texto por Renan Guerra
Há dois cenários ideais para o som do NoPorn num mundo sem pandemia. O primeiro é sexta ou sábado à noite, você em casa tomando drinks com seus amigos, caipirinhas & dry martinis & gin tônica, os clipes do NoPorn passando na TV e você selecionando a roupa que será usada na balada mais tarde. O segundo cenário é alguma festa madrugada adentro, em algum ambiente mezzo decadente mezzo redescoberto pelos modernos, com rebocos aparentes, em que há gente nua na pista e a Liana Padilha será o seu guia para esse universo de hedonismo e paetês.
Esses cenários parecem distantes, já que a pandemia no Brasil segue a cada dia mais em descontrole. No último ano, as canções do NoPorn ressoavam apenas em festas no zoom, daquelas em que cada um dança na sua sala, alguns se masturbam ao vivo e outros não ousam abrir a câmera. Meio deprimente, mas é o que temos nesses tempos. Parece até estranho então que o duo paulistano decida lançar um disco nesse cenário, em que não poderemos dançar de forma coletiva essas canções.
“Sim”, terceiro disco do NoPorn, duo formado por Liana Padilha e Lucas Freire, é um interessante convite à festa, ao hedonismo e à crença na liberdade. É o mesmo NoPorn de sempre? Sim. Mas também é um NoPorn possível em 2021, vislumbrando um futuro nas pistas, esse momento sabe-se-lá-quando em que poderemos gastar toda a energia contida e voltaremos ao deslumbramento da noite.
Em sua primeira faixa, “Festa no Meu Quarto”, Liana convida-nos para uma festa em casa, mas sem muitos distanciamentos: com a lascívia e a sexualidade que é tão típica da banda. Com menos de 45 minutos, “Sim” é um passeio pelo passado e pelo futuro da banda, se conectando com seus antecessores, o autointitulado “NoPorn” (2006) e o mais recente “Boca” (2016).
Pode haver dúvidas: Luca Lauri, a outra metade do NoPorn nos dois primeiros discos, está um pouco mais afastado da banda no momento, porém ele ainda assina algumas composições ao lado de Lucas Freire e Liana Padilha. As letras são todas de Liana e alguns parceiros pontuais, algo que é diretamente reconhecível para quem conhece a escrita tão única da artista. Aliás, nesse ínterim entre “Boca” e “Sim”, ela também esteve a frente do projeto Tintapreta, um excelente misto de música e artes plásticas que vale ser conhecido.
Mas falando do disco “Sim”, talvez a canção mais simbólica seja “Geleia de Morango”, que foi inclusive escolhida como um dos primeiros singles de divulgação. “Quero contar a história de uma noite / Uma noite quente / Num país quente e desgraçado”, diz Liana, com seu spoken word sedutor, em meio à batidas frenéticas. “Sim” talvez seja essa noite, com início meio e fim. Começa no quarto, sai pelas ruas escuras, “luz da noite / noite selvagem”, até que “Nada restará dessa noite / A noite corre nas veias apressada / Cheia de fumaça e pó”.
“Praia de Artista”, escrita por Liana ao lado de André Lima e Bruno Mendonça, é outro ponto alto do disco, com seu jeito de pastiche sobre o mundo das artes, em tom que lembra a icônica “Baile de Peruas”, também assinada ao lado de Lima. Já “Bala Bombom” reconecta novamente o NoPorn com o universo do funk, algo que era comum lá nas apresentações iniciais da banda e que ficou marcada na faixa “Esculacho”. Já “Slow Sex” tem aquele clima meio Fernanda Abreu fase “Amor Geral”, enquanto “Butterfly” é música para a pista, daquela para esquecer de tudo. Enfim, muitas canções perfeitas para uma pista esfumaçada.
O disco tem fechamento melancólico em “Noites longe do mar”, canção que talvez tenha uma das letras mais belas que Liana já escreveu. “Lágrimas nos olhos em noite quente / Seu olhar me prende / E me faz girar / Tenho sono, fome e medo / Entendo os que não querem amar”. É como se fosse aquele momento em que você já sente o cansaço batendo, sai para o fumódromo, vê que o dia nasceu e pensa “putz, talvez seja hora de ir embora”. É algo como aquela melancolia de voltar ao mundo real após o deslumbramento. Triste, mas necessário.
Depois dessa noite intensa, “Sim” é aquilo que o NoPorn tem de melhor: canções perfeitas para serem decoradas & sussurradas & dançadas na pista; canções de amor, de sexo e de liberdade. As canções de um mundo que queremos de volta.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.
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