entrevista por João Paulo Barreto
Marco Antonio Mallagoli iniciou sua trajetória como fã dos Beatles ainda adolescente, nos anos 1960, quando ouviu pela primeira vez “She Loves You”. Mal imaginava o garoto que, 17 anos depois, receberia de presente do próprio John Lennon o disco de ouro que a banda ganharia pela música. Marco conheceu John na ocasião do aniversário de 40 anos do músico, em 1980, quando ficou de plantão em frente ao Edifício Dakota para tentar presentear o beatle com o disco “Os Reis do Iê Iê Iê”, versão brasileira do “A Hard Days Night”. Não só conseguira ambos intentos, como fizera com que John Lennon, após anos, voltasse a ouvir uma canção da banda que ajudara a eternizar.
Em 10 de outubro, Marco pôde conversar com John. “Conversamos por cerca de 10, 15 minutos. Não sei precisar o tempo exato, porque é uma coisa assim que você não calcula. Não ando de relógio. E foi uma coisa muito emocionante. Para você parece que foi um segundo, e, ao mesmo tempo, um século. A emoção é muito grande. É algo muito forte. Perguntei a ele como ia ser o nome do novo disco. Ele respondeu dizendo que ia ser ‘Double Fantasy’. E, também, que ele ia lançar um outro disco logo depois, no dia 01 de janeiro de 1981. Ele queria que fosse o primeiro disco da década de 1980. Disse que ia se chamar ‘Milk and Honey’ e, junto com os dois discos, ele queria sair para uma turnê. Ele disse que queria começar pelo Japão, Estados Unidos, Europa. E perguntei porque ele nunca veio ao Brasil. Ele falou que nunca tinha sido convidado. E eu o convidei. Ele disse que, depois que acabasse a turnê nos Estados Unidos, viria. E falou uma coisa muito importante para mim. Vejo isso como uma frase muito significativa na vida dele e dos Beatles: ‘Depois que terminar essa turnê, vou chegar em NY, ligar para os outros três e perguntar o que a gente vai fazer da vida”, relembra Marco e ficamos com aquela sensação de que poderia ter sido diferente caso aquele 1980 terminasse de outra forma.
Nessa entrevista ao Scream & Yell, Marco relembra sua trajetória como fã da banda, presidente do Fã Clube Revolution dos Beatles no Brasil, seu encontro com John, bem como com os outros três Beatles, além de poder falar sobre a figura de John Lennon e em como sua importância ainda é crucial para o mundo. Confira o papo!
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Marco, você conheceu John Lennon em outubro de 1980. Como se deu esse encontro?
Eu tinha ido para Nova York porque eu sabia que era aniversário do John e que ele estava lá. Pensei: “A chance de encontrar com ele é agora, ou sabe Deus lá quando”. Então, fui. Eu tinha uma lojinha na época e alguns trabalhos para fazer lá na cidade. Mas deixei uns dias para ficar lá de plantão, no Dakota, para esperar o John entrar ou sair. Então, foi mais ou menos isso que aconteceu. No dia 08 de outubro de 1980, eu estava lá na porta de plantão, daí chegou uma limusine, o porteiro abriu o portão, ela entrou. O porteiro tipo que encostou os portões na limusine para ninguém passar dali, sabe? Depois de um tempo, John e Yoko entraram na limusine. Eu estava bem perto do portão, os vi saindo de dentro do prédio e entrando no carro. Uma menina que estava atrás de mim gritou assim: “Happy birthday, John”. Ele saiu e falou: “Thank you”. E entrou. E quando a limusine saiu, ele passou na janela do lado direito do carro, e eu estava bem ali. Nesse dia o vi bem de perto. Eu tinha levado o disco brasileiro “Os Reis do Iê Iê Iê”, que é como o “A Hard Days Night” saiu no Brasil. Ele é diferente da versão inglesa, que tem a capa toda azul. O americano tem a capa com apenas quatro fotos, ao invés daquelas fotos pequenas, e vermelha. E o brasileiro tem a capa vermelha e tinha escrito “Os Reis do iê iê iê”. Fiz uma dedicatória ao John, desejando um feliz aniversário meu e de todos os fãs brasileiros. Eu queria ter dado na mão nele, mas não consegui. Quando vi que o John passou e não consegui entregar o disco para ele, pedi para o porteiro, uma cara chamado José Perdomo, para entregar quando ele voltasse. Eu não sabia a que horas o John ia voltar, e nem sabia se eu ia estar ali, mas eu sabia que o José Perdomo estaria. Deixei com ele. No dia seguinte, 09 de outubro, era aniversário do John. Voltei ao Dakota. Teve uma hora que começaram a escrever no céu: “Happy Birthday, John and Sean.” E Yoko saiu com Sean e mais algumas pessoas no teto do edifício Dakota, em frente à rua do Central Park. Ele fica de esquina do Central Park com a rua 72. Corri pra lá junto com o pessoal, e todos começaram a gritar para o Sean chamar o pai. Dai falaram para irmos na porta que haveria uma surpresa. Quando chegamos lá na porta, saiu um cara assim de cabelinho tipo beatle, oclinhos redondinhos iguais ao do John, carregando uma cesta de bolo e umas bexigas autografadas. Ele falou que tinha sido o John, a Yoko e o Sean que haviam mandado. E colocou ali no chão, perto da guarita. Foi todo mundo no bolo e nas bexigas. E eu fui no cara. Eu peguei pelo braço e perguntei quem ele era. Ele respondeu que era o Fred Seaman, secretário do John. Eu me apresentei, disse que era o Marco Antonio Mallagoli, do Fã Club Revolution, do Brasil. Falei que havia deixado um disco na portaria e queria saber se haviam entregado ao John. Ele demonstrou surpresa e perguntou: “Ah, foi você? Entra aqui”. Ele me chamou para dentro dos portões do Dakota e me disse que o John havia recebido e gostado muito do presente. E que o John queria saber o que significa o título no disco. E eu expliquei a ele sobre “Kings of Yeah Yeah Yeah”, falei que, no Brasil, abrasileiram o Yeah para iê. Ele me contou que eu tinha conseguido duas coisas. Primeiro que o John não ouvia Beatles há muitos anos e ele tinha posto o disco na vitrola para ouvir porque ficou curioso em ver como era o som do disco. E queira saber, também, se era cantado em português. E segundo: “A Yoko está te xingando porque o John não ouvia Beatles há muito tempo e já é a terceira ou quarta vez que ele ouve o disco. Ela está te xingando muito porque não queria que ele escutasse nada de Beatles” (risos). Perguntei se eu podia subir para conversar com o John, e ele falou que, naquele dia, era uma festa particular, mas que ia falar com ele e que, se o John falasse algo, ela ia descer e me chamar. Só que nesse dia não aconteceu mais nada. Isso foi no dia 09 de outubro.
O encontro com o John, então, foi no dia seguinte ao aniversário dele?
