por Herbert Moura
“Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas”, de Philip K. Dick (Editora Aleph)
Lançado originalmente em 1968 e fonte de inspiração para “Blade Runner”, o filme clássico de Ridley Scott e sua merecedora sequência de Denis Villeneuveque, “Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas” consegue criar e desenvolver uma atmosfera ainda mais sombria e perturbadora do que seria esperado por quem assistiu as adaptações para o cinema. Esta nova edição da Aleph, comemorativa de 50 anos, conta com capa dura, 10 ilustrações exclusivas (incluindo uma do lendário Dave McKean) e dois ensaios inéditos, com o principal deles sendo uma excelente análise dos diversos mundos distópicos criados pelo autor no decorrer da sua prolífica carreira. O texto original (traduzido por Ronaldo Bressane) não sofreu alteração e ainda representa um dos maiores exemplos da literatura de ficção científica. No mundo de Rick Deckard, a terra se tornou um lugar inóspito e a grande maioria dos animais foi substituída por equivalentes elétricos que as pessoas mantêm como bichos de estimação até conseguirem comprar um dos caríssimos exemplares reais. Deckard tem uma ovelha elétrica e se conseguir “aposentar” seis androides fugitivos, finalmente terá o dinheiro necessário para realizar seu sonho de comprar uma verdadeira. Sua jornada serve como ponto de partida para que o autor discorra de maneira eloquente sobre inúmeras questões profundas relacionadas a diversos tópicos relacionados à natureza humana, especialmente a questão do avanço da tecnologia, o papel das emoções no comportamento e o que realmente significa ser humano. É impressionante ver como a ideia principal do livro existe há mais de 50 anos e está tão inserida hoje em dia na cultura a ponto de inspirar os mais diversos tópicos com a ideia de criar um replicante perfeito. Trata-se de um clássico com um olhar único que provavelmente se manterá atual independentemente do avanço da tecnologia e que enriquecerá a experiência de qualquer leitor.
Nota: 9,5 (leia um trecho)
“Mitologia Nórdica”, de Neil Gaiman (Editora Intrínseca)
Recriação dos principais mitos nórdicos da invenção do mundo até o Ragnarök (uma série de eventos futuros, incluindo uma grande batalha que resultaria na morte de diversos deuses, incluindo Odin, Thor e Loki) com o estilo peculiar do Gaiman, que se utiliza de uma série de histórias curtas para transformar e reinventar as histórias clássicas da mitologia escandinava com personagens complexos repletos de charme e um humor característico. Como cada capítulo é uma história e algumas são tão curtas quanto uma ou duas páginas, é possível ler tudo rapidamente e até mesmo contar algumas delas para amigos durante uma mesa de bar ou outro tipo de encontro. Da mesma maneira que o autor já havia demonstrado no best-seller e agora série da Amazon Prime, “Deuses Americanos“, ele possui um entendimento profundo sobre a relação da humanidade com seus diversos deuses e como o papel mais importante destas histórias é revelar ou explicar algum aspecto do mundo real ou dos diversos tipos de relacionamentos humanos – e esta compreensão transparece no decorrer das páginas do livro e das aventuras dos personagens, especialmente a dupla Thor e Loki. O próprio Gaiman sabe da boa relação dos brasileiros com a mitologia nórdica e qualquer fã da série Vikings vai aproveitar ainda mais o livro, já que ele contêm praticamente todas as histórias que inspiraram os agouros e revelações da série. Para quem entende inglês, há uma versão Audible narrada pelo próprio autor que faz com que você sinta que ele está repassando os contos na melhor tradição oral dos antigos nórdicos. Definitivamente um prato cheio para qualquer interessado e absolutamente recomendado.
Nota: 8,5 (leia um trecho)
“História da Sua Vida e Outros Contos”, de Ted Chiang (Editora Intrínseca)
Lançado em 2016, este volume reúne, pela primeira vez, alguns dos principais contos publicados pelo autor – ficaram de fora apenas “The Merchant and the Alchemist’s Gate”, “The Lifecycle of Software Objects” e “The Truth of Fact, the Truth of Feeling”. Todas as histórias possuem um olhar ao mesmo tempo racional e emocional, com mundos magistralmente criados e embasados em hipóteses científicas completamente plausíveis e logicamente consistentes. Os destaques ficam por conta de “Divisão por Zero”, que mostra como uma mudança no entendimento de algo pode ser devastadora e responsável pelo fim de um relacionamento; “Entenda”, que é basicamente uma versão de “Sem Limites” com um Bradley Cooper que vai ainda mais fundo no desenvolvimento de uma superinteligência e na imaginação de como ela realmente funcionaria; e “História da sua Vida”, que serviu de inspiração para o filme “A Chegada” e consegue ser ainda mais incrível e emocionante ao demonstrar o domínio da língua pelo autor utilizando tempos verbais que parecem errados numa primeira vista para indicar a mudança da percepção de tempo. Um dos outros contos, “Gostando do Que Vê: Um Documentário”, sobre uma tecnologia que impede o reconhecimento da face das outras pessoas e as implicações que isto teria nas relações humanas, é outro ponto alto do livro e atualmente está sendo adaptado para uma série pela AMC. O autor Ted Chiang definitivamente é um dos grandes nomes da ficção científica da nova geração de escritores do século XXI e todos os seus livros e histórias curtas merecem ser lidos. O único ponto negativo é que toda sua obra ainda foca em narrativas menores e seria interessante ver o que ele faria e até onde iria com um romance completo.
Nota: 9 (leia um trecho)
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