entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa
Momo, o nome artístico de Marcelo Frota, cantor e compositor mineiro, que reside em Lisboa, está com disco novo nas ruas. “I Was Told To Be Quiet” foi gravado em Los Angeles durante uma estadia relativamente curta, mas trabalhosa, com o produtor americano Tom Biller e alguns músicos de estúdio. Num café acolhedor, situado na freguesia lisboeta de Santa Catarina, o músico brasileiro destacou o papel da sua maturidade e da abrangência do novo álbum. “É um trabalho de quem tem 40 anos e está no seu sexto disco solo. Este disco tem várias coisas, ele é o Brasil, Lisboa, os Estados Unidos e a minha infância. Sinto que criei algo aglutinador e completo”, conta.
Em “I Was Told To Be Quiet” são abordados o samba, a bossa nova e o tropicalismo, com laivos de romantismo e psicodelia, numa toada geral agridoce e envolvente, destacando-se faixas como “For I Am Just A Reckless Child”, “Marigold”, “Vida” ou “Higher Ground”. Simultaneamente, é percetível que os efeitos sonoros e a eletrônica amenizaram as inquietações e clarificaram os sentimentos do autor. “Concordo contigo. A eletrônica, por vezes, retira um pouco da característica humana, do visceral e da dramaticidade. É mais crua, industrial e isso gera um contraponto e um balanço bom”, explica.
Relativamente à influência na sua música do local onde vive atualmente, Momo aponta o disco anterior (“Voá”, de 2017) como o momento de maior impacto lisboeta na sua obra. “No ‘Voá’ a absorção de Lisboa foi mais evidente e esse entendimento incluía o Camané, que trouxe o fado. Agora a cidade já não é novidade para mim e isso é bom, já que o olhar poderá se deslocar para outros sentidos”, observa.
Depois de participar no mês de setembro de festivais portugueses como o Manta (Guimarães), F (Faro) e Inspiral (Açores), o cantor mineiro fará um tour pela Itália em novembro (composto por shows, programas de rádio e atividades promocionais), regressando a Lisboa para uma apresentação no Teatro Bocage a 29 de Novembro, por ocasião do lançamento do disco em Portugal. Em dezembro será a vez de desembarcar na França, mas ainda com datas por confirmar.
Ao finalizar a nossa conversa, Momo exibe o seu lado emotivo, quando revela que se comove com a edição do programa televisivo Carpool (dedicado a Paul McCartney) ou no momento em que recorda a sua adolescência, antes de se deitar, ao som de “Vento no Litoral”, do Legião Urbana. Sobre um objetivo futuro por alcançar, prefere realçar o trajeto seguido e a honestidade artística. “Estou muito feliz com o que eu faço e produzi anteriormente e sinto uma plenitude por via deste álbum. Pretendo continuar fazendo os meus discos com o coração e a mesma entrega de sempre”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Momo conversou com o Scream & Yell. Confira:
O seu novo disco resultou de uma parceria com o produtor americano Tom Biller. Como decorreu o trabalho em Los Angeles?
A colaboração durou um mês e poucos dias, mas, na verdade, eu já tinha vontade de trabalhar com o Tom há cerca de 10 anos atrás. Quando comecei a gravar o meu terceiro disco (“Serenade of a Sailor”, de 2011), um álbum que tinha canções em inglês e, tendo regressado de uma tour nos Estados Unidos, fiquei com vontade de gravar com ele. Na época, escutei o disco “Friendly Fire”, de Sean Lennon, que o Tom Biller produziu e tentamos fazer um álbum, mas as agendas não bateram. Desde então fomos nos comunicando até ao momento presente, ele fez um remix de uma faixa minha e trocamos material. Em 2018, enviando emails, combinamos de fazer o disco. Eu não o conhecia pessoalmente, mas ele surpreendeu-me positivamente. O convívio foi excelente e existia uma alquimia muito boa. Basicamente, este trabalho é composto por mim, pelo Tom e por alguns músicos que foram chegando ao estúdio, mas foram dias muito intensos com pouco tempo para descansar. Só folgamos um dia durante esse período, porque o Biller foi assistir a um show do Willie Nelson (risos). Habitualmente começávamos a trabalhar de manhã e na madrugada parávamos para comer alguma coisa. Globalmente, foi um processo de muita imersão naquele trabalho, mas aquilo que pressupus sobre o Tom Biller só se confirmou quando eu cheguei a Los Angeles.
