entrevista por João Paulo Barreto
Entre 2007 e 2010, Salvador contou com quatro edições de um importante evento voltado para o Cinema de Animação e para o mercado de Games. Tratava-se do ANIMAÍ – Encontro Baiano de Animação. Realizado pela Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural – DIMAS/FUNCEB, o evento trouxe, desde sua primeira edição, workshops, palestras com presenças nacionais e internacionais de conceituados profissionais do campo, bem como uma seleção do que era produzido na Bahia e no Brasil, além de uma seleção especial de filmes recém produzidos em outros países, como foi o caso do Canadá.
Quando parou de acontecer, a partir de 2011, o ANIMAÍ deixou uma lacuna grande no calendário audiovisual da Bahia, uma vez que nenhum projeto, até aquele momento, dedicava-se exclusivamente à produção de atividades relacionadas com o mercado de Animação e de Games. A lacuna deixada incomodou muito o público que se acostumou, por quatro anos, a visitar a Sala Walter da Silveira, localizada no central bairro soteropolitano dos Barris, e mergulhar em um leque intenso de atividades voltadas para dois dos símbolos culturais que norteiam muitas mentes, além de um mercado de negócios que fervilha em consumo. Cinema de Animação e Games são dois dos principais representantes de uma indústria de entretenimento com potencial para geração de emprego e renda em um contexto brasileiro no qual esse tipo de atividade precisa ser mais valorizada.
Corta para metade da década passada, e a produtora Alice Cléa, que compunha a equipe de realização do ANIMAÍ, decide levar à reunião de Governança do Audiovisual promovida pelo SEBRAE, a proposta de retomada de ações para captação de recursos visando a realização de uma 5ª edição do encontro. Autorizada, a produtora se juntou a Anderson Soares, da Cine Arts, e a Leonardo Silva, da Mantra Filmes, para tocar a busca. Mas, infelizmente, sabemos o que se passou de 2016 em diante em nosso Brasil. Foram necessários mais cinco anos para que o projeto pudesse sair do papel, acontecendo agora em 2021, entre 06 e 10 de abril, de forma on line por conta da pandemia – e totalmente gratuita. Aline, inclusive, é produtora da série “Pequeno Gigante”, protagonizada por Guilherme Silva (cujo papo para o Scream & Yell você confere aqui) e dirigida pelo próprio Anderson.
Anderson, inclusive, traz aqui um pouco das suas impressões sobre os desafios da produção do ANIMAÍ deste ano. “O maior deles nesta quinta edição é o tempo curto. A Lei Aldir Blanc tem esse prazo de excursão até abril, o que nos dá pouco mais de um mês para produzir tudo. Sobre a forma de produzir, as de animação e game são bem próximas. Usam etapas de execução semelhantes, o que permite às mesmas produtoras realizar os dois segmentos. Mas, o hiato de dez anos sem um festival estadual prejudica o escoamento destas produções, já que boa parte destes conteúdos produzidos não chega aos grandes veículos de comunicação, cabendo aos festivais e mostras o principal meio de visibilidade destas obras ao mercado e ao grande público”, pontua o produtor.
Nesta entrevista exclusiva ao Scream & Yell, Aline Cléa aborda as dificuldades enfrentadas neste período, aponta os potenciais de um mercado de Animação e Games capaz de ser gerador de renda e empregos para muitas pessoas, além de aprofundar os desafios de revisitar, na proposta curatorial da edição 2021, os últimos 10 anos de produção nacional entre curtas e longas metragens de animação, em uma seleção que vai trazer 50 trabalhos, sendo 30 filmes de animação entre longas e curtas, além de 20 games produzidos entre 2010 e 2020.
O leque é amplo. São filmes como “Corações Encouraçados” (2018), precioso trabalho dirigido por Jamile Coelho e Cintia Maria; “Miúda e o Guarda-Chuva” (2019), tenro projeto dirigido por Amadeu Alban, e que é baseado em curta dirigido pelo mesmo Alban e por Jorge Alencar em 2010. Juntamente a um resgate da obra de Antônio Cedraz, com a “Turma do Xaxado”, a edição 2021 do ANIMAÍ representará um recorte especialíssimo do que foi produzido nos últimos anos.