Isso. No dia seguinte, 10 de outubro de 1980, eu estava passando pelo Dakota. Eram 8h ou 9h da manhã por aí. Eu vi a limusine parada em fila dupla. E pensei: “caramba, o John vai sair. Ele vai ter que sair lá de dentro da arcada, vai ter que passar pela calçada e entrar na limusine”. Eu fiquei no meio do caminho. A limusine estava com o motor ligado e presumi que ele ia sair logo. Nós ficamos quase duas horas esperando, e nada do John sair. Teve um momento em que eu estava conversando com uma menina, de costas para a entrada do prédio. E, de repente, essa menina ficou branca, azul, vermelha. Apontou pra mim e quando eu olhei, o John estava atrás de mim. Falei: “Oi, John. Eu sou o Marco Antonio. Fui eu que mandei aquele disco para você”. Ele respondeu: “Ah, legal. Muito prazer”. Ele apertou minha a mão e começamos a conversar. O mais engraçado é que devia ter umas 10, 12 pessoas ali observando. Nesse momento, saiu todo mundo de perto. Passou o jornalista da Rolling Stone, que estava fazendo uma entrevista com ele. Passou a Yoko, e foram os dois para o carro. O John parou para conversar comigo e ficou todo mundo de longe, olhando. Ninguém entrou no meio da nossa conversa, tentou falar com ele ou pedir autografo. Nós conversamos por cerca de 10, 15 minutos. Não sei precisar o tempo exato, porque é uma coisa assim que você não calcula. Não ando de relógio. E foi uma coisa muito emocionante. Para você parece que foi um segundo, e, ao mesmo tempo, um século. A emoção é muito grande. É algo muito forte. Perguntei para ele como ia ser o nome do novo disco e ele respondeu dizendo que ia ser “Double Fantasy”. E, também, que ele ia lançar outro disco logo depois, no dia 01 de janeiro de 1981. Ele queria que fosse o primeiro disco da década de 1980. Disse que ia se chamar “Milk and Honey” e, junto com os dois discos, ele queria sair para uma turnê. Disse que queria começar pelo Japão, Estados Unidos, Europa. E perguntei porque ele nunca veio para o Brasil. Ele falou que nunca tinha sido convidado. E eu o convidei. Ele disse que, depois que acabasse a turnê nos Estados Unidos, viria para o Brasil. E falou uma coisa muito importante para mim. Eu vejo isso como uma frase muito significativa na vida dele e dos Beatles: “Depois que eu terminar essa turnê, vou chegar em NY, ligar para os outros três e perguntar o que a gente vai fazer da vida”. Ou seja, eu entendi, e você entendeu também, que ele iria falar com os outros e, de repente, poderia acontecer algo de Beatles novamente. Ele me perguntou, também, qual música dos Beatles que eu mais gostava. Eu falei que eram todas, que não tinha uma específica. Mas ele ficou insistindo. Eu disse que a primeira música da banda que eu havia escutado tinha sido “She Loves You”. E perguntei por que da pergunta: “Por nada”. Depois de uns 10, 15 dias (John tinha meu cartão com endereço) chegou lá em casa um disco de ouro da música “She Loves You” com um bilhete do Fred Seaman, que, infelizmente, eu não tenho mais: “Marco, John pediu para eu lhe enviar esse disco porque ele vai estar melhor nas suas mãos do que nas dele.” E aí eu liguei para o Fred para agradecer o disco e eu perguntei por que o John mandou. Ele disse para mim que o John, quando me encontrou, “sentiu como se vocês fossem velhos amigos que há muitos anos não se encontravam. Que ele gostou muito de mim. E aí ele resolveu me dar esse presente”.
Você detêm uma impressionante coleção de materiais relacionados ao Beatles, além de um dos mais antigos fã clubes da banda. Como o primeiro fã clube dos Beatles no Brasil iniciou as suas atividades?
Na verdade, o Revolution não foi o primeiro porque, nos anos 1960, o fã clube oficial inglês tinha uma sede no Rio de Janeiro. Mas quando os Beatles acabaram e o fã clube na Inglaterra parou com as atividades, esse fã clube no Rio acabou. Tiveram alguns fãs clubes nesse meio tempo aqui no Brasil, mas nenhum deles foi considerado oficial pelos quatro Beatles. Só o Revolution. Depois que conversei com cada um deles foi que pedi e eles me falaram que eu poderia me considerar oficial por eles. E tenho uma carta do falecido Derek Taylor (N.E. assessor de imprensa e diretor de Comunicações dos Beatles) também falando que o Revolution é o único fã clube oficial na América Latina reconhecido pelos Beatles. Só esclarecendo para não dar margens à interpretações. Lembro que outro dia uma pessoa da Argentina entrou em contato comigo falando que ela tinha um fã clube oficial, e não sei o que. Só respondi: “Então tá bom”. Não quero arrumar atrito com ninguém. Tem gente que fala assim: “Ah, você tem a maior coleção de Beatles no Brasil”. Eu não gosto de falar muito sobre isso porque tem gente que tem um ego muito grande. Falam que tem a maior coleção. Eu não estou preocupado se a minha é a maior ou a melhor, ou nada. Estou preocupado que a minha coleção me satisfaz, entendeu? Uma vez eu estava em Recife, no Shopping Tacaruna, fazendo uma exposição, e chegou um rapaz lá dizendo que eu falava que tinha a maior coleção de Beatles no Brasil. Respondi com um parabéns. Ele falou: “Eu quero que você vá na minha casa”. Pensei: “Nunca que eu vou na casa desse cara. Porque do jeito agressivo que ele está falando aqui…” Depois de uns dias ele veio com uma lista, umas 50 folhas de papel, com os itens da coleção dele. Disse que queria que eu lesse e assinasse depois, dizendo que a coleção dele era a maior do Brasil. Eu só perguntei onde eu assinava. Porque é uma coisa que não adianta nada você ficar entrando em polêmica. Tem gente que têm coisas que eu não tenho, eu tenho coisas que muita gente não tem. Então, eu acho isso uma bobagem. A ideia é eu ter a minha coleção e ficar feliz com isso. Não de ficar competindo.
Entendi. Foi bom você citar esse ponto em correção à minha impressão. Vamos, então, fazer uma linha cronológica de sua proximidade com a banda até chegar ao Fã Clube Revolution?. Como começou sua paixão pelos Beatles?
