Entrevista: Rúcula Festival de Artes, Jundiaí

por Leonardo Vinhas

NOTA DE CANCELAMENTO DO FESTIVAL

Os organizadores do vindouro festival Rúcula não ambicionam pouco: querem que seu evento seja o primeiro de muitos, que seja uma marca forte e que promova a cena local. Propósitos tão nobres quando difíceis de serem atingidos, ainda mais quando o festival em questão não conta com grandes apoiadores e ainda acontecerá em uma cidade de pouca exposição no cenário cultural nacional.

Pois o Rúcula Festival de Artes ocorrerá em 23 e 24 de novembro em Jundiaí, cidade a cerca de 50km da capital paulista. A sede do evento será o estádio Doutor Jayme Cintra, que pertence ao centenário Paulista Futebol Clube, o popular “Paulista de Jundiaí”, e a ideia é congregar música, cinema, fotografia, economia criativa, gastronomia, projeções, promoção da cidade, aproximação de públicos e, obviamente, diversão.

Os artistas selecionados em todas as áreas que o festival contempla só não estão no mainstream, como fazem parte do que um de seus organizadores chama de “alternativo de alternativo”. A curadoria do Rúcula busca nomes menos óbvios, e a seleção de músicos – carro-chefe do evento – prova isso: os paulistas Der Baum, Tatá Aeroplano, O Grande Grupo Viajante e João Perreka e os Alambiques; os cearenses Veronika Decide Morrer e muitos artistas da região, que vivem na cidade ou no seu entorno: Letty, niLL, Jupta, Regredidos do Macaco, João Fernandes e uma seleção de dez DJs (veja todo o lineup no Instagram e mais detalhes no Facebook do evento). Com valores acessíveis e a possibilidade de ingresso solidário, o festival terá entrada grátis para menores de 12 anos, condizente com a intenção assumida de dar um caráter tanto familiar como de formação cultural ao evento.

A “cúpula do Rúcula” recebeu a reportagem do Scream & Yell no Café Racer, um dos poucos bares de Jundiaí onde a programação ainda é voltada para o rock (ainda que mais cover que autoral, é verdade). Ali, Jota Wagner (produtor executivo), William Grilo (responsável pelos DJs, feira e intervenções) e o casal Vandré Caldas e Adriana Cristina (que cuidam da curadoria das bandas escaladas), todos veteranos da cena jundiaiense, falaram sobre a gênese e os objetivos do festival, apresentaram os artistas locais e destacaram a ambição de se diferenciar de outros eventos do mesmo tipo que pululam pelo país.

Qual é o conceito que norteia a existência do Rúcula?
Jota Wagner: Nesse ano, Jundiaí teve um rareamento de espaços para shows na cidade. Como produtores, a gente pensou muito em como contornar isso, principalmente depois que o Bar do Haules (um dos espaços mais movimentados e plurais da cidade) teve sua agenda cortada por questões legais. Decidimos fazer um festival anual para juntar todo o ideal de artes que saiu da geração que frequentou aquele bar. “Rúcula” é o nome da caipirinha mais famosa de lá, nós todos fazíamos produções lá, e resolvemos ampliar isso para níveis de estádio de futebol. Estávamos procurando espaço para fazer a primeira edição e o Paulista [Futebol Clube] nos procurou. Rolou uma parceria entre nós e aí saiu o festival.

Mas a que mais o festival se propõe, além de oferecer espaço para as bandas tocarem?
William Grilo: Primeiro, a gente quer contemplar parte do que tá rolando de produção artística na cidade e na região, que tem muita qualidade e precisa ser mostrado, mas também promover um encontro de gerações e de nichos.

Vandré Caldas: Na verdade, eu penso que o conceito também é fugir um pouco do que tá acontecendo em vários festivais, que têm sempre os mesmos artistas. É sair um pouco dessa… panela, sabe? E apresentar um lado mais underground aqui em Jundiaí, que não está nesses festivais e merecia estar.

Adriana Cristina: Nesses festivais que estão por todo o país e já estão acontecendo há algum tempo, há sempre os mesmos nomes famosos que estão em todos, ano após ano. A gente quer fugir disso porque tem muito artista que não é contemplado, que é mais alternativo, mas que tem gente querendo ver. Mas estamos querendo somar, trazendo um lance audiovisual, algo circense. Porque você vai nesses festivais e tem uma roda de cura, um negócio xamânico, e a gente quer sair desse lugar comum. Estamos pensando em fazer outras que é para abrir novos espaços e acrescentar ao festival Rúcula.