Vale frisar, também, que o evento contará com uma série de palestras e workshops sobre os mais diversos aspectos da produção de games e de animações, bem como discutirá os incentivos do Poder Público para que tal mercado se torne perene. As inscrições para as atividades (100% gratuitas, bem como o acesso às obras) acontecem através do Instagram da Mostra até o dia 06 de abril. Os filmes serão exibidos no endereço www.nordestinaplay.com e no canal do YouTube do ANIMAÍ. Confira a programação, reserve tempo para o que quer ver e leia a integra do papo logo abaixo!
O último ANIMAÍ – Encontro Baiano de Animação e Games aconteceu há 10 anos, em 2010. Era, então, a quarta edição. Agora, em 2021, com a quinta sendo realizada, o que você poderia salientar no processo de mudanças que esse hiato trouxe, bem como o alcance dos quatro primeiros eventos a partir de 2007?
Após estes 10 anos, é uma alegria imensa voltar a realizar o ANIMAÍ. Trata-se de um evento pioneiro da animação e games no estado da Bahia. E acredito que nada é por acaso. Voltar a realizar o evento neste momento é, inclusive, um ato político de resistência a tudo que vem acontecendo em torno da Cultura no nosso país. Lembro-me muito bem que, no início, o ANIMAÍ também foi pensado neste propósito, visando fortalecer a linguagem de animação que, entre o live action e o documentário, vivia tentando existir. Games, inclusive, não eram considerados uma linguagem audiovisual. Então, até por isso nós brigávamos. E de 2007 a 2010 foram quatro edições de grande progresso na animação baiana. Nós discutimos políticas públicas para animação e games; fizemos formação de público; discutimos pela primeira vez a animação como negócio que gera emprego e renda, e iniciamos alguns jovens no mercado da animação com ações de intercâmbio profissionalizante.
Tanto no aspecto profissionalizante quanto de propagação do gênero de animação, bem como dos games, o festival teve um papel formador importante. Além disso, o contato com o público infantil de escolas é algo bem notório. Como foi esse processo?
Sim. Nós trouxemos oportunidades de formação técnica que eram as mais avançadas da época. Por exemplo, o Curso de Toonboom e a Oficina Método de Animação Disney. Nós circulamos em mais de 15 equipamentos culturais do Governo do Estado da Bahia, com animações dedicadas ao público infantil, principalmente aquele oriundo de escolas públicas. Na IV edição, em 2010, chegamos a alcançar um público de mais de 17 mil pessoas. Na época, o evento era realizado pela Diretoria de Audiovisual do Estado da Bahia – DIMAS, também em parceria com o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – IRDEB.
Como se deu o processo de recomeço para a 5ª edição?
Nos últimos anos, entendemos que precisávamos fortalecer as linguagens da Animação e do Game. Com isso em mente, convidei os meus parceiros Anderson Soares, da Cine Arts, e Leonardo Silva, da Mantra Filmes, para esboçarmos a ideia de trazer o evento de volta. Fomos a DIMAS e pedimos autorização para continuarmos com a iniciativa. Mais ou menos há uns quatro anos, em uma reunião de Governança do Audiovisual promovida pelo SEBRAE, anunciamos oficialmente a retomada de ações para captação de recursos.
Você citou a necessidade de um olhar mais dedicado, oriundo dos investimentos públicos na Cultura, para a Animação e para os Games. Uma das peças-chave neste processo é a união dos realizadores e realizadoras diante dessa exigência junto aos representantes públicos. Como tem sido esse processo de discussão?