Vou começar lá de baixo, tá? (risos)
Tudo bem. (risos)
Eu, quando tinha quatro anos de idade, entrei na casa da minha tia e vi que ela tinha comprado um piano para a minha prima. Eu nunca tinha visto um piano antes. Fui lá, levantei a tampa do piano, puxei o banco, sentei e comecei a tocar. E ficou todo mundo olhando e falando: “Nossa, ele está tocando piano?” E eu pensei: “Nossa, eu estou tocando piano!” Meus pais, então, me colocaram em uma escola de música. Lembro que eu chegava à escola de música, e as pessoas colocavam as partituras para eu ler. E eu ficava lá tentando tocar e a música não saia. A professora sentava ao piano e tocava. Ela levantava e eu conseguia tocar. Ela aí puxava a partitura e eu continuava. E ela brigava comigo, dizendo que eu não podia tocar de ouvido. Eu tinha que ler. Eu pensava assim: “Se eu sei tocar, por que eu vou precisar ficar lendo?”(risos) Lá em casa, meu pai ouvia muita música. Sempre. Aos domingos de manhã, enquanto minha mãe fazia almoço, ele levava a mim e os meus irmãos (nós éramos seis filhos) para o quintal e a gente ficava lá ouvindo músicas, brincando. Ele tocava de tudo. Ele gostava muito de Sinatra, das Big Bands, todo aquele pessoal dos anos 1940. Ele ouvia, também, muito as bandas militares que ele gostava. Ele ouvia Elizeth Cardoso, Pixinguinha, Noel Rosa, Luiz Gonzaga. Ele ouvia tudo quanto era tipo de música que chegava às mãos dele. E eu sempre fica lá ouvindo junto. Eu ficava mais prestando atenção nas músicas do que brincando. E eu sempre falava pra ele que faltava alguma coisa na minha vida, mas eu não sabia o que era. Nessa época eu tinha 10 ou 11 anos. Em 1963, meu pai trabalhava com exportação/importação, e um funcionário dele foi para a Inglaterra. Esse funcionário me conhecia. Naquela ocasião, “She Loves You” estava em primeiro lugar nas paradas. Ele comprou um compacto e trouxe de presente para mim. No domingo seguinte, meu pai colocou na vitrola. Naquela hora, eu virei pra ele e falei: “Olha, pai, era isso aí que faltava na minha vida”. Foi, assim, amor à primeira audição. Só que, nessa época, a gente não tinha muita coisa. Porque o compacto não tinha capa, não tinha foto. Ele tinha uma capa apenas com o nome The Beatles “She Loves You” – Lennon/McCartney. No lado b, tinha “I”II Get You”. Mas não dizia muito mais coisas. Nós não tínhamos nenhuma informação em livros, revistas, jornais, rádios. Ninguém na imprensa falava muito sobre os Beatles. Eles só foram ficar mais conhecidos, aqui no Brasil, depois de fevereiro de 1964, quando aconteceu o show no Ed Sullivan, nos Estados Unidos. Naquele momento, eles explodiram para o mundo e para o Brasil, também. Foi aí que a gente começou a ter mais informações. Mesmo assim, essas informações vinham meio erradas. Ou às vezes totalmente erradas. Então, por exemplo, era difícil alguma revista publicar uma foto deles. E quando publicavam fotos deles, com cada um sozinhos, os nomes eram colocados errados na legenda. Na foto do John, colocavam George; na foto do Paul, colocavam Ringo. Você nunca sabia se o Ringo era Paul, se o George era o John, ou quem era quem. Foi muito complicado no começo porque as próprias revistas não tinham muita informação. Assim, passaram informações muito erradas para a gente. Tinha umas entrevistas, umas matérias, muito sem pé nem cabeça, sem nexo. Coisas que não diziam muito. Os fãs, aqui, sofriam muito com isso naquele 1964.
Foi nesse ponto que você começou a aprofundar-se nas pesquisas.
Sim. Nas minhas pesquisas, eu peguei uma revista chamada “Beatles Monthly Book”, que era a revista oficial dos Beatles lá Inglaterra. Lá tinha uma coluna de correspondentes. E comecei a escrever para todo mundo cujo nome eu via lá. Mandava carta para todos eles. E comecei a me corresponder com várias pessoas do mundo inteiro. E foi aí que começou a chegar para mim outras revistas, informações reais, verdadeiras e fidedignas. Passei a receber fotos e materiais da banda. Muita coisa que eu tenho de coleção, hoje, eu ganhei de algum amigo americano, alemão, francês, japonês, britânico. Vinha coisa do mundo inteiro. E eu sempre escrevendo, sempre mandando o que podia daqui do Brasil. Eu fui me aperfeiçoando muito. Fui ficando com muita informação que a mídia brasileira ou a grande mídia brasileira não tinha o menor interesse em divulgar. Mas aqui tinham fãs suficientes para poder consumir essas notícias, essas matérias. Então, comecei a procurar pessoas, amigos que gostavam. E a gente se reunia, tocava junto, fazíamos umas brincadeiras, e tal. Mas nada a ponto de formar um fã clube ou coisa assim. Era mais diversão. A gente se reunia aos finais de semana. Eu consegui um super8 do show de Washington DC, depois do primeiro show dos Beatles em estádio nos Estados Unidos, em 1964. Consegui um “Come to Town”, que é um show em Manchester, colorido. Tudo em filme super8, mesmo, com som. A gente se reunia na minha casa ou na casa de alguém, no sábado à noite, colocava o projetor de super8 na parede branca, passava o filme e ficava lá, delirando com aquilo. Porque você não tinha muita coisa. TV não passava. Você não tinha muita informação, mesmo depois. Então, foi bem por aí. Comecei a ouvir Beatles pela primeira vez com 11 anos. E estou até hoje. Tudo que eu posso, eu tenho, eu coleciono. Beatles ou carreira solo dos quatro.
Como era observar as mudanças dos Beatles desde 1964, passando por “For Sale”, “Help!”, “Rubber Soul”, “Revolver”, “Sgt. Peppers”? Dava para ter uma noção do que estava acontecendo com a música naquele momento?
Nos anos 1960, você tinha um disco dos Beatles que era o disco do momento. Lançavam aquele disco, você curtia aquilo, mas não sabia se ia ter um próximo. Se os Beatles iam acabar ali. Se o próximo disco ia ser tão bom quanto esse, se ia ser pior, se ia ser melhor. Você não tinha nenhuma referência. Hoje é diferente. Hoje, você vai em uma loja, você compra todos os discos ao mesmo tempo. Pode ouvir do jeito que quiser, começar pelo disco que você quiser. Nos anos 1960, não tínhamos isso. Você tinha aquele disco e acabou. Você tinha que ouvir aquilo que era o que estava acontecendo no momento. Então, a gente curtia. E eu fui curtindo o momento de cada disco. E cada um, logicamente, conforme eles foram gravando. Tecnicamente, eles foram evoluindo. Sentíamos uma diferença de disco para disco. Uma coisa muito boa nos Beatles é que eles não se repetiam. Eles sempre lançavam músicas diferentes, mudavam o tom da música. A própria melodia era diferente. A letra era outra coisa. Eles não ficavam naquela mesmice de repetir a fórmula por vários discos. Não. Eles soltavam uma música e acabou. Buscavam coisas novas a seguir. Eles foram criando essas coisas novas e eu sentia a evolução técnica deles. Embora o começo da banda fosse muito bom (foi a base de tudo e eu também não menosprezo isso, claro), deu para perceber que eles estavam evoluindo no estúdio. A criação deles estava se manifestando de uma maneira diferente. Eles estavam partindo para outros caminhos, outros rumos. E várias coisas do mundo que aconteciam, giravam, também, muito em torno dos Beatles. Giravam em torno das músicas deles, dos fatos que circulavam entre eles e das coisas que aconteciam nas suas vidas. Coisas que eram de conhecimento público e notório para todo mundo. A influência deles não foi só na música. Foi também no comportamento, no visual. No próprio jeito de falar. Cabelos cresceram, roupas mais descontraídas vieram, gírias, liberdade maior de expressão. Poder falar o que você quer, onde você quiser, desde que não ofenda o outro. Então, os Beatles ensinaram muita coisa para a gente por meio das músicas, dos comportamentos e tal. E nessa evolução, eles passaram a usar timbres diferentes nas guitarras, pianos com sons diferentes, teclados. Quando chegou no “Sgt. Peppers”, eles colocaram orquestras, que era uma coisa morta naquela época. Ninguém mais falava de orquestra. Ninguém mais queria ouvir orquestra. Todo mundo queria ouvir guitarra, baixo e bateria. No máximo, um piano no meio, ou um órgão. Estava todo mundo acomodado naquela situação. De repente, os Beatles foram lá e mudaram. Eles começaram já com “Rubber Soul”, colocando cítara. Aliás, no “Help!”, já tinha um pouco de cítara, mas não nas músicas deles. No disco lançado nos Estados Unidos, você vê que tem várias faixas com cítara. Então, começou com “Norwegian Wood”, no “Rubber Soul”, com a cítara, depois, no “Revolver”, foi com “Love You Too”. E aí no “Sgt. Peppers”, o George chutou o pau da barraca e colocou “Within You Without You” no estilo hindu. E isso entre outras coisas, como eu disse. Orquestras, efeitos. Tudo aquilo que você ouve, por exemplo, nesses discos, foi criado nos estúdios por eles ou para eles. E os Beatles tiveram muita criatividade naquela época, que era uma época com pouquíssimos recursos de estúdio, de fazer tudo aquilo junto com o George Martin (N.E. Produtor de quase todos os discos da banda, exceto o “Let it Be”).
Foi uma evolução que acabou impactando o modo de diversas bandas em fazer as suas próprias músicas.
Sim. Nos anos 1960, você não podia avaliar o que ia acontecer. Você tinha que esperar a tendência. E essa tendência musical eram os Beatles. Quando os Beatles lançavam um disco, era assim: todo mundo, os Rolling Stones, The Who, The Mamas & The Papas, todo mundo buscava lançar seus discos depois do lançamento do Beatles. Nunca ninguém se atrevia a lançar um disco antes deles, porque depois que eles lançassem, podia ir contra a corrente musical dos Beatles. O disco não ia ser sucesso. Então, os Beatles ditaram a tendência musical dos anos 1960 por meio dessas atitudes, dessa forma de fazer as coisas. No começo da carreira, eles tinham que compor, gravar, depois sair para fazer filmes, para shows, para programas de rádio e TV. Quando eles resolveram dar um basta, em 1966, em tudo isso, e ficar trancados no estúdio, eles já tinham gravado o “Rubber Soul”, já estavam lançando o “Revolver”, que é um disco, também, muito revolucionário. Aliás, acho que os dois juntos daria um ótimo álbum duplo. Após isso, eles começaram a preparar o “Sgt. Peppers”. Então, um disco dos Beatles saia a cada cinco meses, no máximo, à época. E de repente eles ficaram mais de seis meses sem lançar nada. E a pressão foi tanta que eles acabaram lançando “Penny Lane/Strawberry Fields” em compacto, contra a vontade da banda, por uma pressão do Brian Epstein e da gravadora. E, com isso, eles mudaram o escopo do “Sgt. Peppers”. Porque ele era para ser um disco totalmente voltado a Liverpool. Ele era para ser um disco falando da cidade, das pessoas, dos fatos, dos acontecimentos. Da vida deles em Liverpool. Aí quando eles lançaram “Penny Lane/Strawberry Fields”, que era a grande chamada do disco, eles decidiram modificá-lo e criar um outro conceito. Acabou saindo o “Sgt. Peppers”, que foi um disco totalmente revolucionário pra época, porque abriu portas para as orquestras, aos coros, os efeitos especiais com sintetizadores, teclados. Tudo o que você imagina que começou a acontecer na música, começou a acontecer a partir do “Revolver” e do “Sgt. Peppers”. Antes disso, o rock era aquela coisa, mais ou menos, Chuck Berry, Little Richards, Elvis Presley. Com um pouquinho de incrementação dos Beatles em algumas músicas, mas o ritmo era praticamente um rock mais preocupado na melodia, nas letras, sem se preocupar na parte técnica ou na parte instrumental. Sem se preocupar de evoluir aqui, de colocar mais acordes, colocar uma sétima, uma oitava, uma terça, como depois eles começaram a fazer com o “Rubber Soul” e com o “Revolver”. Eles criaram muitas coisas que abriram as portas para muita gente no mundo do Rock, inclusive. Você vê que os Beatles foram a primeira banda a gravar um heavy metal, por exemplo. Então, eles fizeram muita coisa. Gravaram valsa. Gravaram muitos estilos de músicas diferentes, todos conectados ao rock and roll. Algo que, até então, nenhuma banda se atrevia a fazer. Então, eles abriram as portas não só para eles mesmos, como para os Stones, para o Pink Floyd, para o The Who, para que, assim, todo mundo tivesse o livre arbítrio de criar sem aquela culpa na consciência de que eu estou fugindo do rock and roll. Não! Tudo é rock and roll. E nesse meio tempo surge o psicodelismo, que foi um movimento de paz e amor, como os shows em Woodstock, o festival de Monterey, ambos grandes festivais musicais, dos quais os Beatles não participaram, por diversos motivos. Mas tudo isso foi calcado em cima da música, da atividade, das coisas que os Beatles faziam. Então, assim, eles tiveram um papel super importante, revolucionário, na música mundial dos anos 1960, principalmente. Inclusive, até na carreira solo, até o começo dos anos 1980, também, teve muita coisa que eles fizeram já separados que mexeu muito com muita gente.
Ainda adolescente nos anos 1960, como foi que você iniciou seu acervo relacionado aos Beatles, bem como o acesso aos discos?
Era difícil. (risos) Eu ia para a escola todo dia, minha mãe fazia um lanche, então tinha um sanduíche, um suco. E sempre ela dava um dinheiro para eu comprar algum doce ou algo assim para depois do lanche. E comecei a parar de comer os doces para juntar dinheiro e comprar um compacto simples por mês. E era o que a gente conseguia fazer na época (risos). Eu tinha um primo que morava na Zona Sul, aqui em São Paulo, no Aeroporto. Eu sempre morei na Zona Norte. E o pai dele era aviador, também. Então, o pai dele trazia coisas das viagens. Principalmente dos Estados Unidos. Ele já era mais velho do que eu. Então, quando saiu o primeiro disco “Beatlemania” aqui no Brasil, eu não consegui comprar porque não tinha dinheiro. Meu pai não queria comprar porque era caro. Nem sabiam se eu ia curtir, se eu ia dar valor, e tal. E esse primo comprou esse disco. Então, eu tinha um outro primo que era mais ou menos nove meses mais velho do que eu, o Robertinho, já falecido, infelizmente. Nós amávamos os Beatles juntos. Víamos juntos os filmes dos Beatles. Então, tinham sábados em que às vezes a gente pegava um ônibus aqui na Vila Guilherme, descia no Centro de São Paulo. Depois pegava um outro ônibus para ir um pouco mais longe, depois um terceiro ônibus para chegar lá no Aeroporto de Congonhas, que era onde morava esse primo chamado Itamar. E aí o Itamar deixava a gente lá, à vontade. Tinha um quarto dele com um a varanda. Ligávamos a vitrola, colocava o disco bem alto, e ficávamos na varanda ouvindo o “Beatlemania” seguidas vezes. Uma atrás da outra. Porque, depois, dava o horário, a gente tinha que ir embora, e só íamos ouvir na outra semana. E assim foi até que saiu o “Beatles Again”. Quando o Itamar comprou o “Beatles Again”, ele me deu de presente o “Beatlemania”. Eu agradeci muito. Tenho até hoje. E eu e o Robertinho passamos a ir lá aos sábados, mas, agora, para ouvir o “Beatles Again”. Depois foi assim no “Beatles ’65”, e assim por diante. Quando a gente fazia aniversário, pedíamos para os tios, para os amigos e tal, para dar discos dos Beatles. Os amigos eram mais ou menos iguais a gente, não tinham muito dinheiro. Normalmente, eles davam compactos. Mas tios e tias sempre davam LPs. Então, a gente escolhia. Foi mais ou menos assim que eu fui começando a minha coleção, ganhando discos, comprando um por mês. De repente, arrumava dinheiro daqui, vendia alguma coisa, comprava outro disco. E assim foi, ganhando daqui, pedindo dali, pegando emprestado sem devolver (risos), aquelas coisas assim.
