Entrevista: Ale Sater, da Terno Rei, lança EP solo

entrevista por Renan Guerra

“E Peu, eu sei que não é fácil. Se fosse, você saberia”, diz o refrão de “Peu”, faixa que integra o novo EP solo de Ale Sater. Não é fácil e também não anda nada fácil para ninguém. Em um país que os números de mortos se somam dia após dia e que nos sentimos perdidos diante de um desgoverno, falar de arte e dos lançamentos da semana soa algo relegado a segundo plano. Em conversa virtual com Ale Sater, ele próprio falou sobre seu desânimo, sobre esse medo e essa frustração que passamos cotidianamente.

Anda nada fácil mesmo, mas sabe quando as canções servem de alento e de guia? É meio esse o espírito de “Fantasmas”, EP que está sendo lançado pela Balaclava Records. Ale Sater, que é vocalista da banda Terno Rei, versa de forma íntima sobre medos, solidões e amores, sobre como essas relações e esses pequenos encontros ainda são nosso alento. Escritas em diferentes anos, as quatro faixam que compõem o lançamento apresentam um compositor maduro e de olhar cuidadoso sobre o humano. Nesse momento, isso é importante demais.

Com produção de Gustavo Schirmer, “Fantasmas” é um singelo convite à delicadeza, entre seus violões e suas atmosferas. Aqui nesse papo com o Scream & Yell, Ale conta um pouco mais sobre as canções desse novo trabalho, mas fala também sobre influências, sobre produzir em meio à pandemia e sobre as incertezas em torno do próximo disco da Terno Rei. Confira abaixo nosso papo na íntegra:

Para começar a entrevista, pergunto como você está e como está sendo esse tempo de pandemia pra você, todo esse momento sem show, como andam você e seu trabalho nesse momento?
Cara, eu já estive melhor. Confesso que estou cada vez mais desanimado. Embora a gente tenha tido a notícia da vacina, acho que o Brasil ficou muito atrás em muita coisa e essa história do número de mortes estar aumentando é uma coisa que entristece muito a gente. Tenho conhecidos e familiares que já faleceram. E cada coisa que é cancelada também desanima. Agora mesmo a gente ia começar a gravar um disco, nessa semana, e a gente cancelou mais uma vez. E tudo fica meio moroso, sem perspectiva, e é normal bater umas horas de frustração. Acho que essa última semana eu não passei tão bem assim não, eu fiquei muito pensativo e mais pessimista. Frustrado, pessimista, mais difícil.

Nesse meio tempo que nós estamos sem shows, você também estavam trabalhando no próximo disco da Terno Rei, que você citou…
Isso, isso mesmo. A gente está fazendo o nosso quarto disco. Já temos umas 16, 17 composições mais ou menos prontas. Nós vamos gravar umas 12 ou 13 e já começamos, temos as guias gravadas, uma guitarra ou outra, nessa viagem a gente faria bateria e baixo, que é uma parte importante da gravação. E estamos nesse processo. A gente ia lançar o disco esse ano e agora acho que isso não é mais uma certeza, é mais provável que seja no ano que vem, não sei.

Vocês chegaram até a se isolar um tempo no interior e tal para fazer esse processo.
Sim, sim, o nosso técnico, que é o Lucas Teodoro, tem um sítio em Aroçoiaba da Serra, que é mais ou menos uns 30 minutos depois de Sorocoba, bem gostoso. A gente foi lá três vezes, duas das quais a gente esteve com os produtores e tal e foi legal, foi tipo um sonho, aquela história de ir pra um sítio, ficar isolado, fazer as músicas e tal, foi bem importante para chegarmos ao resultado final.

Em 2019, a gente tinha conversado aqui no Scream & Yell, com a banda toda, e no final eu te perguntei se haveria um segundo trabalho solo seu. Na época você falou que já tinha até músicas, porém que faltava tempo e até energia para produzir isso. Aí eu pergunto em que momento você sentiu essa vontade, esse ânimo para retornar o seu trabalho solo?
É, foi justamente no começo da pandemia. Quando eu vi que a gente ia ficar alguns meses parados, eu percebi que eu podia voltar para aquelas músicas que eu gostava e produzir elas. Fiquei fazendo bastante coisa pela internet com o produtor até que a gente gravasse, acho que ali naquele começo – você perguntou também de frustração, de como eu estava me sentindo e tal – naquele começo foi muito assustador, né, a gente ficou com muito medo, talvez num nível de medo maior do que a gente tem hoje, mas também naquele momento, pra mim pelo menos, eu confesso que houve uma euforia, tipo é uma situação muito diferente, você trancado em casa, é uma coisa meio distópica assim, e aquilo, de certa forma, me deu, no comecinho, um gás “puta, vou fazer um monte de coisa e tal” e foi nessa que eu comecei a fazer o EP junto com o [Gustavo] Schirmer, que é o produtor. A gente gravou alguns meses depois, quando a pandemia estava mais tranquila, e finalizamos agora.

