entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa
Apesar do frio e da chuva com que somos recebidos no Jardim da Parada, em Lisboa, a conversa que mantenho com José Camilo revela-se entusiástica e animada, próprias de alguém que se sente motivado com a sua arte. Camilo faz música desde a adolescência, tendo integrado bandas de punk, grunge e rock. Na época, gostava de músicas pesadas, mas também leves. O Nirvana e a fase acústica de Bob Dylan eram as suas maiores influências. Relativamente aos concertos que o marcaram, a escolha é precisa: “Os dois shows que mais gostei foram o Rage Against The Machine e Leonard Cohen”, conta.
Para além de ter formação superior como professor de inglês, José Camilo começou a escrever as suas primeiras músicas em 2005, numa altura em que foi viver na Espanha. Um ano após o regresso a Portugal (2012) é editado o seu primeiro EP (“Viagem ao Subúrbio”), seguindo-se o álbum “24 Horas no Subúrbio” (2013). Estes trabalhos afirmaram o espírito inconformista, bem como um travo melancólico que atravessam parte das suas canções e que seriam aprimorados favoravelmente no disco “Obra Camiliana” (2016).
A vontade de regressar ao rock e voltar a tocar com a banda José Camilo e os seus Cúmplices, após o interregno acústico do EP “Sem Rei Nem Rock” (2018), abriu caminho ao seu mais recente trabalho, “Subterrâneo”, lançamento do selo FlorCaveira. Nele, Camilo recorre ao universo do Clash e de Bruce Springsteen para moldar a faixa “Piruetas de Glória”, que se destaca pela contundência lírica e sonora. “Eu quis que a mensagem fosse clara e só o poderia fazer com aquela dureza. O meu objetivo era dizer coisas de forma direta como eles faziam. Aliás, o imaginário deles são os ‘losers’ e isso interessou-me”, explica.
No novo álbum, Camilo aborda igualmente o pop e assina alguns temas calmos, como é o caso da faixa derradeira, “Mudemos as Regras”, que exibe o lado poético do músico de Queluz. “Eu queria que as pessoas escutassem a outra faceta do autor no final do trabalho, porque penso no disco como uma obra. O objetivo era chegar nesse momento e fazer com que as pessoas respirassem depois de terem escutado algumas canções ácidas e violentas”, refere.
Depois da apresentação do álbum, no Sabotage Club, de Lisboa, a 28 de Novembro, José Camilo pretende fazer novos shows. “Mais à frente, eu e a Flor Caveira faremos outro plano com mais concertos, porque pretendo tocar este disco em 2020”, conclui. De Lisboa para o Brasil, José Camilo conversou com o Scream & Yell. Confira:
Como surgiu a possibilidade de ingressar no selo FlorCaveira?
Eu sou de Queluz, o Tiago Cavaco e Os Pontos Negros também são e fizeram lá shows de hardcore há muito tempo. Embora eu seja mais novo que o Tiago também soube dessas atuações. Quando comecei a fazer a minha música perdi-lhes o rastro. Mais tarde voltei a encontra-los por intermédio do Luís Nunes (Benjamim), que me mostrou algumas coisas que eles estavam fazendo. Lembrei-me logo que eram os miúdos da igreja e agora representavam a FlorCaveira. Depois entrei em contato com o Tiago (somos muito amigos). Já tínhamos falado anteriormente na possibilidade de eu pertencer ao selo dele, mas desta vez concretizou-se.
O seu novo disco, “Subterrâneo”, representa um regresso ao rock direto. Foi uma decisão ligada ao momento atual ou apenas um impulso criativo?
O que me puxou para o rock foi a vontade de interpretar essa sonoridade novamente. Durante o dia, eu componho muita coisa que depois não irei tocar. E eu estava com vontade de regressar ao rock. Estive um ano no registro de guitarra e voz e pretendia fazer algo mais direto. Para além disso, tenho um caminho delineado de discos que pretendo concretizar futuramente e que não inclui o rock. Mas, achei que agora era bom intercalar esse trajeto com um trabalho mais roqueiro.