Curioso ouvir você falar sobre juntar dinheiro de lanche para comprar discos. Fiz o mesmo, só que no começo dos anos 1990 com os primeiros CDs dos Beatles a chegar aqui.
Sim. A História só muda o endereço. Muita gente agiu da mesma forma. Eu sou fã do vinil. Muito! Eu tenho CD por obrigação, assim, de algumas coisas que só existem em CD, não existem em vinil. Então, se eu quiser ouvir, vai ter que ser no CD. Mas eu prefiro ouvir, assim, cem vezes mais no vinil, do que qualquer outra mídia, sabe?
Observar a maturidade alcançada por cada um dos quatro, suas prioridades de vida ao final dos anos 1960, os atritos ocorridos, me faz refletir acerca do término da banda.
Para mim, os Beatles não acabaram em 1969. Se você for analisar, na verdade, eles nunca falaram “Acabou os Beatles”. Publicamente, no caso. Eles tiveram o contrato com Allen Klein, que queria tomar conta de tudo, o que gerou muito atrito. Eles tiveram que assinar um contrato se desfazendo do cara, mas nunca falaram assim: “Acabou, não vamos gravar mais. Não vamos nos encontrar mais”. Simplesmente, o que aconteceu foi que as atividades pessoais e as atividades musicais de cada um passaram a seguir um caminho diferente. Se você for analisar, os Beatles, quando começaram, os quatro juntos estavam em estúdio, hotéis, shows, avião. Sempre juntos. Os quatro viviam juntos durante o tempo inteiro. A realidade, o mundo deles, eram os Beatles e fim de papo. De 1966 para a frente, esse circulo no qual eles viviam começou a aumentar. Começaram a entrar pessoas entranhas. De certa forma, isso foi bom. Mas, também de certa forma, foi ruim porque acabou afastando um do outro. Principalmente da parte musical. Eles começaram a ter novos conceitos musicais, outras ideias. Cada um começou a ter outros compromissos. E nunca pararam para sentar, conversar e voltar a fazer um disco da banda. Esse eu acho que foi um dos poucos tabus que os Beatles nunca quebraram na vida deles. Quando eles anunciaram a separação e os lançamentos solos de cada um foram surgindo, eu comecei a pegar os discos solo e a fazer uma fita cassete com o LP dos Beatles do ano pra mim. Eu pegava músicas dos discos do Ringo, do John, do George e do Paul, gravava as que eu achava que caberiam em um disco do Beatles, e montava uma fita cassete com um disco dos Beatles. Para mim, os Beatles só foram acabar mesmo em 1980. Eles deram um hiato em 1975, com a ausência do John Lennon, até 1980. Mas, para mim, até dezembro de 1980, os Beatles ainda existiam. Para mim, eles acabaram junto com o John Lennon.
Você, também, continuou acompanhando as carreiras solos deles? Qual sua opinião sobre suas trajetórias separadamente?
Eu continuei e continuo até hoje acompanhando a carreira solo deles. A carreira solo do John e do George, apesar de muita gente não gostar muito, é impecável. Eles fizeram verdadeiras obras primas durante esse período. Apesar da Yoko atrapalhar algumas coisas nos discos do John, mas, era o que ele queria. Então, temos que respeitar isso. O Ringo tem muitos discos bons. E tem muitos discos médios. Tem um ou outro que é fraquinho. E o Paul tem muita coisa. Muita coisa, mesmo! Eu amo o Paul, acho que o trabalho dele é maravilhoso. Acho que ele não precisa provar nada para ninguém. Não precisa fazer mais nada na vida, embora eu espero que ele continue fazendo muita coisa ainda por muitos anos. Mas o Paul tem muita coisa. Tem músicas que acho que nem ele mais lembra que fez ou que gravou. E tem muitas coisas assim dele que, com certeza, não entrariam em nenhum disco dos Beatles, se ele fosse levar para a banda. Possivelmente, seria vetado pelo John, pelo George, pelo Ringo, até mesmo pelo George Martin. Os fãs, hoje em dia, muita gente não enxerga isso. Eu acho que o Paul tem discos incríveis. O “Flaming Pie”, na minha opinião, é o disco mais beatle que ele lançou na carreira solo inteira. E muita gente não gosta desse disco. Não reconhece. Ele não foi um disco tão aclamado como “Band on the Run”, por exemplo, que é um disco maravilhoso. Mas, na minha opinião, o “Band on the Run” já é um disco mais Paul McCartney. Já não é um disco tão beatle assim quanto é o “Flaming Pie”. Então, acho que o Paul tem umas coisas que… (pausa) Por exemplo, o “McCartney II”, daria um ótimo compacto simples ali. Eu, se fosse ele, teria lançado uma ou duas músicas e só. É um disco dele que não gosto. Não gosto, mesmo! Pra mim, foi um dos piores discos que ele fez. Mas, ele tem o direito. Ele quis fazer um negócio diferente. Eu sei que tem muita gente que adora esse disco. Mas a minha opinião, no meu conceito musical, é um disco fraco e eu não gosto. Nas carreiras deles, houve uma riqueza muito grande. O George, por exemplo, ele foi muito sufocado a princípio. Ele teve muitas músicas que lançou no “All Things Must Pass” que vinham desde 1965, 1966, e que os Beatles nunca quiseram gravar. Então, ele juntou tudo aquilo que estava na garganta dele, e soltou no disco. E saiu um álbum triplo maravilhoso. Então, eles têm muito disso. O John fez coisas fantásticas. Mas é preciso entender um pouco o John. Ele era uma pessoa muito controvertida. Em um momento, ele falava assim: “Ah, eu amo os Beatles, eles foram a razão da minha vida.” E aí no outro momento ele poderia falar assim: “Nossa, os Beatles foram a pior coisa que aconteceu na minha vida”. Ele tinha muitas dessas declarações nas quais ele mesmo se contradizia. E isso em um período curto, às vezes, de diferença. Certa vez, quando falou dos Beatles, ele deu cancha para o Mick Jagger falar mal dos Beatles. E aí ele virou para o Mick Jagger e falou: “Olha, eu posso falar mal dos Beatles. Você não pode porque não estava lá”. O John era muito assim. Ele tinha muito essas coisas de momento. Tinha momentos em que ele estava de bom humor, que estava bem com a vida, e falava coisas legais. E tinham momentos em que ele não estava bem e que dizia qualquer coisa. Depois ele falava assim: “Mas eu nunca falei isso”. E respondiam: “Sim, você falou. Está gravado”. Então, tem muito disso. Mas o trabalho musical dele, se a gente não levar em conta esse aspecto, eu acho um trabalho fantástico. Tanto o dele como o do George, mesmo com poucos discos lançados.
Consegue apontar um disco ou música preferida?
É difícil dizer um disco preferido da carreira solo. Tem dias que eu acordo com vontade só de ouvir John Lennon. Tem dias que eu acordo com vontade só de ouvir George. Teve até um dia que eu acordei com vontade de ouvir Yoko, por incrível que pareça (risos). Mas depende do momento, do dia, da situação de vida. Eu não tenho um disco predileto, ou uma música predileta. Na minha cabeça, eu ouço música o dia inteiro, independente de estar ligado em uma rádio ou em algum lugar. E a cada hora está uma música diferente de um deles. Ou dos Beatles. Ou qualquer coisa assim. Então, é difícil dizer uma, porque tem uma gama muito grande de músicas fantásticas.
Você citou a loja que já existia em 1980, bem como o Fã Clube. Como surgiu a ideia a ideia de criar o fã clube tanto como local de reunião de pessoas que gostavam dos Beatles como uma pequena empresa sua?
