por Marcelo Costa
“Maradona by Kusturica”, de Emir Kusturica (2008)
O argentino Diego Armando Maradona Franco integra a galeria dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, responsável direto pelo título da Argentina na Copa do Mundo de 1986. Já o sérvio Emir Kusturica é um craque do cinema com duas Palmas de Ouro, de Cannes, na estante (pelos filmes “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios”, de 1985; e “Era Uma Vez um País”, de 1995). O encontro destes dois personagens míticos deveria render um jogão, mas Kusturica tropeça no endeusamento de Maradona e preenche a narrativa com cartuns tolos e chatos além de uma repetição infinita (e muitas vezes recortada) do segundo gol de Maradona (o primeiro havia sido feito de mão) contra a Inglaterra, em 1986, conhecido como o “Gol do Século”, prêmio dado pela Fifa após uma votação em 2002. A rigor, Kusturica segue dois caminhos: em um (o melhor), ele narra a construção do documentário e a aproximação com o mito Maradona; em outro, ele entrevista Diego Armando lançando bolas na pequena área para o craque apenas empurrar para o gol (há, ainda, uma terceira via, a do fã Kusturica, que nem merece ser citada). Sobra dos 90 minutos divertidas sacadas da Igreja Maradoniana, um momento de música ao vivo emocionante e Maradona atacando o capitalismo e louvando Che e Fidel num documentário que serve apenas para Emir declarar seu amor por Diego do que, necessariamente, contar a história do craque. Vale apenas como entretenimento, mas esse é daqueles jogos que resultam num magro empate de dois grandes times que sabem (e podem) jogar muito mais.
Nota: 3
“Dona Helena”, de Dainara Toffoli (2006)
No embalo da recente paixão de Lee Ranaldo, guitarrista do Sonic Youth, pela sonoridade da violeira brasileira Helena Meirelles (em entrevista no Scream & Yell, Ranaldo revela que até comprou uma viola!), importante resgatar este documentário (lançado em DVD) vencedor de melhor filme no Festival Tudo Sobre Mulheres 2006 e no II Festival Feminino da Chapada dos Guimarães-MT, 2006. Em “Dona Helena”, a cineasta Dainara Toffoli conta a história da senhora que, aos 69 anos, em uma de suas serestas com a família, chamou a atenção de seu sobrinho Mário Araújo, também músico, que decidiu gravar uma fita com suas músicas e enviá-la para a revista norte-americana Guitar Player junto a uma icônica palheta. O editor da revista ouviu o som de Dona Helena e, sem pestanejar, a incluiu entre os maiores guitarristas do mundo numa reportagem de 1993. O nome de Helena, então, correu o mundo, e a violeira passou a fazer shows, gravou discos (o de estreia saiu quando Helena tinha 70 anos), mas continuou seguindo uma vida modesta em Presidente Epitácio, 655 km a oeste de São Paulo, perto da fronteira com o Mato Grosso do Sul. Com entrevistas colhidas entre 2002 e 2004 (Helena viria a falecer em 2005), “Dona Helena” exibe um personagem cativante que enfrentou o pai e maridos para fazer o que gostava: tocar viola. Com entrevistas deliciosas com a própria Helena além de familiares, da dama da música caipira Inezita Barroso (primeira a entrevistar Helena na TV) e do editor da revista Guitar Player, Jas Obrecht, este documentário cumpre a função de registrar para posteridade a vida de uma grande mulher.
Nota: 8
“O Processo”, de Maria Augusta Ramos (2018)
Primeiramente, foi golpe. Quase dois anos após o impeachment de Dilma Roussef, tanto defensores da presidenta quanto apoiadores da sua saída sabem que figuraram num golpe político-jurídico cujo intento era tirar do poder não só Dilma, mas um partido que não poderia ser vencido nas urnas, o que para alguns validava a artimanha de arrastar o jogo para o tapetão e ali (com apoio da mídia, com o “STF, com tudo”) conseguir anular a escolha de 54 milhões de eleitores. O que a documentarista Maria Augusta Ramos (cujo currículo traz outros filmes jurídicos como “Justiça”, de 2004, e “Juízo”, de 2008) busca com “O Processo” é dar ao público um pouco mais de material para refletir sobre a condução do impeachment de Dilma Roussef, já que muitos elementos da narrativa não vieram à tona pela grande mídia na época. Dessa forma, “O Processo” é educativo mostrando pontos chave dos caminhos da politica nacional enquanto explora as portas abertas que a diretora teve para acompanhar o desenvolvimento dos argumentos da defesa da presidenta. Há dois grandes momentos de mea-culpa do PT registrado em reuniões internas da cúpula do partido (comandadas por Gleisi Hoffmann) e a perfeita noção de que todo o tramite processual servia apenas a um teatro jurídico cuja decisão já havia sido decidida muito antes do processo começar. Icônico e histórico, “O Processo” só peca por não identificar os personagens presentes na trama. Por outro lado, este melancólico docudrama explica de maneira minuciosa um Brasil que (ainda) quer tirar vantagem em tudo, e cujo senso de justiça, respeito à Constituição e ao próximo são bonitos no papel (ou diante de um microfone na Câmara e no Senado), mas não são seguidos na vida real.
Nota: 9.5
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne