Meu disco favorito de 2020: The Lemon Twigs

MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #19
“Songs for the General Public”, The Lemon Twigs
escolha de Rubens Herbst

Artista: The Lemon Twigs
Álbum: Songs for the General Public
Lançamento: 21/08/2020
Gravadora: 4AD

É quase impossível falar dos The Lemon Twigs sem lançar mão de clichês e desfraldar referências estilísticas que, para o bem do duo novaiorquino, revelam não só um tremendo bom gosto como um talento admirável para usá-las a seu favor. Os irmãos Brian e Michael D’Addario nunca foram de se aventurar pela originalidade, nem de buscar um lugar no mundo como pioneiros de algo. Sem qualquer vergonha de assumir as influências, eles foram longe demais em “Songs for the General Public”: se cobriram de maquiagem, brilhos e lantejoulas, embarcaram numa máquina do tempo em forma de nave e criaram um disco que seria um clássico se lançado 50 anos atrás.

Sim, eu disse que os chavões seriam inevitáveis. E sim, os Twigs são outro caso de deslocamento no tempo, no caso deles, um “buraco” que os ejetou do período entre os anos 60 e 70 para os dias atuais. Nada que os impedisse de lançar três discos que combinam melodias suntuosas com o pop barroco sessentista e devaneios psicodélicos. Trabalhos interessantes – ainda que um tanto discretos -, mas que hoje soam como preparativos para o deslumbre que é “Songs for the General Public”, um álbum que tira parte de sua beleza extravagante da incorporação dos D’Addario como astros primordiais do glam rock.

Parte porque aqui a dupla extravasa não só estilo, mas também a capacidade para criar grandes canções que eram apenas sugeridas nos trabalhos anteriores. Músicas redondas, certeiras e algo sofisticadas, capazes de cair no gosto do público em geral se estivéssemos em 1972 e o glitter desse as cartas no pop. Mas não, começamos a terceira década do século 21 e o glam só brilha mesmo no mundo dos Lemon Twigs, o que faz do título do disco um golpe de ironia bem dado.

Presume-se então que os irmãos fizeram um disco para si e para os que ainda rezam pela cartilha musical de T-Rex, Gary Glitter, Sweet, Roxy Music, Alice Cooper dos primórdios e, obviamente, do David Bowie fase Ziggy Stardust. Há ecos de Cat Stevens (“Ashamed”), Supertramp (“No One Holds You”), Stevie Wonder (“Somebody Loving You”) e a teatralidade de “The Rocky Horror Picture Show” (“Hog”), além da perfeição pop de um ABBA manifestada em “Live in Favor of Tomorrow”. Mas o que se sobrepõe é a diversão afetada de Marc Bolan, entre o mundano e o reflexivo, em “Hell on Wheels”, “Moon” e “The One”, ecoada em videoclipes cheios de lenços de seda e peitos nus.

Com “Songs for the General Public”, os D’Addario mandam saudações a uma era de criatividade e ousadia intensas que ecoa até hoje, a ponto de alcançar dois jovens retrôs fascinados por algo que não chegaram a vivenciar. A ponto de fazer explodir neles atributos musicais insuspeitos, expostos de maneira tão espetacular em um álbum de 12 faixas. Se o público em geral não lhes der bola, é porque estes tempos atuais não as merecem.

Rubens Herbst é jornalista, ajuda a apresentar o programa É Rock! (Udesc FM Joinville) e também ama cinema e literatura, mas não mais que R.E.M.

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