Naquela ocasião, eu já havia ido para os Estados Unido, quando, durante 15 dias, visitei cinco fã clubes em estados diferentes. Fui ver como eles funcionavam. Porque eu via assim: tudo quanto era fã clube brasileiro que aparecia, fosse dos Beatles, ou de qualquer outro artista, fechava logo. O pessoal não tinha condições de manter. Ficava um mês, dois meses, e o fã clube desaparecia. Então eu, antes de fundamentar o Revolution, eu fui aos Estados Unidos para ver como que o pessoal estava lá há 15, 20 anos com o fã clube e continuava o mantendo. Aprendi muito que um fã clube é totalmente deficitário. Você tem que ter um suporte, um patrocínio, ou uma forma de vender coisas para poder manter o fã clube. Principalmente nos anos 1960, 1970 e 1980, quando a gente escrevia cartas. Muita gente mandava cartas perguntando mil coisas e você tinha que comprar o papel para responder, o envelope, o selo, e aí enviar para a pessoa. O pessoal nem selo mandava junto, para você não precisar gastar. Poucos mandavam. Então, você tinha esse custo se quisesse manter contato com as pessoas. E isso tinha que sair do bolso, porque não era uma fonte de renda. Você podia cobrar uma mensalidade. Essa mensalidade, se você cobrasse muito caro, ninguém pagava. Se você cobrasse muito barato, não cobria os custos. Então, qual era o subterfúgio para você manter um fã clube? Era você vender material junto com as coisas. Por exemplo, você respondia uma carta para a pessoa, mas mandava junto um folheto, vendendo, na época, um compacto, um LP, uma fita cassete, um VHS, uma camiseta ou algo assim. A pessoa, comprando isso, você destinava uma parte deste valor para manter o fã clube e assim ele não ficar deficitário. Eu aprendi isso com o pessoal lá fora e coloquei em prática. Eu já comecei o Revolution com o amor pelos Beatles, mas com a ideia de uma empresa. De manter, pelo menos, algo como uma mini-empresa, que era centrada em mim apenas, para poder dar continuidade ao trabalho. Porque, senão, eu não conseguiria ir muito longe. Então, acho que essa coisa empresarial veio junto com o fã clube. Não foi separado.
Como foi a abertura da loja?
Eu abri a lojinha na Faria Lima naquela época e vivia cheio de gente o dia inteiro. De segunda a segunda. Sempre tinha gente. Para você ter uma ideia, nessa primeira viagem que fiz para os Estados Unidos, eu levei 15 dias e comprei bastante coisa para trazer e abrir o Fã Clube Revolution como uma loja, também. Abri a loja após uns seis ou sete meses que eu estava com o Fã Clube funcionando. Nessa viagem, eu trouxe material para vender em um mês. E eu planejava, depois de um mês, voltar aos Estados Unidos e comprar mais. Só que a carência aqui no Brasil era tão grande e eu não tinha uma dimensão e uma ideia exata disso. Todo esse material que eu trouxe para vender em um mês vendeu em um dia. E isso me surpreendeu muito, de certa forma, porque eu não esperava. Eu esperava, assim, que fossem comprar as coisas, mas não com tanta rapidez e tanta ansiedade. Quando dei por mim, eu já estava viajando, tipo, uma vez por semana para Nova York para buscar materiais de Beatles para suprir a lojinha. E, assim, poder manter o fã clube. De repente, quando vi, eu não parei mais. Desde 1979, eu não parei mais. Aí resolvi juntar o útil ao agradável e comecei a fazer a minha Magical History Tour, com viagens para os Estados Unidos e para a Inglaterra (Londres e Liverpool), onde eu mostrava os lugares onde os Beatles haviam passado, onde havia acontecido algo relacionado a banda, locais onde eles moraram, onde tocara, gravaram. Tudo. Começou por aí. Em 1979, eu já comecei com isso. Foram formas que eu achei de manter o fã clube e manter uma ligação mais forte com as pessoas.
A revista Revolution, lançada na metade dos anos 1990, teve sete números e serviu como um ótimo guia para essa época pré internet. Lembro de ter bastante informação aprofundada naquela fase do “Anthology” trazendo a banda às notícias, inclusive.
Sim, a ideia da revista era fazer uma coisa profissional aqui no Brasil e que não existia até então. Nem com fã clube nenhum. Não só dos Beatles, como com nenhum outro. Nós víamos surgir várias bandas e, depois de dois, três meses, tanto fã clube quanto banda desapareciam porque não tinham continuidade. Não eram profissionais. Eles não sabiam levar o produto deles. Afinal, você acaba levando isso como um produto. Você tem que saber trabalhar, por mais que você tenha o amor à banda, ao cantor, ao ator ou ao que quer que seja, você tem que saber trabalhar isso para manter a imagem viva. Porque, senão, você dá aquele boom, e todo mundo fala e fala, mas daqui a uma semana, ninguém fala mais. E acaba caindo no esquecimento. Então, você está lá na hora que estourou tudo, é fácil, é gostoso, é legal, e tal. O difícil é você manter viva toda essa cultura, toda essa história, de uma maneira correta, com responsabilidade. Não você ficar inventando coisas, entendeu? A ideia da revista era esse registro. É isso que eu tenho procurado fazer até hoje.
Após o fim da revista impressa, já com a internet se popularizando no Brasil no começo dos anos 2000, você passou a trabalhar mais o site da Revolution?
Antigamente, eu atualizava o site com tudo que acontecia. Dai percebi que tudo que eu atualizava saia no site dos Beatles, saia no site do Paul McCartney, do John Lennon, do George Harrison, do Ringo Starr. Ou seja, as pessoas iam às fontes primarias. Para que eu ia ficar repetindo as notícias no meu site se todo mundo ia ler nos outros canais oficiais da banda? Era uma perda de tempo. Procurei colocar no meu site só coisas que eu coloco com exclusividade. Não as notícias generalizadas, como anúncios de lançamentos, como essa coletânea do John, “Gimme Some Truth”, que vai sair. Não tenho muito interesse de divulgar isso porque, na página oficial, está sendo divulgado. Todas as redes sociais oficiais do John Lennon estão divulgando. Então, acho que perdeu muito sentido eu ficar pegando notícias que saíram no site dos quatro Beatles e colocando no meu site. Lógico que procuro por algo quando é muito importante. Alguma coisa mais pessoal, mais comentada. Eu posso até divulgar algo de lançamento, mas prefiro aprofundar. Por exemplo, eu se fosse falar agora dessa nova coletânea do John Lennon, não ia ser uma coisa muito boa (risos). Porque acho que a Yoko está abusando da gente mais do que ela devia. Porque, para a Yoko, o John Lennon só lançou “Imagine”. Ele não lançou outro disco na vida. Eu acho que ela nunca valorizou os outros discos dele e nunca lançou nada de bom. E tem muita coisa fantástica dele por aí. Inclusive, o pessoal chama muito de pirataria e eu não gosto muito desse termo. Porque, a pirataria, ao meu entender, é aquela coisa que você pega do oficial, copia e vende. Eu gosto de chamar de alternativo. Um material alternativo. São materiais que o músico gravou, fica lá na gravadora, ela não tem interesse em lançar isso comercialmente, e, então, fica guardado. Mas pra gente que é fã, a gente tem interesse de ouvir, de divulgar, de mostrar para os outros e tal. Como a gravadora não quer e não vai ganhar dinheiro com isso, às vezes você lança aí 1000 LPs, 500 Lps, 1000 CDs, 500 CDs, e, assim, você não está roubando teu ídolo. Você não está lesando a gravadora, lesando ninguém. E você está levando uma coisa pra frente que, quem é fã de verdade, vai atrás. O próprio Paul McCartney chegou a fazer muito disso. De pegar coisas que ele queria lançar e a gravadora não queria. Ele ia e jogava na mão do pessoal pra lançar como disco alternativo. John Lennon era o maior colecionador daquilo que as pessoas chamam de discos piratas. Ele falava que os melhores trabalhos dos Beatles estavam nas coisas que não foram lançadas oficialmente. Não concordo totalmente com ele nisso, mas tem muita coisa boa no mundo alternativo que você não acha por aí em muitos lugares. Por exemplo, o “Anthology”. O “Anthology”, primeiro, foi um sucesso enorme de vendas porque há muito tempo não lançavam nada novo dos Beatles. Mas, na grande crítica e no grande público, muita gente não gostou. Porque tinham coisas lá dos Beatles que interessam para quem é fã, como eu, como você, como muitos outros que tem no mundo. Mas não para o cara que compra um disco dos Beatles para ouvir só músicas da banda normais. Ali você vai ouvir raridades que, para a gente, é fantástico. Mas para muita gente que não tem o conhecimento, que não tem a cultura, e não curte Beatles como a gente, é um disco que não é interessante. Para a gravadora, é menos interessante ainda. Porque a gravadora vai se sentir mal de não vender um milhão de cópias. Eu vejo a coisa desse aspecto. Os Beatles têm um trabalho muito interessante de muitas coisas que eles fizeram, mas não é interesse do público em geral.
