MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #18
“Græ”, Moses Sumney
escolha de Renan Guerra
Artista – Moses Sumney
Álbum – “Græ”
Lançamento – 15/05/2020
Gravadora – Jagjaguwar
Num ano em que as pessoas buscavam esperança, Moses Sumney fez um disco sobre solidão e auto-descoberta. Por mais que quiséssemos positividade e crescimento, em 2020 passamos por um mergulho forçado em nós mesmos. Estávamos limitados a pouco espaço, a muito trabalho, a uma exaustão constante e isso nos fez mergulhar em nós mesmos. “Græ” é esse mergulho só que feito durante anos por Moses Sumney.
Esse é um disco sobre solidão, mas também sobre liberdade. Talvez Moses tenha feito um disco sobre auto-cuidado e sobre auto-estima, porém é tristíssimo, já que se amar e se aceitar não é como num livro de auto-ajuda ou num post empoderado de rede social. Aceitar-se é um processo doloroso e solitário, que causa muitas chagas e é sobre essas feridas que Moses coloca seus unguentos. “Græ” é, essencialmente, um disco de cura e de amor.
Esse é o segundo disco do norte-americano Moses Sumney e foi lançado em duas partes pela gravadora Jagjaguwar: a primeira saiu em fevereiro de 2020, ali antes do mundo se fechar; e a segunda saiu em maio, quando já estávamos exaustos de estar em casa. Completo, o disco foi lançado como um álbum duplo. 20 canções, pouco mais de uma hora e uma viagem melancólica por esse universo complexo do artista.
Moses mistura jazz, art-rock, folk e outros gêneros em um álbum que consegue ser extremamente de vanguarda, sem deixar de ser pop em sua essência. É como um interessante diálogo de Moses com o que já foi feito no passado, porém mirando o futuro e isso é o mais intrigante. Com uma voz poderosa, o cantor não tem medo de jogar com distorções, com auto-tune e outras mesclas.
Além de Sumney, “Græ” tem a produção de nomes como Daniel Lopatin (a.k.a. Oneohtrix Point Never), Ben Baptie, FKJ e Matthew Otto (do Majical Cloudz). O disco ainda conta com composições em parceria com James Blake e Jill Scott e traz nos créditos Thundercat tocando baixo, Nubya Garcia tocando flauta, Jamei Stewart (do Xiu Xiu) tocando órgão, Brandee Younger tocando harpa, enfim, a ficha técnica é surpreendente e vale ficar descobrindo cada nome importante por trás das faixas.
Nessas de parcerias, é muito interessante, por exemplo, notar a presença da escritora britânica Taiye Selasi na composição e na gravação das faixas “Insula” e “Boxes”, bem como a assinatura de Michaela Coel (da série “I May Destroy You”) em “Before You Go”. “Boxes”, por exemplo, contou com a colaboração e as vozes de Selasi, da escritora Ayesha K. Faines, do escritor Michael Chabon e do ator Ezra Miller. É belo ver essas trocas de Sumney com seus pares geracionais em questões tão caras a eles, como gênero, liberdade sexual e raça.
Moses é um homem negro e gay e é a partir dessa perspectiva que o álbum se constroi, tensionando em cada faixa as relações amorosas, a liberdade sexual e a própria existência dessas personas que estão sempre a margem. E é extremamente importante que Moses faça isso por um viés poético, os debates existem dentro do disco de forma quase existencialista. Ele discute, canta e tensiona as nossas existências dentro de uma sociedade cheia de complexidades e, por isso mesmo, esse é um álbum tão fundamental em nosso tempo.
Além das questões musicais de “Græ”, tudo que envolve a persona público de Moses na mídia é extremamente bem construído: seus clipes são um deleite visual e suas apresentações são um acontecimento. Sua live no Planet Afropunk é um negócio surreal de lindo: bem produzido, com cortes de câmera bem definidos, com uma estética extremamente coesa e um cuidado primoros, foi um dos pontos altos do ano.
Enfim, Moses Sumney é um artista genial e é bom demais poder existir no mesmo tempo que ele. “Græ” foi meu companheiro em 2020 e é como uma mirada a um futuro diferente.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.
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Teremos o Top7 de 2020?
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