a crueza que o punk exige. O som mistura blues, garage rock, surf, space rock e até os girl groups sessentistas.
Capitaneados pela vocalista e guitarrista Maryanne Shewolf, a banda (formada também por Fabu na guitarra e backing e Mige na bateria) traz como algumas de suas influências gente como PJ Harvey, Mavis Staples, Nina Simone, Spiritualized, Royal Trux e Alan Vega. Conversei com Shewolf sobre o novo álbum e a carreira do trio:
Vamos começar com seu último lançamento na Voodoo Rhythm Records, “Cosmic Creature Capture”. Como foi o desafio do processo de composição e gravação deste álbum?
Obrigada por esta entrevista e obrigada por sua paciência. Eu sou Maryanne Shewolf, também conhecida como Anne e sou vocalista, guitarrista e compositora da banda. Nosso novo álbum “Cosmic Creature Capture” não é um álbum conceitual, nem escrevi as músicas com um novo álbum em mente. As músicas foram escritas em um longo período e naturalmente para nós, com sete das nove músicas do disco já presentes em nosso set ao vivo.
Quem criou o título do álbum e o que os levou a escolher esse nome para o trabalho?
Foi ideia minha. Duas ou talvez três ideias estão por trás deste título. Você pode ver nossa música como uma criatura cósmica vindo para capturá-lo e levá-lo em uma viagem conosco. Ou pode significar que todos nós somos criaturas cósmicas e até mesmo conectados de uma forma simples. Podemos captar e mostrar de forma silenciosa e suave, mas constante, vivendo o que é importante aos nossos olhos e amando o que fazemos. Também gostei da ideia de ter três ‘C’s, gostei da imagem ter três vezes a mesma letra maiúscula e, claro, por causa do Cecci 7, o endereço que costumávamos morar durante as gravações em Torino. Tantas piadas internas de coisas que deram errado e tantas lembranças boas e inesquecíveis de lá. 😉
Como você descreveria o som da Honshu Wolves para um público que ainda não ouviu a banda?
A música que fazemos foi criada para levá-los com a gente em uma viagem. Eu acho que nossa música está dando para o ouvinte o máximo, se você realmente quiser ouvir e se envolver. Não é superficial e é pessoal. Temos nosso próprio estilo, que não quer ser classificado estritamente em uma ou outra direção. É também por isso que gosto de colocar muitas descrições de estilo em uma linha para dizer: ei, não é possível ou necessário nos colocar em uma caixa. Mas claro, para o público é importante da mesma forma e eu entendo! Então, vamos chamá-lo de rock psicodélico-deserto-gospel-blues-espacial.
O nome da banda está enraizado na cultura japonesa. Quem decidiu batizar a banda com o nome dessa raça extinta de lobo cinzento? Como esse animal tem sinergia com vocês?
Meu primeiro guitarrista, Emanuel, com quem fundei a banda, cresceu no Japão por alguns anos. Ele teve algumas ideias relacionadas à sua paixão pelo Japão. O lobo como animal sempre me interessou e o fato de o Lobo de Honshu ser uma pequena população de lobos é fascinante. E também funciona como uma pequena homenagem a Jessie Mae, também gosto de ser chamada de Shewolf.
Você pode nos dar uma breve história de sua discografia até este lançamento da Voodoo Rhythm Records?
(Risos) Não tem muito entre o primeiro lançamento e este…
2011 10′ – “Shine On Me“, na Moi J’Connais Records Geneva
2011 Split Single com Mama Rosin – “Homegoing“, na Moi J’Connais Records
2014 LP “Silver Ashes Line The Lane“, na Sacred Hood Records (Biel / Bienne)
2021 LP “Cosmic Creature Capture“, na Voodoo Rhythm Records (Berne)
Como é a cena do rock suíço em geral e especialmente nos dias de hoje?