Com a internet, creio ter havido uma banalização de muitos fatos e uma preguiça em se aprofundar na história dos Beatles. Para alguém que passou por todas as fases de divulgação da banda, qual sua impressão quanto a esse meio de divulgação e pesquisa?
Hoje em dia, a internet tem duas pontas. Uma boa e uma muito ruim. A muito ruim é que todo mundo que consegue escrever um site, um blog, ou entra no Instagram e faz uma live, ou qualquer coisa assim, se julga expert em Beatles. Vai lá e fala as maiores besteiras do mundo, coisas que você não tem como barrar, porque é aquela pessoa que vai lá e fala, e tem um monte de gente que segue, que escuta, que vê, que gosta e acabou. Então, você não tem como filtrar isso. A internet deu uma abertura onde as pessoas falam as coisas com irresponsabilidade, e depois não assumem aquilo que falaram. No final, acabam levando informações falsas para as pessoas. Isso eu estou falando em relação a Beatles. Elas falam sem responsabilidade nenhuma. Falam e acabou. É que nem a pessoa lá na Inglaterra, que escreveu um livro dizendo que o John Lennon tinha relações sexuais com a Julia, sua mãe. O moleque quando escreveu o livro tinha 18 anos. Fazia simplesmente 50 anos que a Julia Lennon tinha morrido, e 20 ou 30 anos que o John tinha morrido. Então, de onde ele tirou isso? Simplesmente foi uma ideia que o garoto teve ou alguém passou pra ele. Aí ele escreveu o livro e criou uma polêmica. Um monte de gente leu. O livro foi vetado, foi recolhido, mas algumas pessoas compraram. Teve alguns escritores famosos até, um deles até com um livro lançado em português aqui no Brasil, que usou desse livro para o dele (N.E. Philip Norman, autor da biografia “John Lennon: a vida”). Eu acho um absurdo, porque ele não precisava fazer isso. E nisso ele caiu no conceito de biógrafo de Beatles comigo, pelo menos. Então, sabe, teve tudo isso. Tem muita coisa que, hoje, a internet é benéfica pela rapidez com que ela divulga as informações, mas ela é ruim porque nem todas as informações que ela divulga são fidedignas ou boas. E eu me ressinto muito disso, sabe? É o que eu chamo de “Dr. Beatles” na internet direto. Por exemplo, a minha geração, o pessoal que viveu os anos 1960, a gente custava para ter uma informação, uma matéria, uma notícia. E quando tinha, a gente lia e relia aquilo. Líamos livros varias vezes até você assumir na tua mente que aquilo existiu, que tinha acontecido daquela forma. Além da história viva, tínhamos uma cultura que veio de livros, revistas, jornais, filmes que a gente leu e viu na época e que estão na mente da gente por vivência. Hoje em dia, a maioria das pessoas, principalmente os adolescentes, os mais jovens, não têm isso. Muita gente, se você faz uma pergunta sobre os Beatles, o cara fala assim: “Pera um pouquinho aí. Vou olhar aqui no Google”. Aí ele olha no Google e te responde. Legal. Aí daqui a 10 minutos, você pergunta de novo a mesma coisa, e ele tem que olhar de novo no Google, entendeu? Então, você percebe que as pessoas não dão tanta importância para fixar aquela imagem, aquela história, aquela coisa na cabeça, porque ficou tão fácil você consultar o Google, que você não precisa armazenar isso no teu cérebro. Acho isso muito ruim porque acaba, de uma certa forma, na minha opinião, emburrecendo as pessoas. Deixando-as mais burras, menos cultas. Sem a preocupação de assumir a responsabilidade por uma informação. E você sabe, como jornalista, que isso é crucial na vida da gente.
Quais as redes de divulgação que você costuma usar?
Uso o Instagram, embora esteja muito decepcionado com a rede, porque fui travado duas ou três vezes. Eu mal entrava no Instagram, postava uma vez ou duas por dia e ele me travava porque eu estava postando muito. Sem explicação, não tive recursos, não deu pra me defender, nem nada. Fiquei 15 dias sem poder postar, sem fazer nada lá. Isso me deixou muito chateado e eu passei a usar menos ainda. Então, uso só pra divulgar coisas, como as lives que eu estou fazendo hoje em dia, algum produto que estamos vendendo e tal. Gosto muito do Twitter, que uso bastante. Já o Facebook eu não gosto tanto. Porque o Facebook é um local, na minha opinião, de fofoquinhas, sabe? Você vê posts lá assim: “Olha, eu comprei essa camiseta. Eu tenho e você não tem. Eu tenho esse disco e você não tem. Eu tenho isso e você não tem”. Quer dizer, as pessoas ficam procurando se vangloriar por ter um objeto que o outro não tenha. Não se vangloriar por ter conhecimento de que existe aquele objeto, ou de que ela ouviu aquele disco e o achou maravilhoso. Não. Ela não fala que o disco é fantástico, que tem aquele detalhe, que tem aquela música tal. Não. Ela apenas fala: “Eu tenho esse disco e você não tem”. Acabou. Entendeu? Então, eu sou até antifacebook. Mal entro. Eu posto as coisas lá, mas sem entrar.
Como se deu o seu encontro com os outros três Beatles?
