Entrevista: Bixiga 70 (2018)

entrevista por Gil Luiz Mendes

Lançamento de um disco com canções que não tem letras, mas, mesmo assim, o público canta todas as melodias. Três noites com ingressos esgotados quase uma semana antes. É difícil explicar o fenômeno Bixiga 70, que reúne nove músicos em cima do palco e uma legião de fãs que se identificam com o suingue das batidas afro e toda a potência dos metais. Por onde passa, seja no Festival Psicodália, no Roskilde Festival (Dinamarca) ou Glastonbury (Inglaterra), o cenário de cumplicidade é sempre o mesmo.

A banda paulistana estreou o seu novo disco, “Quebra-Cabeça”, em sua cidade natal na primeira quinzena de julho. O álbum é o quarto da banda (descontando a colaboração com Victor Rice em “The Copan Connection”, de 2016), que tem quase uma década de formação. As inspirações veem das viagens que a banda fez ao redor do planeta nos últimos anos e o encontro com vários artistas de diferentes lugares pelo caminho – são mais de 100 shows passando por países como Estados Unidos, Canadá, França, Austrália, Nova Zelândia, Suécia e Índia, entre outros.

Em 2016, quem conversou com o Scream & Yell foi Décio 7 (“As pessoas terão que se unir em torno de um objetivo comum“, ele dizia). Agora é a vez de Cuca Ferreira, responsável pelo sax barítono e pela flauta no Bixiga 70, conversar com o site num bate papo depois da passagem de som da segunda noite de shows (esgotados) no Sesc Pompeia. Na troca de ideias, o músico falou sobre como foi trabalhar pela primeira vez com um produtor, novos processos de gravação e composição e a receptividade do público com o novo trabalho. As respostas você confere abaixo.

Como foi a gravação de “Quebra-Cabeça” e qual a principal diferença dele para os discos anteriores do Bixiga 70?
“Quebra-Cabeça” é um disco que a gente já vem trabalhando há um bom tempo. Começamos para valer no ano passado, quando começamos a primeiras sessões. Só que nesse mesmo tempo entramos em um ritmo de várias viagens e isso deu uma desgastada. A gente deu um tempo no repertório e depois o retomou quando conseguiu se reorganizar e arrumar um tempo para gravar. No final acabou sendo legal porque as músicas foram amadurecendo mais quando a gente pegou de novo. Acho que foi o disco que a gente mais trabalhou com calma cada faixa.

Como foi ter o Gustavo Lenza como produtor do disco, já que essa é a primeira vez que vocês chamam alguém de fora para trabalhar em álbum do Bixiga?
A gente sempre trabalhou com o Victor Rice, mas ele nunca foi o produtor. Ele mixava os discos e, obviamente, ele foi muito responsável pelo som dos três primeiros discos do Bixiga. Nesse disco atual a gente fez muita coisa diferente. O que fez a gente procurar um produtor é que antes tínhamos um lance de gravar ao vivo, porque somos uma banda mais de palco de que de estúdio. Onde a gente é mais a gente é no palco. Sempre tentamos fazer o disco com a mesma energia do show e, para falar a verdade, nunca deu muito certo. Então decidimos assumir que iríamos fazer um disco de estúdio e explorar esse universo. Fazendo faixa a faixa, gravando separado e dobrando vozes do sopro. Pra fazer isso a gente achou legal ter alguém do ramo que nos conduzisse. O Lenza é nosso amigo de antes de existir a banda. Sempre foi da mesma galera. E foi bacana que nesse tempo que o Bixiga existe, o Lenza virou uma coisa enorme, ganhou Grammy, ganhou um monte de coisa. Então foi muito natural que fosse ele a trabalhar junto conosco.

E como estão funcionando essas músicas gravadas de forma inédita pela banda?
Agora é o caminho da volta. Reduzir os arranjos pra fazer ao vivo. Acho que sim, está funcionando, e estão melhores agora do que antes da gente ir para o estúdio. A gente também não fez nada de muito absurdo dentro do estúdio, fez uma coisinha ou outra a mais, nada tão distante do que estamos fazendo no palco. Mas foi um processo novo, sem dúvidas.

As referências do “Quebra-Cabeça” vão da música regional africana até o eletrônico. Como foi juntar tudo isso em um disco?
A referência vem da gente ser um monte de gente, e cada um traz as suas coisas. Mas desde o último disco ninguém chega mais com uma ideia pronta, como era no início. Agora chegamos no máximo com um melodia aqui, uma ideia de levada ali, e a gente vai fazendo tudo junto, com todos no estúdio. Por conta disso as influências pessoais de cada um acabam aparecendo mais. Tem gente da banda que vem mais dos reggaes e do dub, outros são mais da música negra norte-americana, e outros do candomblé. Tem também o fato que nos últimos anos a gente viajou demais para fora do Brasil. Participamos de muitos festivais, conhecemos e tocamos com muitos músicos, e isso também acaba trazendo muitas referências para a gente.

O disco se chama “Quebra-Cabeça” por ser essa reunião de tantas referências?
Vem disso. A gente estava tentando achar essa metáfora. Dizíamos que era uma sopa que você vê os pedaços e não aquela sopa batida que fica uma coisa uniforme. Ela funciona como um prato, mas é possível ver todos os ingredientes. Quem trouxe essa analogia do quebra-cabeças foi o MZK, responsável pela capa do disco. Ele é um cara que está com a gente desde o dia zero da banda e fez todas as nossas capas. Tínhamos uma prévia do disco e mandamos para ele, e ele voltou com essa ideia do quebra-cabeça, que é uma analogia melhor do que a da sopa (risos).

Como está a receptividade do público com esse novo disco?
É engraçado isso. A gente não é uma banda que tem letra nas músicas, e isso geralmente faz mais sentido quando as pessoas cantam junto. Não deveria ser o nosso caso, mas é engraçado que com a gente funciona. A música “Quebra-Cabeça”, que soltamos antes do disco e com um clipe, já tem gente cantarolando a melodia. O que é superdivertido. Mas está sendo uma descoberta coletiva. A gente está vendo como público reage e eles estão recebendo músicas novas. É todo mundo navegando por águas novas juntos.

– Gil Luiz Mendes (https://www.facebook.com/gil.luizmendes), jornalista, viveu boa parte da vida no Recife e hoje mistura a sua loucura com a de São Paulo. Tem passagens pelas rádios Jornal do Commercio, CBN , Central3 e tem textos publicados no IG e na Carta Capital. É skatista e músico quando dá tempo.

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