Boteco: 9 países, 9 cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo mais uma série de cervejas e países, desta vez por Chicago com a Goose Island, que retorna ao site com sua Marzen, Oktoberfest, uma cerveja de coloração âmbar acastanhada com creme bege de boa formação e média alta retenção. No nariz, muito caramelo, percepção de malte tostado, sugestão de pão doce além de mel e leve toque floral. Na boca, doçura média no primeiro toque sugerindo mel e caramelo com leve presença de tosta na sequencia além das notas clássicas de casca de pão (doce) e de biscoito levemente amanteigado. O amargor é baixo (17 IBUs), a textura é suave e, dai pra frente, segue-se um conjunto que respeita as características principais do mítico estilo alemão. No final, malte tostado e doçura. No retrogosto, mais mel, mais caramelo e mais tosta. Boa.

De Chicago atravessamos o Atlântico em direção a vila Nemeniku?e, na Sérvia, com uma população de cerca de 2 mil pessoas, casa da Kabinet Brewery, fundada em 2014. A cerveja da vez é a Carnival, uma Sour Ale cuja receita combina os lúpulos Amarillo, Citra e Magnum com a adição de pimenta vermelha e abacaxi. Na taça, a Kabinet Carnival apresenta uma coloração âmbar levemente dourada com creme bege de formação tão rápida quanto sua permanência (algo típico do estilo, bom lembrar). No nariz, frutado cítrico que remete a limão (bem azedo), condimentação que traz algo de pimenta e também de páprica, além de abacaxi. Na boca, porém, o abacaxi surge azedinho no primeiro toque até ser atropelado pela pimenta (e a páprica), que não é nem um pouco agressiva, mas compõe um perfil interessante cuja sensação de amargor é totalmente dispensável, pois são 15 IBUs que desaparecem frente ao azedume e a acidez. A textura é levemente frisante e picante. Dai pra frente, o conjunto segue apostando na combinação de acidez, frutado e picante, de forma refrescante. No final, secura, mineral e acidez. No retrogosto, mineral, acidez leve, pimenta, páprica. Interessante.

Da Sérvia para São Paulo, casa da Cervejaria Japas, que produziu essa receita especial para o clube Beer na fábrica da Dádiva, em Várzea Grande: Ponkanmon, uma American Amber Ale que recebe adição de ponkan, a versão japonesa da tangerina. Na taça, a Japas Ponkanmon apresenta uma coloração âmbar acobreada com creme bege de boa formação e média alta retenção. No nariz, o perfil tradicionalmente maltado do estilo cede lugar à fruta, que imprime intensas notas frutadas cítricas, remetendo tanto a tangerina quanto laranja e, levemente, a grapefruit. Ainda é possível perceber a base caramelada. Na boca, tangerina no primeiro toque, intensa. O caramelo vem logo na sequencia, e a combinação é bem saborosa. O amargor é baixinho (a casa avisa que são 27 IBUs, mas parece até menos) e a textura, suave. Dai pra frente, o conjunto investe na combinação tangerina e caramelo, e se sai bem. No final, amarguinho cítrico. No retrogosto, tangerina, caramelo e leve picância.

Do Brasil para Dunham, pequena cidade de quase 4 mil habitantes na província de Quebec, no Canadá, que abriga a Brasserie Dunham, cervejaria que marca presença aqui com a versão Lochristi de sua Saison Rustique, pois usa levedura da famosa cidade da De Proefbrouwerij, cervejaria belga responsável pela produção de, entre outras, Mikkeller, Omnipollo e To Øl (o Ratebeer lista mais de 2 mil cervejas diferentes produzidas lá). De coloração entre o amarelo palha e o amarelo juicy (das NE) com creme branco de vasta formação e longuíssima retenção, a Dunham Saison Rustique Lochristi apresenta um aroma com potência de acidez e rusticidade perceptíveis facilmente em meio a uma paleta aromática que ainda traz abacaxi, mel e pão. Na boca, doçura cítrica bem leve no primeiro toque (abacaxi) seguida de mel, mais frutado cítrado e, enfim, acidez e rusticidade. O amargor fica em segundo plano na receita (a acidez é mais intensa) e a textura, frisante e cremosa. Dai pra frente segue o perfil interessante de uma boa Saison, não tão campestre como as tradicionais belgas, mas muito saborosa. No final, mineral e cítrico. No retrogosto, abacaxi, mais mineral, mel e acidez.