O primeiro beatle que eu vi de perto foi o Ringo, em 1974, lá nos escritórios da Apple, em Londres, na Saint James St. Eu cheguei lá, entrei no prédio, ele passou por mim em um corredor, saiu por uma porta lateral, entrou em um carro e eu não consegui falar com ele. Aí, em seguida, veio o George Harrison. Ele vinha ao Brasil em 1979 para o grande prêmio de Fórmula 1. Eu já estava sabendo disso pelo Emerson Fittipaldi. Dai eu fui para o Hilton Hotel, encontrei com o George por oito vezes seguidas. A gente conversou entre as entradas e saídas dele. Ele sempre parou para conversar. Ele me deu muitos autógrafos, sempre muito atencioso. Ele foi muito bacana. Na sequência, encontrei com o John Lennon em 1980, lá no Dakota, dia 10 outubro. Agora faz 40 anos. Depois disso, voltei a encontrar com o George em 1986, quando eu passei uma tarde com ele em Los Angeles, por ocasião do lançamento do disco “Cloud Nine”. A gravadora resolveu fazer uma promoção e me consultou sobre o que a gente poderia fazer. Eu sugeri de fazer um concurso e o fã que ganhasse passaria uma tarde com ele. No fim, eu acabei indo porque o fã que ganhou tinha outros objetivos, não queria ir pra lá, muito menos conhecer o George. Eles fizeram um concurso meio estranho. Eu acabei indo e passei uma tarde com ele. Quando cheguei lá, ele estava hospedado em uma casa da gravadora Warner, que costumava ser a casa da Annie Lennox e do David Stewart, do Eurythmics. E lá no fundo eles tinham um estúdio de gravação para demos. Ele foi lá comigo, me mostrou o estúdio e tudo. Quando eu entrei, lembrei de um amigo que eu tinha aqui em São Paulo, o Marcus Rampazzo, que já faleceu, infelizmente. Eu só tinha visto uma guitarra Gretsch na mão dele. Eu lembrei de uma vez que eu havia ido à casa dele para visitá-lo. Ele estava com essa guitarra e eu pedi pra segurar um pouco. Ele pediu um momento, disse para eu tirar anel, aliança, cinto. Pediu para eu me sentar. Ele me deu a guitarra na mão, eu toquei nela por alguns segundos. “Tá bom, tá bom, tá bom”, ele veio falando e pegando a guitarra de volta. Já veio com uma flanelinha, limpou toda a guitarra. Ele era muito cuidadoso. E com toda razão do mundo. E eu só tinha visto até então essa guitarra Gretsch. Quando eu cheguei na casa do George, tinha, assim, um monte de guitarra Gretsch no chão. Quando eu vi aqui, eu imaginei: “Se o Rampazzo ver isso, ele tem um ataque do coração”. Porque ele tomava o maior cuidado com as guitarras e elas estavam lá, no chão. Não estavam nem dentro de caixas de guitarra. E tinham vários modelos de Gretsch diferentes. Tamanho, cores, tudo. Daí o George veio, tocou com uma. Eu fiquei mostrando uma fita que o próprio Rampazzo gravou na casa dele. O George achou que era até uma gravação pirata dele. Eu falei que tinha sido o Rampazzo que havia gravado na casa dele. O George fez até um elogio. “Marcus, a great guitar player”. E aí ele foi tocar “Isn´t a Pity”, mas não estava lembrando o tom. Eu falei que era sol maior. Ele falou: “Quer tocar comigo?” Eu falei: “Não, não. Quero ouvir você tocar”. Ele cantou, tocou e tal. Eu estava interessado em vê-lo, não eu tocar com ele. Marquei bobeira. Poderia ter tocado com ele. Mas eu não quis, mesmo. Não estava preparado para isso. Aí ele disse para eu me sentar e tirou uma foto minha com a guitarra dele. Coisa assim que eu nunca imaginei que fosse acontecer. E foi legal, pois ele me mostrou bastante coisa. Mostrou os demos do Traveling Wilburys que eles estavam gravando lá. O motivo daquele monte de guitarra estar ali era porque o pessoal estava indo lá toda noite. Eu fui durante o dia. Foi uma experiência muito legal. A gente conversou bastante, por muito tempo. Ele foi atencioso, muito legal. Depois disso eu estive com o Ringo em 1988, em Saratoga Springs, em um show que ele fez. Ele lançou a primeira All Star Band e eu fui em oito shows diferentes pelos Estados Unidos. Na sequência desses shows, quando acabaram, eu fui para Nova York e encontrei com o empresário dele. Ele falou: “olha, o Ringo vai tocar amanhã em Saratoga Springs”. É uma cidade que fica próxima a Nova York, conhecida por corridas de cavalo. E ele me deu um ingresso e uma credencial. Eu fui lá assistir a um show do Ringo, tiramos uma foto juntos e essa foto eu nunca vi até hoje. (N.E. Marco voltou a encontrar Ringo em 2012, quando a ocasião foi registrada em foto). Depois disso, em 1989, eu estive no Madison Square Garden e assisti a dois shows do Paul McCartney. Foi o primeiro show do Paul que eu vi na vida. No segundo show eu conheci o Steve Van Zandt. Ele estava assistindo ao show ao meu lado e nós começamos a conversar. Quando acabou o show, ele falou que estava indo para um coquetel e me convidou. Quando eu entrei com ele na sala, estava um monte gente. E também estavam o Paul e a Linda. Eles estavam do outro lado da sala. Quando eu cheguei próximo de onde eles estavam, que foi muito difícil porque tinha muita gente, eles já tinham sumido. Não sei como, mas eles sumiram. Eu os vi de perto, mas não consegui falar. Depois disso, o Paul veio para o Rio de Janeiro em 1990. Aí eu já tinha feito os arranjos com o próprio pessoal da MPL, na Inglaterra, para ir ao camarim dele. Eu fui no primeiro dia. Dei de presente a ele um baixo Dolphin. Um baixo feito especialmente para ele. A gente conversou e quando eu estava indo embora, comentei que a minha filha, Janaína, de quatro anos, cantava “Yesterday”. Falei do meu filho, João Paulo, que eu dei esse nome por causa dele e do John. E aí ele perguntou se eu poderia trazê-los para ele conhecer. Ele queria conhecê-los no dia seguinte. Já combinamos com a secretária dele na hora. No dia seguinte, eu peguei a minha esposa e meus filhos e a gente foi para o camarim. Ele nos recebeu. Quando a gente entrou, ele falou assim: “É ela?” e cantou “Yesterday”. Imagina você ver o Paul a dois passos de distância de você cantando “Yesterday”… Aí ele veio, se ajoelhou, pegou os dois, um em cada braço. Começou a beijar, abraçar. Foi uma coisa que eu nunca esperava na vida. Ver o Paul McCartney, ou outro beatle, pegar meus filhos no colo, beijar, e querer brincar com eles e conversar. Foi uma coisa fantástica para mim. Eu fiquei babando. Ele foi muito legal. Conversamos muito. Foi muito bacana. Depois disso, ele voltou em 1993 para o Pacaembu, aqui em São Paulo. Eu estive no camarim dele de novo. Ele queira ver como as crianças estavam, como eles tinham crescido. Aí nós fomos no camarim, eu levei meu baixo Hoffner e ele o autografou. Ficou segurando o baixo um tempo. Até brincou dizendo que ia ficar com o baixo. Eu falei: “Tudo bem. Fica com esse e eu fico com o seu. Não tem problema”. Aí ele falou assim: “Não, não, não. Tô brincando” (risos). Depois nós tiramos uma foto juntos. Essa foi assim, em camarim, a última vez que eu encontrei com ele. Depois eu o reencontrei em vários shows pelo Brasil, nos bastidores. Não cheguei a ir ao camarim, mas a gente se falou nos bastidores. Três vezes na nossa Magical History Tour, chegamos a encontrar com ele próximo à casa dele, com ele chegando ou saindo. Ele atendeu a gente, conversou, foi muito bacana. Eu o tenho visto de vez em quando em shows, a gente passa, como jornalista eu vou para os bastidores. Às vezes ele passa, me cumprimenta. Aquelas coisas assim.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.