Destaco o single “Até Tenho Amigos Que São”. Sinto que nele conseguiste conciliar a sua frontalidade lírica com uma toada dançante…
Eu vejo essa faixa como uma “egotrip”, porque atualmente escuto muito hip-hop. Passa um pouco pela ideia de dizer algo que mostre superioridade. Mas as pessoas fazem muita confusão sobre quem cantou e escreveu a música ou a personagem da canção (que podem não ser o mesmo indivíduo). No caso dessa faixa, um personagem diz ao outro: “Não adianta tentar dizer-me como se faz, porque eu faço melhor do que você”. Relativamente à sonoridade, vivendo em Queluz, que agora é uma zona multicultural, escuto bastante música africana dos meus vizinhos e queria aproveitar aquilo. Há uns tempos houve uma banda portuguesa (Throes + The Shine) que misturavam kuduro com rock e agora estão fazendo música eletrônica e eu achei o trabalho deles muito legal. Por isso, pensei em fazer um rock dançante com uma “egotrip”. Voltando ao Springsteen, quando ele começou a compor canções dizia que pretendia fazer dançar como o Elvis Presley e escrever ao estilo de Bob Dylan. No meu caso, opto pelo Nirvana para dançar e mantenho o Dylan nas letras (risos).
É comum designarem-no como um punkautor, mas também encontramos na sua discografia alguns temas pop, o indie e a new wave. Existem outras correntes musicais que gostaria de abordar em próximos trabalhos?
Sim! Eu acordo e faço música para teatro, crianças ou rock n´roll e dou aulas de guitarra. Para mim é tudo música. Evidentemente, pela minha geração, e pelo lugar onde cresci, tenho uma ligação forte ao rock e divirto-me muito nesse registro. Por isso, é natural que a pegada roqueira do meu trabalho seja mais evidente. Mas também gostaria de fazer outras coisas se tiver oportunidade para tal. Nos meus discos anteriores abordei o rock de forma melancólica, apostei no punk e também me apresentei como cantautor, mas o “Subterrâneo” é mais violento. No próximo trabalho, irei versar em spoken word e experimentar alguma eletrônica, porque eu sou um compositor, pretendo tentar novas abordagens e também gostaria de escrever canções para outros músicos.
Se tivesse de definir a mensagem da sua música o que diria?
Tenho uma simpatia pelo “underdog”. Eu sou um privilegiado, na zona em que vivo, mas o mesmo já não é verdade no país. Existe uma classe mais alta do que a minha. Por ser um privilegiado, eu pude observar e retratar essas pessoas que estão à minha volta. A minha escrita divide-se em cinco partes: um lado social, os amores e desamores, as crises existenciais, o conflito interior e o “storytelling”. Em comum, nesses pontos, são as histórias de perdedores (risos). Gostei bastante do filme “Coringa”, porque é muito profundo e são exibidas debilidades mentais e ele representa os excluídos. Eu senti que o diretor Todd Philipps estava trabalhando a mesma matéria-prima do que eu.
Tendo em conta que o Scream & Yell é um site brasileiro, qual é a mensagem que gostaria de deixar para os seus leitores?
Escutem Legião Urbana (risos). Pensei em dizer isto, porque curto o som deles e sabia que iria falar para um site do Brasil. Fundamentalmente, desejava que o público brasileiro escutasse a música feita em Portugal, embora o nosso sotaque seja um pouco complicado de entender. Uma das coisas que aprecio na música brasileira é que eles aprenderam a fazer um rock muito característico. É o caso do pop rock do Legião Urbana, porque assenta na forma como são colocadas as palavras. Nós temos bastante a aprender com o Brasil nesse campo, iniciamos esse processo há menos tempo e é um país onde eu me inspiro para fazer as coisas.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.