Meu disco favorito de 2020: Napalm Death

MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #8
“Throes of Joy in the Jaws of Defeatism”, Napalm Death
escolha de Homero Pivotto Jr.

Artista – Napalm Death
Álbum – “Throes of Joy in the Jaws of Defeatism”
Lançamento – 18/09/2020
Gravadora – Century Media

Na minha cabeça, ao menos, 2020 foi um ano de silêncio. Um período no qual nos foi imposto um necessário, porém não menos agoniante, distanciamento social para conter a pandemia do novo coronavírus. O ano em que praticamente não tivemos shows. O ano em que convivemos menos com chegados. O ano em que experimentamos mais o virtual do que o real. O alento é que durante esse tempo estranho em que vivemos alguns álbuns fizeram barulho. Um deles é “Throes of Joy in the Jaws of Defeatism”, décimo sexto trabalho na carreira do Napalm Death.

Neste caso, a expressão barulho se aplica mais do que pelo simples fato de o disco ter gerado certo burburinho. Mas também porque é uma obra de sonoridade extrema, pesada. E que, ainda por cima, apresenta doses de experimentalismos que colocam a banda inglesa fora do senso comum entre os representantes de estilos musicais mais brutais.

“A ideia de ser uma cópia de nós mesmos é algo que não nos interessa, porque é a maneira mais fácil de fazer nosso trabalho. Não estou interessado nisso. Qual é o objetivo? Isso não seria apenas prestar um desserviço a nós mesmos, mas também a uma grande parcela das pessoas que seguem o Napalm. Acho que os estaríamos enganando. Há certo grupo de fãs que realmente adoraria que fizéssemos um álbum de 20 ou 25 faixas com 20 segundos. Podemos fazer isso com as mãos amarradas nas costas. Mas, de certa forma, essa é a saída fácil. Ainda temos esses elementos do nosso primeiro álbum. No Napalm esse lado ainda existe 100%. Mas há muitos outros aspectos do nosso som, como noise rock, industrial, pós-punk. Não é menos extremo do que aquilo que se pode pensar sobre uma banda característica do metal extremo ou da cena hardcore. É apenas extremo com um som diferente. É isso que fazemos e continuaremos a fazer”, revelou o frontman Mark “Barney” Greenway em entrevista para o Scream & Yell.

O Napalm é apontado como um dos pioneiros do grindcore, e já teve fases que variam do death ao flerte com o lado alternativo do rock. Como sugere o vocalista, o novo disco segue desafiando quem pretende enquadrar o grupo rótulos. A agressividade característica está lá, intacta. E, neste play, é reforçada não apenas com velocidade, mas mais ainda pela intensidade e veracidade que as composições transmitem. Como meta-referências na própria discografia do ND, poderíamos pensar, de maneira simplista, em trabalhos como os mal compreendidos “Fear, Emptiness, Despair” (1994), “Diatribes” (1996) e o reencontro com o lado old school “Enemy of the Music Business” (2000). Some-se aí o gosto por sonoridades menos ortodoxas — tipo Swans, Sonic Youth e Cardiacs —, que os ingleses nunca esconderam, e algo de post-punk.

Foram três singles antes do lançamento oficial do disco: ‘Backlash Just Because’, ‘Amoral’ e ‘A Bellyful of Salt and Spleen’. Esses dois últimos — o primeiro lembrando o que o Napalm fez na segunda metade dos 1990, algo à la Killing Joke, e o segundo um amontado sonoro de dar orgulho aos Einstürzende Neubauten da vida — já indicavam que a banda de Birminghan estava disposta a perturbar puristas. E a enganar aqueles que achavam que eles se afastariam demais das suas raízes.

‘Fuck the Factoid’, faixa que abre o trampo, arranca na aceleração, com direito a blast beat e aos tradicionais backing vocals do hoje afastado guitarrista Mitch Harris. Aliás, merece destaque a versatilidade do baterista Danny Herrera no decorrer das 12 músicas. Mitch não contribuiu criativamente em “Throes of Joy in the Jaws of Defeatism”, mas gravou as seis cordas em todas as faixas, além de ter dado uns gritos e reforçado o legado que ajudou a construir.

‘That Curse of Being in Thrall’ vai por um caminho mais tradicional, evidenciando a verve hardcore, mas sem soar óbvia, com direito a instigantes variações. ‘Contagion’ segue na levada de sua predecessora, contudo de maneira mais direta. ‘Joie De Ne Pas Vivre’ apresenta tendência experimental, com camadas de barulho e Mark Greenway surpreendendo em vocais de métrica criativa e que remetem ao black metal. ‘Invigorating Clutch’ perde pressa, mas ganha intensidade. ‘Zero Gravitas Chamber’ traz à tona novamente a influência do hardocre e do death metal. ‘Fluxing of the Muscle’, ‘Throes of Joy in the Jaws of Defeatism’ e ‘Acting in Gouged Faith’ dão seguimento ao abate sonoro comprovando que a palheta de extremidades do Napalm é ampla.

Em algumas versões, como nas plataformas de streaming, há faixas bônus: a autoral ‘Feral Carve-Up’ e as releituras ‘White Kross’ (Sonic Youth) e ‘Blissful Myth’ (Rudimentary Peni).

O que se ouve em “Throes of Joy in the Jaws of Defeatism” é o velho Napalm buscando referências que sempre estiveram em suas composições para se renovar sem perder a identidade. E nos trazendo rompantes de satisfação em meio a tempos de desalento.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

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