É bem interessante essa visão. Porém, existe uma equação que é sempre complicada, que é trazer o nome alternativo e ao mesmo tempo garantir uma convocatória suficiente de público para que o evento seja viável financeiramente. Como vocês estão pensando em equalizar isso no Rúcula?
Vandré: Aí a gente tá voltado para onde o Jota falou. Existe uma demanda na cidade que, com o fechamento do espaço para shows do Haules, não tá sendo atendida. A gente calcula que esse pessoal que ia lá toda semana para ver artistas novos vai estar no festival.

Jota: Por ser o primeiro e totalmente independente, estamos com uma expectativa de mil a duas mil pessoas por dia. E o lineup foi montado de dentro para fora: gente que já tocou nas festas que a gente fazia e que a gente sabe que daria um puta de um caldo. E tem gente que sabemos que o pessoal gosta, como o Tatá Aeroplano, que já tocou, fez um puta show e a galera gostou. E vamos ter, além das bandas, Djs, exposição de fotos, maracatu, um documentário do Pedro Fávero chamado “Rap pelo Rap”.

Há pouco, vocês falaram que o festival contempla “Jundiaí e região”. Mas existe esse diálogo? Movimentação artística tem, mas não tomei conhecimento de muita articulação para produzir coisas juntas na região.
Jota: Acho que essas cidades médias – Jundiaí, Sorocaba, Piracicaba – que têm outras cidades menores no entorno, elas estão tentando resolver suas questões internas, sabe? A gente ainda tem muito trabalho para fazer com que os próprios espaços das cidades se articulem. E tenho certeza que não é diferente em Piracicaba, Sorocaba, ou, sei lá, Ribeirão Preto. Vejo que não há rivalidade ou competição, é que a gente ainda tá tentando resolver esses problemas, sabe? Acho que a gente não consegue se reconhecer a ponto de se ver como uma cena regional.

Adriana: A gente pensou, na hora de fazer esse lineup, que tem muita coisa legal sendo feita. E priorizou essas coisas. O festival é um pontapé inicial, e acho que isso vai dar abertura para ter mais diálogo entre as cidades.

Muitos desses festivais que acontecem no país se referem como “independentes”, isso é mais por vício de linguagem. Afinal, muitos recorrem a editais, a patrocínios de grandes corporações. São meios legítimos, claro, mas não qualifica “independência”. Porém, o Rúcula me parece ser integralmente independente, nesse sentido.
Jota: Sim, e nem é por uma posição política nossa. É porque é o primeiro, é uma marca desconhecida, e por isso temos que fazer na raça. Essa independência de só conversar com seu público e ter liberdade total artística, mas não creio que a gente vá conseguir se quisermos que o festival tenha uma estrutura mais duradoura. Seria lindo se conseguíssemos, porém acho pouco provável. Mas acho que dá para fazer esse crescimento sem abrir as pernas, que a gente pode deixar claras a identidade e a postura do festival.

E pensando que o Rúcula pode atrair também gente de fora, como vocês apresentariam os artistas jundiaenses que vocês selecionaram para essa primeira edição?
Vandré: Bom, não é só artista local, tem os da “grande Jundiaí” (risos gerais). Tem o Regredidos do Macaco, que é uma banda de rock que toca bastante no circuito, e que vem fazendo um show que é referência na região. João Fernandes é um músico famoso do samba, que faz todo o circuito de SESC, que pesquisa o samba paulista.

Adriana: Chamamos a Letty também, que veio morar em Jundiái recentemente, mas já tem um trabalho mais estabelecido. E tô bem feliz de trazer essa participação feminina.

Vandré: Tem o niLL também, que é o maior expoente da música de Jundiaí e não pode ficar de fora de nada que aconteça aqui, na minha opinião. É um dos maiores nomes do hip hop, tá indo muito bem em um concurso da Red Bull, e que está sempre com a gente.

Jota: E tem a Jupta, que é um trio da cidade que tá fazendo um super corre esse ano.

Vandré: Acho que é a banda que mais trabalhou nesse ano, e tá bem maduro.