Existem alguns selos que acho que trazem grupos interessantes, como A Tree In A Field Records, BlauBlau Records, Burning Sounds Records, Cheptel Records, Everest Records, Les Disques Bongo Joe, Sacred Hood Records e Voodoo Rhythm, é claro. Frequentemente eu gosto do underground e não dos comerciais. Minha cidade natal, Berne, é muito conhecida por equipes de rap suíço-alemãs, das quais, pessoalmente, não gosto da maioria. Existem também muitos projetos eletrônicos que na minha opinião são muito leves e desinteressantes, pra mim falta um elemento perigoso e perturbador. Mas esse é o meu gosto, eu não gosto da música suíça mainstream tocada nas rádios. Sophie Hunger é uma exceção, aos meus olhos. Não é muito parecido com minha música o que ela faz, mas ela tem um estilo muito próprio, é uma ótima musicista e uma pessoa muito legal e inteligente. O fato é que muitos músicos têm um trabalho paralelo ou diurno e não ganham a vida com música.
Há alguma banda de alguma das principais cidades que você recomende para ouvirmos?
The Young Gods é uma banda de rock industrial underground de Genebra que alcançou sucesso no exterior. A própria banda do Beat-Man, The Monsters, também tem uma grande base de fãs em todo o mundo. Da Suíça, gosto das bandas dos meus amigos: Roy and The Devil’s Motorcycle, The Come ‘n’ Go, Mama Rosin, Los Orioles, Al Sarwib, Schade e alguns outros que não vêm à mente no momento! 🙂
O streaming ajudou os fãs de música a acessar facilmente bandas de todo o mundo, mas alguns serviços de streaming tendem a explorar os músicos, com pouco dinheiro pago em contrapartida. Como você vê a situação da música hoje em dia?
Esse é um assunto complexo e não tenho uma solução. Enquanto as pessoas quiserem ganhar mais dinheiro usando outras pessoas e as pessoas quiserem consumir de graça, não sei como resolver esse problema. Agora, com o nosso novo selo, também estamos no Spotify e nas conhecidas plataformas digitais. Mas, “fun fact”, não ganhamos muito dinheiro de qualquer maneira com nossa música. Nós apenas tocamos o que gostamos, no nosso próprio estilo e lançamos discos no nosso ritmo. Temos nosso próprio espaço e tempo como queremos, é por isso que faço música. Em parte, é apenas para minha cura pessoal. E então pode parecer um pouco privilegiado, mas já que sei que assim não posso ganhar dinheiro para mim e para a vida da minha família, não tenho que jogar muito esse jogo. Mas é claro que não sou ignorante e penso a respeito, da mesma forma!
Como vocês três estão lidando com esta pandemia e a falta de shows ao vivo? Houve algum plano de turnê em torno da data de lançamento desse álbum adiada indefinidamente? Como o governo suíço respondeu (se respondeu, claro) para ajudar as artes locais e cenas culturais?
Todos os clubes ainda estão fechados sem nenhum show ocorrendo há mais de um ano; a cultura está morta, de certa forma. Meu parceiro e eu temos empregos para sustentar nossa família; felizmente, não fomos muito atrapalhados por este evento, do nosso lado. Muitos artistas aqui enfrentam graves problemas financeiros e sei que muitas pessoas boas sofrem de depressão. Sim, o lançamento foi adiado porque não podíamos mais ir para a Itália para fazer a mixagem lá. E nós realmente sentimos falta de tocar ao vivo! Esperamos que comece lentamente de novo no final do verão.
Vocês conhecem algo de música brasileira e sobre a nossa cena musical?
Tenho que admitir que não sei o que é ‘moderno’ no Brasil atualmente! Sou muito aberta e não tenho fixação por alguns estilos musicais ou direções e fico feliz em receber algumas recomendações boas e interessantes! 🙂 Nota: Acabei de ‘descobrir’ Caetano Veloso por acaso por causa de uma música que ele cantou em um filme que assisti recentemente. Eu não conhecia antes. Mas era uma música espanhola, “Cucurrucucù Paloma”, super leve, mas linda e muito comovente (que Caetano canta no filme “Fale com Ela”, de Pedro Almodóvar).
– João Pedro Ramos é jornalista, redator, social media, colecionador de vinis, CDs e música em geral. E é um dos responsáveis pelo podcast Troca Fitas! Ouça aqui.