Nós formamos a GAMA – Associação dos Produtores de Animação e Games, conseguindo, assim, chamar a atenção do poder público em torno de que as linguagens da Animação e Games. Era necessário existir o mesmo olhar que os demais formatos de conteúdos audiovisuais vinham tendo. Precisávamos de políticas públicas que fortalecessem a produção e que criassem maiores oportunidades de negócios aos realizadores. Hoje, vemos que o ANIMAÍ tem um histórico e uma bagagem que precisa ser resgatada, principalmente quando temos um cenário bem promissor. Para você entender, entre os anos de 2012 e 2018, as produtoras baianas conseguiram atrair recursos federais, através do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), na ordem de R$24 milhões exclusivamente para obras de animação e games. Em âmbito nacional, o fundo já investiu mais de R$129 milhões, neste mesmo período. Realizar o ANIMAÍ significa uma retomada no fortalecimento de ações direcionadas às linguagens. Ações tão necessárias aos dias de hoje. Mas, também, é o momento de celebrar toda a nossa produção realizada nestes últimos 10 anos.
Diante de um recorte dos últimos dez anos da produção de Animações e Games no Brasil, quais os principais desafios da curadoria do V ANIMAÍ?
Acredito que o nosso maior desafio será a quantidade de conteúdo que foi produzido neste período. Além, também, do tempo apertado com a data limite que temos por conta das exigências de cronograma da Lei Aldir Blanc, que é uma situação gerada pelo governo federal. Porém, temos como ponto forte nossa equipe de curadoria que é muito dedicada e conhecedora das linguagens. São profissionais que acompanham o mercado de animação e games, e vejo que teremos uma seleção bem representativa deste hiato nas nossas mostras competitivas.
Ainda sobre este tema, quais as principais análises de critérios dentro de um processo curatorial voltado para games? Há uma separação relacionada a aspectos técnicos e gráficos da questão de criação de roteiro, por exemplo?
Sim, buscamos contemplar critérios mais significativos quando falamos de games como por exemplo: o áudio, o game designer e a arte. Estes são alguns aspectos que nossa curadoria e, consequentemente, o júri técnico vão analisar.
As mesas e palestras a serem realizadas pelo ANIMAÍ este ano trazem nomes importantes do âmbito dos games e animação. Poderia falar um pouco sobre a escolha de destes profissionais?
Sim,este ano pensamos em alguns temas importantes e que precisam ser discutidos. Daí consultamos o mercado, tivemos um apoio da GAMA – Associação dos Produtores de Animação e Games, e, juntos pensamos também quais profissionais poderiam trazer contribuições significantes para o nosso público. Um dos Temas é “A Importância da Animação na Grade de programação”, com a presença de plays como Ludmila Figueiredo (Canal Futura) e Licinio Januario (Wolo TV), que vão abordar acerca do que buscar quando se fala em animação. Esta Mesa será mediada por Amadeu Alban, roteirista, diretor, produtor e sócio da Movioca. Mesa “A Diversidade no Mercado da Cultura, na Animação e nos Games”- com as presenças de Juca Ferreira –nosso eterno Ministro da Cultura do coração, Débora Ivanov, do Fórum Nacional de Lideranças Femininas no Audiovisual, Alessandra Novaes (EPA – Produtores Executivos Associados), sob a mediação do cineasta Pola Ribeiro. Já nas palestras e wokshops, teremos Profissionais como Evanildo Pereira, que é diretor de Animação e sócio criador da Animact Studio. Evanildo é o diretor de animação da série Baiana 3D Pedro e a Pedra Secreta, da Mantra Filmes, além de ter atuado como animador de filmes como A Princesa e o Sapo (Disney), e da série Tartarugas Ninjas, da Nickelodeon. Evanildo vai falar sobre os “Fundamentos da Animação” para o público de animadores e produtores de animação. Contaremos, também, com a presença de Marco Alemar, que vai apresentar como foi o processo de produção do clipe MOA – Ave de rapina, animação 3D estilo game um trabalho belíssimo. Vamos tratar também de assuntos mais burocráticos como “Direitos Autorais para Animação e Games”, palestra ministrada por Diego Medeiros, advogado que atua para o mercado audiovisual há mais de 15 anos. E Leonardo Silva, produtor, roteirista e diretor da série de animação 3D Pedro e a Pedra Secreta, que está sendo produzida aqui na Bahia pela Mantra Filmes. Pedro vai trazer a palestra “Processo da Animação: Da Ideia ao Produto Final”, apresentando na atividade sua experiência na produção desta série.
