por Karina Lacerda
Dá pra arriscar que o sentimento coletivo ocidental atual gira em torno de um pouco de desilusão, muita tecnologia e uma busca ávida por conexões interpessoais verdadeiras dentro das nossas bolhas.
Isso reflete, em parte, os tempos atuais que vivemos (um tanto assustadores, diga-se de passagem) com extremos de grandes corporações que – literalmente – ouvem nossas conversas e sabem o que consumimos, o que desejamos até a outra ponta – gente sem nenhum acesso a consumo ou direitos sociais, passando fome e fugindo na maior onda migratória desde a segunda guerra mundial. São milhões de refugiados arriscando suas vidas em travessias perigosas para tentar uma vida melhor.
Nesse cenário desolador cresce a falta de credibilidade nas instituições tradicionais, na imprensa, no governo. Um terreno fértil para o surgimento de figuras histriônicas que seduzem o eleitorado ao oferecer falsamente soluções rápidas para problemas complexos e discursos recheados de simplificações e preconceitos sob a máscara da “franqueza”.
Em meio a tanta desgraceira não é de se estranhar que as maiores bilheterias no cinema este ano estejam recheados de fantasias bem maniqueístas com os papéis dos mocinhos e bandidos bem delimitados e com muitas doses de força bruta envolvida. Todo mundo quer – e precisa – de um pouco de escapismo.
Já nas plataformas de streaming, o leque se amplia e o zeitgeist dá o tom para séries como a queridíssima e cultuada “Black Mirror” e a assustadora “Handmaid’s Tale”. Nesse clima de “tá ruim mas tá bom mas poderia ser pior”, a HBO lançou – sem muito alarde – a minissérie “Years and Years”.
A série acompanha os Lyons – uma família comum de Manchester, na Inglaterra – em um futuro não muito distante onde o chefão laranja Donald Trump cumpre seu segundo mandato como Commander in Chief nos Estados Unidos e a China disputa territórios usando força bruta e armas nucleares. Na Terra da Rainha, surge Vivienne Rook, uma figura caricata (a ótima Emma Thompson) buscando espaço político com declarações xenófobas e politicamente incorretas que vai, aos poucos, ganhando espaço na mídia até conquistar o principal cargo eletivo do país e virar primeira ministra do Reino Unido. Aos poucos ela mostra a que veio: mais do que “rebelde”, Rook é perigosa e imprevisível.
(Pausa dramática)
(lembrou-se de alguém?)
(Fim da pausa dramática)
Já dizia a escritora Virginia Woolf que depois de uma certa idade os anos passam voando e os dias são intermináveis – em “Years and Years” esse sentimento é elevado à décima potência. Parte de uma noite comum de 2019 e percorre os próximos 15 anos dos Lyons – com algumas sacadas muito inteligentes pra mostrar as vertiginosas passagens de tempo e as transformações na vida dos personagens, e mostra como o clã enfrenta os novos tempos políticos, econômicos e tecnológicos.
“Years and Years” tem seis episódios, produzidos em uma parceria entre HBO, Red Production e os canais BBC One e CANAL + e foram criados, roteirizados e produzidos por Russel T. Davies, um dos mais aclamados roteiristas britânicos da atualidade, responsável pela revitalização bem sucedida de “Doctor Who”. Além da fada sem defeitos, Thompson, o elenco conta também com Rory Kinnear, o atormentado Frankenstein em “Penny Dreadful” também exibida pela HBO, e outros nomes mais conhecidos do público britânico como Russell Tovey e Anne Reid, ótima no papel da matriarca dos Lyons.
O conceito já estava na cabeça de Davies há mais de uma década: “Nos últimos anos, o próprio mundo parece estar fervendo mais rápido, mais quente e mais selvagem do que nunca. A época atual parece febril. Somos ao mesmo tempo mais políticos ou mais descrentes da política do que nunca”.
A maior dureza aqui é controlar a ansiedade. Os episódios, de uma hora de duração, ficam disponíveis às sextas-feiras. A HBO Brasil disponibilizou o primeiro episódio no dia 28 de junho.
– Karina Lacerda (@naoeakazinha) é jornalista, trabalha na TV Cultura.