Mas essas composições eram músicas que você já tinha e acabou voltando nelas?
Isso, isso mesmo, na verdade são músicas até antigas, tem músicas de 2014, 2013, uma de 2017. São músicas espaçadas. Eu sempre gostei dessas músicas e eu nunca consegui tempo para produzir elas bonitinho, gravar, planejar, lançar e tal. E foi mais ou menos isso que eu fiz aí no ano de 2020.

Mas quando você compõe você já sente na hora “isso é para o Terno Rei, isso eu posso usar em outro universo”, como que se divide isso?
Ah, eu sinto na hora, mas têm vezes em que eu queimo a língua, sabe? Têm vezes que eu acho que uma coisa não funciona para o Terno Rei e funciona. Especialmente quando eu estou no início da composição, quando ela nasce mesmo, como uma ideia, tem horas que eu falo “puta, essa daqui é…”. A “Medo” mesmo, que é do Terno Rei, quando eu escrevi eu falei “nossa, tem muito a cara de eu fazer essa sozinho” e aí eu mostrei pros moleques, já pintou uma ideia legal e rolou, mas é por aí. Eu sinto de cara, mas nem sempre estou certo. E também tem o caso de eu achar que é uma música do Terno Rei e aí não funciona, aí trago de volta também. Tem um jeito prático de olhar a coisa, do que funciona e do que não funciona, mas tem um jeito conceitual que é o que eu acho que faz sentido e o que não faz. Geralmente fica no conceitual, é mais legal assim.

E no caso desse EP como que foi o processo de produção? Você falou que se comunicava com o produtor de forma on-line, como se deu a gravação?
Ah um pouco mais penoso, né? Porque ele mandava pra mim os bounces, os tempos das músicas e eu também gravava algumas coisas em cima pra gente chegar numa produção final, aí a gente picotava, tirava coisas e quando a gente chegava numa final a gente falava “putz, da próxima vez que a gente se encontrar a gente grava”. No final de julho a gente fez uma live no estúdio e ele, que também é produtor da Terno Rei, tocou piano, e aí eu falei “ah, vou ficar mais dois dias por aqui e a gente grava esse EP”. E foi isso, eu gravei segunda e terça. E na hora de gravar mesmo foi tranquilo, mas acho que o processo anterior, de ficar trocando música e música, foi mais penoso e chato nessa situação de pandemia.

A parte visual – as capas dos singles e as fotos de divulgação – é toda da Thais Jacoponi, que é atualmente sua namorada. Porém o trabalho de vocês já vem desde o EP “Japão” (2016), em que vocês não tinham um relacionamento amoroso, mas já tinham esse vínculo de troca. Como funciona esse trabalho entre vocês dois, ainda mais nesse momento de isolamento?
Ah, eu adoro tudo que ela faz. Ela é minha namorada, eu a amo, então não tem nada que eu não goste e ela tem um puta carinho com as coisas. Tem horas que eu falo “já está bom isso aqui, já foi, tá ótimo a foto” e ela “não, tem que combinar aqui e tal”, tem toda a linguagem de design gráfico que ela domina. E pra esse trampo do “Fantasmas” a gente ficou primeiro brisando. Ela que validou o nome, ficou brisando no nome, primeiro eu fiquei pensando como são músicas muito antigas e que eu nunca gravei, tem uma parte de uma das músicas que fala em fantasmas, aí eu achei que esse nome é como eu me sinto em relação a essas composições, porque elas são tipo fantasmas. Ela gostou do nome e a partir disso foi muito fácil desenrolar o conceito gráfico e visual da coisa. Ela tem um sítio lá perto de Campos do Jordão, então a gente foi lá e começou a tirar um monte de foto, com copos e sem copos e na luz, sem luz. Foi bem gostoso na real, assim, e saiu muito fácil. E agora acabei de gravar um clipe com o [Gabriel] Rollim lá no mesmo sítio, então tudo se casou assim visualmente.

Falando das músicas, eu fiquei pensando muito se “Peu” é uma pessoa que existe ou se é um personagem?
Não é alguém que existe. É a minha preferida, é a que eu mais gosto dessas quatro e não é uma pessoa real, é uma história fictícia.

Eu fiquei pensando “será que ele tem um filho? Será que ele tem um irmão?”, alguma coisa assim, pois as imagens na música são muito fortes e parece muito real, aí acabei ficando com isso na cabeça. Enfim, além disso, você fez uma playlist com algumas referências para esse trabalho e eu notei que tem vários artistas nessa lista que se conectam tanto com a música folk e acústica quanto outras sonoridades mais eletrônicas, como o Bon Iver, a ANOHNI, o José Gonzalez. E eu gostaria que você falasse um pouco sobre essas referências.
É, eu acho que eu montei a playlist e percebi depois que todos os caras eram artistas solos, todos eles tinham uma puxadinha de folk, alguma coisa dentro de um rock pop vai, tipo a Aimee Mann, não sei se você conhece?

