entrevista por Rafael Donadio
Depois de 13 anos de história na cena musical de Maringá (PR), o grupo Indexsonnora subiu ao palco do Teatro Barracão para gravar o primeiro DVD ao vivo de rap da cidade. Registrado nos dias 8 e 9 de junho deste ano, “Mistério Rap” foi lançado no último dia 12 de setembro. Porém, ainda antes do grupo ser formado, os MCs Felipe Index e Elton Index já se reuniam na praça entorno do Teatro Barracão para ouvir as músicas que haviam criado. “Todo fim de semana a gente estava lá. Ficávamos a madrugada inteira. Então a gente sempre falava que a gente tinha que fazer um show, lançar alguma coisa ali”, conta Felipe.
Dito e feito. Mais de 10 anos depois a dupla se apresentaria em um ponto importante da biografia do grupo, para escrever mais uma parte da história do rap maringaense. Dessa vez, os dois estão acompanhados de DJ Friza – irmão mais novo de Elton e integrante do Indexsonnora há três anos. Composto por 13 faixas, e com aproximadamente 43 minutos, o DVD “Mistério Rap” é como uma linha evolutiva da Index. Músicas que abordam questões existenciais, política e religião integram o trabalho e vão desde “Combate Mortal”, a mais antiga, criada antes mesmo da formação do grupo, até “Complexo de Midas”, de 2017.
Uma das principais influências musicais dos maringaenses está estampada no moletom de Felipe durante a apresentação, Run DMC. Mas os três ainda se inspiram em Sabotage, RZO, Portishead, Wu-Tang Clan, Mobb Deep, Massive Attack, Beastie Boys, Mos Def e tantos outros. Para o cenário, o jogo de vídeo game Silent Hill é o norte, além do cinema de suspensa/horror. DJ Friza desenhou quase todo o palco, composto por andaimes, cadeira de roda, maca, televisor antigo e outros objetos que dão o tom sombrio como do game. Friza ainda contou com a ajuda da Goma Arquitetura.
Apesar de mais de uma década de formação, Indexsonnora não pode ser considerada uma banda muito ativa no circuito de shows de Maringá. Na gaveta, dizem que têm letras para montar outro disco do dia para a noite, mas no palco, a inexperiência sob os holofotes ainda pode ser percebida. Nada que estrague a importância de “Mistério Rap”, tanto para a carreira dos três quanto para o percurso do gênero na cidade. O projeto foi contemplado pelo Prêmio Aniceto Matti da Secretaria Municipal de Cultura e o grupo produzirá, no total, 300 DVDs. Como contrapartida social do projeto, 30 serão encaminhados ao C.A.C. (Centro de Ação Cultural) de Maringá e o restante será distribuído gratuitamente pelo grupo. Basta entrar em contato pelo Instagram ou Facebook para adquirir.
Conversamos com os integrantes para saber um pouco mais da carreira, do DVD e das letras. Confira:
O grupo foi criado em 2006, mas, pelo que entendi, ainda não era esse trio. Qual a história da Indexsonnora?
Felipe: Antes de 2006, a gente fazia umas letras ainda muito inspiradas em bandas que a gente ouvia. Gustavo Vieira, amigo nosso, foi o cara que trouxe a primeira letra no estilo perto do que fazemos hoje. Em 2006 a gente achou um jeito próprio de compor e fazer as bases. Era eu e o Gustavo e depois eu e o Elton (Index). O Gustavo trouxe uma letra muito parecida com “Utopia”, meio existencial. Tipo, estou me fodendo aqui, maluco acha que eu vou ficar satisfeito com essa de vida, me foder a vida inteira e ir para o céu. Não, eu não quero céu, eu quero a vida. Era basicamente esse conceito. Uma semana o Gustavo vinha com uma letra dele, outra semana o Elton, eu. Aí fomos criando as bases nesse estilo “obscuro”. Em 2009 a gente começou a tocar com banda. Aí a gente começou a tocar mais nas festas em Maringá, até 2013. Depois eu comecei faculdade, nosso guitarrista foi embora, não durou. Aí quando terminei a faculdade, em 2017, a gente voltou com DJ, porque era mais acessível. O Friza, por enquanto, só “risca”, faz os scratchs, está começando a criar as bases agora.
Vocês dizem que “Mistério Rap” é quase como um estilo de música que fazem. Queria que falassem sobre esse nome e sobre as músicas escolhidas para o DVD.
Felipe: É meio difícil explicar. Mas o mistério são coisas escondidas por alguém ou pela própria natureza. Escondem e tiram acesso do conhecimento de alguma coisa. A gente está acostumado a falar de coisas que não querem que a gente saiba, questionamos coisas que não querem que sejam questionadas. Por exemplo: os poderes todos paralelos, questionar a autoridade do pastor, questionar a autoridade da imprensa e do governante são tabus. A gente sabe que o cara é ladrão, mas não tem provas, então acaba ficando como um mistério. A gente não consegue provar, mas o dinheiro some. A gente fica trabalhando a vida inteira em torno de mistérios. Então é mais essa coisa de abrir a caixa preta. Mas tem mistério em muitas referências, tanto na música quanto no DJ que não mostra a cara. Tem bastante significado.
Elton: Colocamos as músicas que estavam mais no gatilho, que são, em geral, as que consideramos as mais legais. Eram as que estavam mais ensaiadas. A maioria das músicas é de 2006. A mais nova é a “Complexo de Midas”, que é 2017. Até “Combate Mortal”, que é uma música que nunca lançamos, é uma das primeiras da Index. Eu lembro que o critério que a gente utilizou foi escolher as letras que a gente já tinha reescrito. Eram músicas que a gente já tinha tocado com a formação de banda, a gente reformulou, a gente fez refrão novo, eram músicas mais completas. Mas se você pedir um álbum para semana que vem, a gente arruma um de hoje para amanhã. A gente tem um monte de letra guardada, é só resgatar. No projeto, a gente colocou uma espécie de separação: um terço do show era protesto, outro um terço era com letras de histórias fictícias e um terço era questionamento existencial. São dez músicas e outras três vinhetas, que são como refrões. A gente colocou para fazer uma ligação dos temas.
Vocês abordam muito o comportamento social, instituições, política e reflexões existenciais nas letras. Qual a importância de falar sobre esses temas?
Elton: Sempre falamos sobre questões existenciais, política, religião. Nunca achamos que estava bom, então sempre protestamos. Hoje, estando do jeito que está, não muda muito sobre o que falamos e o jeito que falamos, porque a gente sempre falou e protestou. Parece que está bem pior, mas coisas que a gente fala há bastante tempo continua encaixando.
Felipe: São músicas um pouco atemporais. A gente não fala sobre um problema em um tempo específico, geralmente falamos dos problemas em geral. Cutucamos a sociedade também. Político não brota no congresso, político brota da sociedade. Dificilmente a gente faz essa autocrítica, sobre ser corrupto nas pequenas coisas do dia a dia. Dizemos que o presidente não pode, mas eu e você estamos acostumados a fazer essas pequenas corrupções. Quando a gente começou a escrever rap a gente queria despertar nas pessoas a mesma indignação que a gente tinha em relação a tudo o que acontecia.
– Rafael Donadio (Facebook: rafael.p.donadio) é jornalista maringaense. A foto que abre o texto é de Renato Domingos / Divulgação