Houve algum momento em que alguns parceiros de composição para este disco (como Wado, Thiago Camelo ou Ana Lomelino) o tivessem surpreendido com as suas ideias?
Até ao momento, só mostrei o álbum para o Thiago e o Wado, mas eles ainda não me deram nenhum feedback. No caso da Ana Lomelino, escrevemos a música em português e a minha mulher, que é francesa, adaptou o tema para francês. Por isso, terei de mandar a versão francófona para a Ana, porque ela não a tem. Eu componho com voz e violão, por isso é essa gravação, muitas vezes caseira, que eu mando para os meus parceiros. É uma espécie de demo tão simples que quase não dá para pensar nos arranjos, mas quando o disco está pronto e todos escutam os resultados são diferentes.
Em “Marigold” você canta o amor de uma forma melancólica e sedutora, enquanto na faixa “Vida” abraça o tropicalismo mais exuberante. Qual destas facetas o atrai mais?
Atraem-me as duas facetas. “Marigold” é uma canção trovadoresca e tem um poema existencial, um pouco à semelhança do universo folk americano e britânico que me agrada. Esse tema foi retirado de uma música de Bill Fay. Ele é um compositor inglês que fez dois discos, parou de produzir e voltou há uns anos atrás. É uma espécie de músico maldito, tal como Nick Drake, e depois de algum tempo a sua obra foi recuperada. Na “Marigold” fiz uma alusão a uma canção dele (“Don´t Let My Marigolds Die”). Como você disse bem, “Vida” é uma faixa psicodélica, são os Mutantes, a tropicália, o fuzz na guitarra, no baixo e que entram no refrão. Ao longo da minha carreira flertei com esses elementos em termos sonoros: a psicodelia, as ambiências e o fuzz. O meu novo disco abraça mais atmosferas, componentes e tem uma paleta de cores mais alargada.
“I Was Told To Be Quiet” é também apresentado como “Uma resposta sensível ao mundo atribulado que vivemos”. Nesse sentido, como avalia o momento atual do Brasil?
Eu não avalio apenas o Brasil, mas sim o momento atribulado do mundo. Basta você abrir as páginas dos jornais para captar esse ruído. É algo comum a muitos países e eu estou atento a isso. O meu disco é um convite, como se fosse um manifesto, para a contemplação do silêncio, que é bastante necessário agora. Atualmente, estamos de pernas para o ar devido a esse caos e à gritaria e é no silêncio que encontramos um refúgio. Por isso, silenciar é falar, como acontece na religião budista. Nesse sentido, o álbum propõe a quietude para que possamos nos apropriar das coisas e depois tomar uma decisão.
Você integrou o projeto musical luso-brasileiro O Clube (2013) e fez parcerias com Rita Redshoes e Camané, entre outros. Existem mais músicos portugueses com quem gostasse de trabalhar?
As minhas parcerias musicais derivam mais da amizade. Geralmente, elas iniciam-se dessa forma. Foi assim que aconteceu com a Rita Redshoes e o Camané. Para pensar em alguém próximo de mim, com quem eu gostaria de trabalhar, ocorre-me a cantora Mitó Mendes, porque já cantamos juntos, somos amigos e estou sempre pensando em convidá-la para algum projeto musical. É com ela que eu tenho vontade de fazer qualquer coisa.
Gostaria de deixar uma mensagem para os leitores do Scream & Yell?
Eu convido os leitores do Scream & Yell para escutarem o novo álbum e ouvirem a minha obra anterior. São seis discos e parece que já sou um veterano (risos). Existem coisas bonitas e pertinentes em todos eles. O meu primeiro trabalho, “A Estética do Rabisco” (2006) é um desses exemplos. As coisas estão demasiado aceleradas hoje em dia, porque existem bastantes discos e informação. Durante anos eu olhava para as capas ou lia a ficha técnica dos vinis e isso perdeu-se. É bom serenar um pouquinho e ler aquele livro na nossa cabeceira que não ligamos muito ou o escrito de algum autor interessante.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. A foto que abre o texto é de Pedro Ibo Eusébio / Divulgação