Sim, sim, minha próxima pergunta aliás era sobre ela (risos).
Então, ela faz uma música bem levinha, sem muita distorção, com os instrumentos bem HD, e eu também acho que seja uma referência. Enfim, eu sinto uma conexão com esses artistas sim. A ANOHNI é uma que eu conheci agora, tá ligado, e estou viciado, não paro de ouvir, adorei.

Ela tinha antes o projeto Antony and the Jonhsons, que era bem mais acústico, aí quando ela passou por esse momento de transição para a ANOHNI, ela passou para esse universo com batidas bem eletrônicas, mais pop e é bem diferente.
O disco dela tem uns três hits muito fortes assim, muito bom, muito bom!

No caso da Aimee Mann, eu ia perguntar por que a sua faixa “Caminhão” tem muito a ver com o universo da Aimee, especialmente a faixa “One”, que é da trilha sonora do longa “Magnólia” (Paul Thomas Anderson, 1999).
Isso, isso mesmo. Eu adoro esse filme, eu gosto da trilha inteira desse filme e para essa música eu faço uma referência direta, pois tem um sinthzinho que se parece com um órgão que tocam nas duas músicas e que se parecem até. É uma referência direta. E eu gosto de ter uma música limpa assim, pra limpar o ouvido, sem ter muita distorção, com a batera mais macia, fazendo carinho e tal, com um backing vocal bonito. A “Caminhão” tem essa pegadinha.

Já a faixa “Nunca Mais” tem um final que é mais distorcido, que cresce e fica muito mais alto, é diferente das outras coisas. Você tem algo que te levou a chegar nessa produção?
Tenho. Acho que “Nunca Mais” é a mais antigona dessas músicas, ela é super antiga, de 2013, se eu não me engano. E eu sempre gostei muito dela, eu nunca consegui emplacar e foi numa época em que eu ouvia muito Jeff Buckley, aquele álbum “Grace”, que é super, super. E nesse álbum tem uma coisa que é o que aparece nessa música “Nunca Mais” que é um pouco de apoteose, uns acordes diminutos e essas distorções. Essa coisa que também é uma “estética do medo”, vamos dizer assim, deixa o cabelo em pé, deixa arrepiado e também tem a ver com o lance de fantasmas. Então essa música é um pouco diferente das outras e ela traz um pouco mais esse vermelho escuro.

Agora vou fazer uma pergunta que, na verdade, é uma tentativa de entender se é um clichê para você, pois foi quando você lançou o “Japão” e eu acredito que isso deve retornar agora. É sobre o fato de você ser parente do Almir Sater e de você ter os violões aqui e tal. Como você lida com isso? Te incomoda esse tipo de pergunta?
Não me incomoda, eu entendo isso, não tenho uma relação próxima assim. Às vezes pode parecer que existe algum tipo de favorecimento, alguma coisa, mas é… sei lá, eu não vejo ele há dois, três anos já, até por conta da pandemia e tal. É meu primo, eu gosto muito dele, gosto muito da música dele, me influencio de certa forma, mas também eu preciso dizer que é diferente, ele está numa pegada mais música regional, caipira e tal, e tem uma história muito bonita. Mas eu não me incomodo, eu prefiro abraçar, é uma coisa que existe. Ele é músico e tal e acontece.

Então, recapitulando: essa semana está saindo o EP, você disse que as coisas do Terno Rei estão meio em espera do que irá acontecer, então acredito que você também não tem muitos planos, né? Como está seu planejamento nesse momento?
Cara, está ruim né. Tá ruim. [Risos nervosos dos dois]. Está frustrante, a falta de perspectiva é muito ruim, eu tô pegando outras coisas e tal. Eu saí do meu emprego e tava super esperançonso de fazer um milhão de coisas, mas não está rolando e agora eu estou encarando isso de frente, fazendo outras coisas, tentando pegar uns freelas e tocando, compondo, mas também é difícil, velho, quando você está fazendo um disco, tá ligado? Eu estou no meio do processo de fazer um disco, pegar e compor uma música é até uma coisa meio perigosa, pois você pode pegar e fazer uma música totalmente diferente do que você estava fazendo e já entrar em outra brisa e o leite inteiro azedar. Então está um planejamento bem atribulado, mas é manter a calma, tentar ficar bem, com a família, tem a Tatha [Thaís] aqui comigo e seguir assim, mas não está fácil pra ninguém e imagino que pra você também não.

Sim, 100% complicado.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.

2 thoughts on “Entrevista: Ale Sater, da Terno Rei, lança EP solo

  1. Que entrevista triste. Sei que a situação ta foda mas ,poxa,melhora o ânimo,essas coisas não ficam pra sempre.

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