Você poderia falar um pouco mais acerca das ações realizadas pela GAMA no intuito do fortalecimento deste mercado aqui na Bahia?
A GAMA foi formada há quatro anos, na qualidade de uma associação que reúne de forma pioneira, no Brasil, produtores de Games e de Animação. Ela é legitimamente sediada neste estado. Isso em um momento único de valorização mundial dessas duas indústrias inovadoras e criativas proeminentes no país. Buscamos mostrar o crescente e empolgante papel da Bahia na produção animações dos mais diversos formatos e games digitais. E buscamos a criação e manutenção das políticas de fomento do setor por parte dos órgãos de cultura e da inovação tecnológica do Estado e da União. Um dos papéis fundamentais da GAMA é mostrar a relevância estratégica da área de desenvolvimento de games e de produção do cinema de animação. Este último é visto pela Agência Nacional de Cinema – Ancine como o produto audiovisual brasileiro com mais possibilidades de ser bem sucedido nos mercados internacionais, seja devido à facilidade que possui para ser dublado nos mais diversos idiomas, seja por sua maior aceitação. Tal aceitação maior é atribuída, sobretudo, ao fato de que a grande maioria dos filmes feitos com essa linguagem se destinam às crianças. Já os games são apontados como o produto cultural com maior potencial de penetração de mercado, uma vez que é desenvolvido focado no usuário final e disponibilizado diretamente em lojas online de alcance mundial. Então, com todo este potencial, a GAMA vem conquistando vários espaços no fortalecimento do mercado de Animação e Games da Bahia. Ainda há muito a ser feito, mas conseguimos mostrar às instâncias municipais e estaduais a importância em investir nas duas linguagens, criando linhas de fomento exclusivas dentro dos editais já existentes. Colaboramos também com levantamento de dados do mercado de animação e games, informações que nunca foram buscadas antes. E graças a tais informações, podemos agir de forma mais assertiva em que ações possam gerar mais negócios aos realizadores, como também potencializar a produção e o consumo dos nossos conteúdo pelo público final.
Em um ano de pandemia como foi o de 2020 e, infelizmente, continuando a ser o de 2021, observar a produção live action ser interrompida pelos riscos de contagio, me faz pensar que os olhos podem se voltar muito para a criação de projetos de animação, uma vez que a produção pode ser realizada de maneira remota, com encontros virtuais e um trabalho feito em grupo, mas, também, de modo privado e individual. Você consegue imaginar um boom na criação de novas animações neste período atual por conta disso?
Bem, isso depende muito das políticas públicas direcionadas ao nosso setor de Animação e Games. As produtoras destas linguagens que já tinham projetos em andamento conseguiram continuar de forma remota. Porém, o mercado vem tomando um baque muito grande com a falta de fomento em lançamentos de editais, sobretudo do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA. Já tem três anos que não temos nenhuma perspectiva em relação a novos editais para o setor. Além disso, a Lei do Audiovisual sofreu um veto presidencial no final de 2019, que só foi derrubado pelo congresso em maio de 2020, o que também atingiu negativamente na possibilidade de captar recursos por meio da Lei de Incentivo Fiscal. Isto somado a pandemia, nos traz um cenário de atraso no desenvolvimento do nosso setor. A Lei Aldir Blanc pouco contribuiu para as linguagens de game e animação, isto porque no pouco tempo de execução dado pelo governo federal, não havia tempo hábil de produzirmos filmes animados ou games, pois o processo destas produções é mais duradouro, alem de mais custoso. Apesar disso, os processos criativos não param totalmente porque nós, produtores e artistas, resistimos. Por isso eu volto a dizer que esta quinta edição do ANIMAÍ vem neste propósito. Vem em um ato político de resistência e ressignificação de um mercado atingido, mas, ainda assim, com um potencial enorme de produção e em possibilidades de gerar negócios.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.