Ao Vivo: Céu no Z, em São Paulo

Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota

Esse texto poderia ser iniciado com diversos números já clichês sobre a Céu: a quantidade de discos que ela vendeu nos Estados Unidos; a quantidade de prêmios nacionais e internacionais; seus números estrondosos de shows; a quantidade de vezes que ela já esteve no Jools Holland, da BBC, entre outros. Melhor que isso, porém, é resumir que ela é certamente uma das maiores artistas da MPB dos anos 2000, seja lá o que esse rótulo de gênero ainda signifique nesse 2019. Por isso, quando a cantora anuncia um show como “surpresa”, anunciado uma semana antes, é natural que o público fique curioso e atento.

Seu show surpresa no Z Carniceria, em São Paulo, agendado para dois dias, ganhou uma terceira data devido à alta procura de ingressos. Na noite de abertura da minitemporada, quarta-feira, 20 de março, o show estava programado para 22h, mas Céu só subiu ao palco depois das 22h40, um horário não muito amigável para o trabalhador que depende do metrô. Porém, o atraso foi esquecido assim que o palco do Z se abriu e a cantora surgiu toda de preto, cabelos armados, a entoar a linda “Bubuia”, originalmente cantada ao lado de Anelis Assumpção e Thalma de Freitas no ótimo “Vagarosa” – disco do ano na votação do Scream & Yell 2009. Em tempos tão bicudos como esse, “Bubuia” é uma canção a ser resgatada com seus versos que entoam “Já que não estamos aqui só a passeio / Já que a vida enfim, não é recreio / Eu vou na bubuia”.

Na sequência, Céu apresentou um apanhado de canções do disco “Tropix” (disco do ano no Scream & Yell na votação 2016), com o qual ela ainda está em turnê. “Perfume do Invisível”, “Arrastar-te-ei”, “Minhas Bics” e “Chico Buarque Song” (um cover da banda Fellini) foram cantadas em coro por uma plateia que sabia até os versos mais complexos das canções. A surpresa do show veio na sequência: pela primeira vez Céu cantou ao vivo “Eclipse Oculto”, de Caetano Veloso, que ela havia gravado para a compilação “A Tribute to Caetano Veloso” (2012). Céu acompanhou os versos caudalosos da faixa de Caetano com uma colinha no pé do palco, mesmo assim o público entoava a canção em alto e bom som junto da cantora, que agradeceu a ajudinha no final.

Na sequência da noite, ela repassou diversos pontos de sua carreira: do álbum “Vagarosa” ainda foram resgatadas “Grains de Beauté” e “Cangote”; do “Caravana Sereia Bloom” (disco do ano na votação do Scream 2012 – sim, Céu venceu três vezes o Melhores do Ano do site) vieram “Baile da Ilusão”, “Chegar em Mim” e “Retrovisor”; já do disco de estreia homônimo vieram canções já clássicas como “Concrete Jungle”, “A Lenda”, “Malemolência” e “10 Contados”, essa última cantada no bis. Resgate curioso da noite foi a canção “Visgo de Jaca”, lançada no EP “Cangote” (2009). Todo esse passeio pela carreira de Céu é simbólico, já que nesse ano toda sua discografia foi lançada pela Polysom em vinil, em edições caprichadas!

Pensando em todos esses discos em retrocesso, é lindo ver Céu celebrando agora seus 15 anos de carreira de forma tão sólida num palco tão acolhedor, com um público caloroso. Céu consegue estilhaçar o conceito de MPB indo para lados completamente inesperados; sejam suas incursões sedutoras pelo reggae ou sua força roqueira, que ganha em peso ao vivo, graças a sua banda formada por David Bovée na guitarra, Marcelo Dworeck no baixo, Zé Ruivo nos teclados e Thomas Harres na bateria. Esse time no palco faz com que Céu coloque no chinelo muita banda de rock da atualidade – canções como “Etílica” e “Eclipse Oculto”, por exemplo, tem guitarras matadoras.

O palco do Z é baixo e bem próximo do público e isso cria um clima de troca mais direta com a artista e, nesse sentido, Céu é uma figura cativante: ela parece se divertir no palco tanto quanto o público na plateia. Ela dançava, jogava seus cachos para lá e para cá, ria quando ouvia gritos de “deusa”, “perfeita”, “dona da MPB”, entre outros. Na hora de cantar “Cordão da Insônia”, a cantora se perdeu na letra e foi ajudada pela plateia, depois pediu desculpa e dedicou a canção à todas as mães que varam as noites no cordão da insônia cuidando de seus pequenos – ela retornou aos palcos agora em 2019, depois de sua segunda gestação.

Esse caráter de confraternização de amigos ao lado da cantora foi coroado no final da noite: uma moça na plateia levantou uma plaquinha avisando que seu amigo, um grande fã de Céu, estava de aniversário; a cantora então pediu a ajuda da banda e entoou um chiquérrimo “Parabéns pra você”, uma honra que encerrou a noite em clima de festa. O show surpresa de Céu no Z é apenas a confirmação de uma carreira recheada de acertos, de uma artista em plena ebulição, que conseguiu construir sua presença artística no cenário mundial de forma coerente e coesa.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.
Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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