Jota: É o corre do momento! (risos) E tem ainda o Bloco do Loki, que além de mover muita gente, promove um discurso de diversidade, de igualdade, que é super importante para nós. É um dos maiores blocos de Carnaval do rolê.

Vandré: Eu lamento muito não ter assistido tudo que eu queria. Porque, na hora de chamar um artista, é essencial saber como ele é no palco. Faz toda a diferença. Então alguns dos artistas que escolhemos foram por causa dessa segurança, de saber que vai entregar, e que o camarada pode vir de outra cidade, assistir essa galera e pensar: “pô, valeu eu vir no Rúcula para assistir essa galera”.

Grilo: Os Djs são todos da cidade, e estavam todos na cena noturna desses lugares que foram suprimidos. A gente convidou DJ Thyga, que faz um set pop, que mistura várias coisas; tem o DJ Buck, que acompanha o niLL mas também tem o trabalho dele, autoral, com mixtapes, e é da cena hip hop; tem o [Leonardo] Marcelino (aka DJ Kahlo), que vai vir com música eletrônica, nas palavras dele, “muita fritação”. Tem a Fer (Fernanda Offner), com uma seleção de rocks protagonizados por mulheres. Tem o Joker, que também é do hip hop, um cara periférico; o Amaral Ed, que é da música brasileira, muitas referências do Nordeste e também Soul; a Maravilha, que faz uma mistura em que cabe de tudo; o Puppa Nasty com reggae e outras vertentes; o Francis Etto, com eletrônica, e tem o Captain Wander, que é eletrônica também.

Nos últimos anos, algumas cidades do interior conseguiram se inserir no mapa musical, tanto pela produção artística como pelos eventos. E isso em todos os Estados, praticamente. De Caxias do Sul a São Carlos, tem muito lugar que se estabeleceu. Imagino que esse é um objetivo de longo prazo de vocês.
Jota: Sim. A gente quer trazer gente de fora para ver as coisas aqui. A gente tem centenas de festivais no Brasil hoje, tem o público alternativo, e até o “alternativo do alternativo”, que é onde a gente tá agora. Mas a gente também quer contar alguma coisa da cidade, saca? Desde sempre, alguma coisa sempre esteve rolando por aqui. A gente quer se manter na periferia do lineup, quer que a pessoa entenda que é um festival que vai rolar no estádio do Paulista, tá ligado? Um clube de 100 anos fundado pelos funcionários do sindicato da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que foi responsável pelo desenvolvimento da cidade. Jundiaí é muito misturado, tem gente daqui, gente de fora que veio morar aqui, mas a gente quer mostrar a cidade pra quem vem e extrair o que está aqui.

Vandré: E a gente quer mostrar que se não tem mais coisas rolando aqui não é por falta de bons produtores e bons artistas fazendo o corre (risos). É por falta de espaços mesmo. E a gente quer criar esse espaço dentro do Rúcula, dar essa voz pra galera.

Jota: E na situação atual do país, a gente tem que se unir, fazer as coisas juntos.

Vandré: Há alguns anos vem rolando essa dinâmica de coletivos, de casas culturais. Nas reuniões que fizemos, vimos que, além de nós, vai ter muita gente que vai trabalhar e colaborar, que é um pessoal que sempre trabalhou na cena cultural que Jundiaí vinha criando nesses últimos cinco, seis anos. Acho que vai ser um acontecimento, para todo mundo.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

2 thoughts on “Entrevista: Rúcula Festival de Artes, Jundiaí

  1. Já gostei desse festival só pela sinceridade de dizer que a maioria dos festivais “independentes” a panela corre solta e eles querem fazer algo diferente. Se você pegar os line-up dos festivais é sempre os mesmos – Emicida, carne Doce, Lineker, francisco El Hombre, jaloo, Tuyo …tem as bandas da “vez” também que no mesmo ano toca em praticamente todos os festivais. Gostei da proposta. Gosto muito do som do João Perreka e os alambiques, eles merecem mais espaços. Sucesso ao festival!

  2. Saiu um post dos organizadores dizendo que o festival foi CENSURADO pelo clube Paulista de Jundiaí por terem artistas com temática LGBT. Seria interessante o Scream Yell pautar isso pela visibilidade que site tem. Realmente estamos em tempos sombrios.

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