resenhas por Renan Guerra
“Not Alone”, de Jacqueline Monetta e Kiki Goshay (2017)
Após sua melhor amiga se suicidar as 16 anos, Jacqueline Monetta parte em busca de respostas a perguntas dolorosas como “eu poderia ter ajudado?”, “como eu não notei?”, “por que ela não falou comigo?”. Depois de participar de eventos e conversar com médicos e autoridades, Monetta decide ouvir aqueles que passam ou passaram por dores próximas a de sua amiga. Com uma página no Facebook, as diretoras contataram um diverso grupo de adolescentes que lida ou lidou com problemas de saúde mental. Em uma sala branca, com duas cadeiras, os participantes sentam em frente a diretora e contam suas histórias que envolvem depressão, transtornos, automutilação e terapia. Monetta não é uma grande entrevistadora, porém os relatos dos jovens são fascinantes por sua multiplicidade: há desde os casos clássicos de bullying e de violência que resultaram em transtorno de ordem mental até pessoas sem motivos aparentes para desenvolver depressão. Os personagens apresentam suas visões sobre a solidão, a dor da doença, o impacto das redes sociais sobre nossa saúde mental, o escapismo da automutilação e a necessidade de busca de ajuda médica. A mensagem do documentário é bem clara: precisamos mostrar aos adolescentes que eles não estão sozinhos. São rápidos 50 minutos de filme, não há nada de grandioso ou genial na produção, é até bastante simples, porém é um filme que precisa ser visto pelo público-alvo: os adolescentes.
Nota: 6
“Residente”, de Réne Pérez (2017)
Réne Pérez, a.k.a. Residente, o vocalista da banda Calle 13, realiza um exame de DNA que apresenta as suas raízes sanguíneas, e, a partir disso, o artista decide visitar cada uma das regiões mencionadas no resultado. Essa jornada em busca de seus ancestrais é o ponto de partida para a produção de seu primeiro disco solo e deste documentário, ambos intitulados “Residente”. Com narração em primeira pessoa, o filme busca a todo o momento uma reflexão global a partir da experiência íntima e pessoal de Residente, apresentando os conflitos políticos e sociais de cada região por qual passa, porém sempre buscando apresentar o caráter mais humano dos locais, numa tentativa de mostrar que não somos diferentes daquelas pessoas. Apresentando detalhes da gravação do disco (que conta com músicos locais e desconhecidos do grande público) e pequenos videoclipes, a perspectiva musical é quase um segundo plano do filme, já que o mais interessante é o olhar político de Residente perante tudo que o cerca. As explicações históricas e políticas de cada região soam um tanto rasas, é claro, mas mesmo assim, não menos contundentes: acompanhar Residente em uma antiga escola que foi bombardeada e vitimou mais de 100 crianças é barra pesada; ver as crianças falando com tanta naturalidade sobre a guerra e as perdas também. O interessante é que “Residente” funciona como um complemento para o ótimo disco lançado em 2017, porém também se comunica com um público que pode desconhecer o trabalho de Réne ou do Calle 13, já que o mais importante do filme é a jornada sobre o humano. Atenção: o filme exibe cenas de caça, sacrifício de animais em rituais e rinhas de galo, por isso não é recomendo para quem é sensível a esse tipo de imagem.
Nota: 7
“One of Us”, de Heidi Ewing, Rachel Grady (2017)
Diretoras do excelente “Jesus Camp” (indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2007), Heidi Ewing e Rachel Grady voltam a mexer em um vespeiro religioso nesse “One of Us”, uma produção original da Netflix. O filme acompanha a história de três judeus hassídicos do Brooklyn, em Nova York, que buscam liberdade individual em meio a uma comunidade bastante fechada. Os judeus hassídicos formam um movimento bem específico dentro do judaísmo ortodoxo, que vive sob regras bastante rígidas e com um senso de comunidade bastante definido. “One of Us” acompanha Etty, uma mãe que busca separar-se do marido e não mais seguir as regras restritas dos hassídicos; Ari, um adolescente com histórico de abuso que questiona a existência de Deus; e Luzer, um ator que vive entre Nova York e Los Angeles tentando sobreviver afastado de sua família. Com uma trama intrincada e complexa, o documentário consegue apresentar um panorama importante sobre a vida desses personagens, que buscam nada além de sua própria liberdade em meio a uma comunidade culturalmente complexa. Com a dor histórica do Holocausto em suas costas, a comunidade hassídica do Brooklyn criou seu próprio código de conduta: eles falam iídiche, frequentam escolas próprias, têm suas ambulâncias e vivem num universo à parte, sem contato com a produção cultural secular. Ao decidirem por abandonar esses códigos, os três personagens sofrem com a solidão, o afastamento dos próprios familiares e com a dificuldade de viver num mundo sobre o qual eles pouco sabem (a formação educacional dos hassídicos é bastante rasa, portanto ao sair da comunidade eles não conseguem inserir-se no mercado de trabalho, por exemplo). “One of Us” é um filme doloroso de se assistir, mas consegue captar de forma bastante interessante esse choque cultural entre religião, estado e liberdade e, acima de tudo, mostra a necessidade de se debater de forma séria a liberdade religiosa na modernidade.
Nota: 8,5
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014.