Do Canadá atravessamos o Atlântico em direção a antiga Baixa Saxônia, hoje Condado de Hesse, na Alemanha, casa da Eschweger Klosterbrauerei, responsável pela cerveja Jacobinus, que já passou por aqui nas versões Hefe-Weizen e Dunkel-Weizen e agora retorna com sua Schwarzbier, uma cerveja de coloração marrom escura translucida com creme bege claro de ótima formação e longa retenção. No nariz, bastante presença de notas de torra trazendo consigo algo de café além de leve doçura maltada. Na boca, doçura maltada rápida no primeiro toque que logo cede espaço para as notas derivadas da torra, que reforçam a sugestão de café, mas não encobrem a doçura, conseguindo um belo equilíbrio. O amargor é baixo (não chega a 30 IBUs, ainda que a torra faça parecer mais), a textura é leve, quase suave e, dai pra frente, segue uma Schwarzbier clássica, que equilibra satisfatoriamente torra e tosta, num resultado bastante agradável. No final, amargorzinho de torra. No retrogosto, café e doçura.

Depois da Gose Limón Kaffir, da Talingo Milk Stout e da Tres Tristes Tigres, a quarta da panamenha Casa Bruja a passar por aqui é a Gose Frambuesa, uma cerveja cuja receita combina trigo, cevada e aveia e recebe adição de framboesa e semente de coentro. Na taça, a Casa Bruja Gose Framboesa apresenta uma coloração âmbar avermelhada com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, frutas vermelhas sugerindo uma forte pegada cítrica que inclui limão, também traz acidez e remete a Pink Lemonade. Na boca, Pink Lemonade no primeiro toque com acidez suave na sequencia e percepção de doçura de frutas vermelhas. O amargor fica em segundo plano diante da leve pancada de acidez, que causa discreta adstringência. A textura sobre a língua e levemente picante e efervescente e, dai pra frente, segue-se um conjunto saboroso, com bastante presença de frutas vermelhas e também de acidez. No final, acidez leve e framboesa. No retrogosto, adstringência suave, framboesa e refrescancia.

Do Panamá para a Dinamarca com uma cerveja da badalada Mikkeller que pertence a uma série que homenageia o bairro de Vesterbro, em Copenhague, que abriga um dos primeiros bares da cervejaria, o Viktoriagade – essa Vesterbro Hoppy Pilsner, inclusive, está sempre engatada no boteco! De coloração âmbar alaranjada com creme bege de boa formação e retenção, a Mikkeller Vesterbro Hoppy Pilsner apresenta um aroma frutado com pegada levemente cítrica (remetendo a melão em primeiro plano e, depois, laranja) e doçura maltada na base. Na boca, frutado saboroso no primeiro toque seguido de leve doçura aconchegante, mais frutado (melão, laranja) e um amargor bem sossegado (não deve chegar a 30 IBUs). A textura é leve querendo ser suave / cremosa e, dai pra frente, surge um conjunto de Hoppy Pilsner bastante saboroso, como uma Pilsner deveria ser, com bastante sabor frutado, doçura leve e amargor sutil – para se beber de balde em Copenhague. No final, amargozinho leve. No retrogosto, frutado e refrescancia deliciosa.

Da Dinamarca para Toledo, na Espanha, casa da Domus Craft Beer, cervejaria aberta em 2007 que surge por aqui com sua segunda cerveja (a primeiro foi a Regia Pale Ale), desta vez uma colaborativa com a brasileira Cevada Pura produzida em território espanhol. Trata-se da Pangea, uma Belgian Tripel com pimenta rosa e açafrão que apresenta uma colaboração âmbar alaranjada com creme bege clarinho de baixa formação e curta retenção. No nariz, percepção e doçura caramelada, presença de álcool (7.7%) e de levedura belga além de um suave frutado (remetendo a pêssego). Na boca, doçura caramelada no primeiro toque seguida de frutado suave, presença tímida de pimenta rosa e discreta picancia alcoolica tomando o lugar do amargor, que é baixinho (15 IBUs) e fica em segundo plano. A textura é suave com picância sutil. Dai pra frente segue-se um conjunto distante de uma Belgian Tripel, mas, ainda assim, interessante, com caramelo, pêssego, álcool e a pimenta rosa tímida bem combinados. No final, leve picância de levedura. No retrogosto, caramelo, pêssego e pimenta rosa sutil.

Da Espanha para Amsterdã com mais uma holandesa da Oedipus, desta vez a Kinder Yoga, uma Russian Imperial Stout carregada de lúpulo (East Kent Goldings e Chinook) e produzida pela primeira vez em 2015. Ela apresenta uma coloração marrom bastante escura, quase preta, com creme bege escuro espesso de excelente formação e média alta retenção. No nariz, combinação de notas de torra, de doçura achocolatada e de lupulagem sugerindo café, chocolate, alcaçuz, nozes e um distante cítrico de Black IPA. Na boca, potência de chocolate no primeiro toque seguida de café leve, alcaçuz, nozes e um pancada potente de amargor, 50 IBUs corajosos com rastro de Black IPA. A textura é sedosa, e só aqui os 11% de graduação alcoólica dão as caras, pinicando a língua levemente. Dai pra frente segue-se um conjunto absolutamente caprichado de Russian Imperial Stout (valorizando o chocolate) com traços de Black IPA. No final, amargor um tiquinho cítrico e, um microssegundo depois, café. No retrogosto, frutas escuras, chocolate, café e cítrico.

Balanço
Começando pelos EUA, com a Goose Island produzindo uma receita alemão, a Oktoberfest, com capricho e respeito. A segunda é uma Sour sérvia com pimenta vermelha e abacaxi: Kabinet Carnival, interessante. A brasileira Japas Ponkanmon, com viés nipônico, se sai bem com a combinação de caramelo com tangerina. A Dunham Saison Rustique Lochristi é uma versão especial da Saison da casa com levedura da cidade belga de Lochristi, e honra as grandes cervejas produzidas lá. Da Alemanha, Jacobinus Schwarzbier, que combina torra e tosta de forma deliciosa. A Casa Bruja Gose Frambuesa é uma boa kettle sour que remete a Pink Lemonade. A Mikkeller Vesterbro Hoppy Pilsner é uma India Pale Lager que faz ter muita vontade de bebe-la fresca no bar da cervejaria em Copenhague: se aqui ela está essa delicia, imagina lá! Eu esperava mais da Domus Pangea, mas no final ela me soou uma cerveja agradável, sem muitas surpresas. Fechando com a Oedipus Kinder Yoga, uma baita Russian Imperial Stout que, em outra vida, deveria ter sido uma Imperial Black IPA. Deliciosa combinação de chocolate, café, frutas escuras e um leve cítrico. Delicia.

Goose Island Oktoberfest
– Produto: Oktoberfest
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.7%
– Nota: 3.26/5

Kabinet Carnival
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Sérvia
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3.26/5

Japas Ponkanmon
– Produto: American Amber Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3.25/5

Dunham Saison Rustique Lochristi
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Canadá
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3.50/5

Jacobinus Schwarzbier
– Produto: Schwarzbier
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3.21/5

Casa Bruja Gose Frambuesa
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Panamá
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.29/5

Mikkeller Vesterbro Hoppy Pilsner
– Produto: India Pale Lager
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 5.6%
– Nota: 3.41/5

Domus Pangea
– Produto: Belgian Tripel
– Nacionalidade: Espanha
– Graduação alcoólica: 7.7%
– Nota: 3.20/5

Oedipus Kinder Yoga
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 4.03/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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