por Marcelo Costa
50 anos de carreira, 72 anos de vida, e Gal Costa segue na estrada com um pique empolgante, jovem e apaixonada pelo palco. Em 2017 ela circulou pelo país com três shows diferentes: “Trinca de Ases” (com Gilberto Gil e Nando Reis), “Espelho d’água” (voz e violão, em que surge acompanhada por Guilherme Monteiro) e “Estratosférica ao Vivo”, que está ganhando agora um registro oficial, via Biscoito Fino, em CD e DVD. Ela comemora: “Gostei muito do resultado da gravação, da qualidade sonora”, conta.
“Estratosférica ao Vivo” estreou no Teatro Castro Alves, em Salvador, em setembro de 2015, e a gravação do álbum ao vivo aconteceu quase dois anos depois, em junho de 2017, na Casa Natura Musical, em São Paulo. Acompanhada por Guilherme Monteiro (guitarra e violão), Fabio Sá (baixo), Mauricio Fleury (teclados e guitarra) e Pupillo (bateria e programações), Gal retornou aos anos 60, “quando eu cantava rock and roll e 100% do meu público era jovem”, explica. O resultado é um dos melhores discos ao vivo de sua carreira.
Atendendo a um convite da Deezer Brasil, Gal conversou via Facebook Live com fãs e com o Scream & Yell, que participou do chat, conduzido por Yasmin Muller, e depois reservadamente. No bate papo ela repassa uma carreira construída por rupturas de um álbum para outro (“Não vou dizer que não é sofrido, porque é sofrido, mas traz vitalidade, frescor e renovação”), diz que ainda sente tesão pelo palco (“E sinto frio na barriga em alguns momentos”), fala de Luiz Melodia e revela que já está gravando disco novo. Confira.
Numa entrevista anterior publicada aqui no Scream & Yell sobre o lançamento do álbum “Estratosférica”, você conta que começou a notar a aproximação do público mais jovem, que curtia os tropicalistas, já a partir do “Recanto” (2011), e agora você está lançando um disco ao vivo com os dois pés no rock. Como o seu público mais antigo está reagindo a essa fase jovial?
Ao longo da minha carreira, e lá se vão 50 anos, tive muitos momentos em que aconteceram mudanças radicais. No começo eu era (e sou) uma cantora muito influenciada pelo estilo joãogilbertiano de cantar, e por ele, especificamente. Dali pulei para me engajar no Tropicalismo e fiz “Divino Maravilhoso” (1969), que para mim foi um salto fenomenal, estratosférico, era meio rock aquele arranjo. No Tropicalismo, comecei a fazer canções no estilo experimental, eletrônico, rock and roll, e meu público era todo jovem. Quando Caetano e Gil (foram exilados), fiquei segurando a onda do Tropicalismo, o que foi uma trama do universo. Eu não tinha pensado nessa possibilidade, não foi proposital. Quando eles voltaram (do exílio), Caetano produziu o “Cantar” (1974), que é um disco radicalmente diferente de tudo aquilo que eu vinha fazendo. João Donato, que tinha acabado de chegar dos Estados Unidos, participa desse disco (tocando em 4 das 11 faixas – Gil toca violão em “Barato Total”), que é lindo, mas na época não foi bem recebido, porque foi uma quebra total (com o que eu vinha fazendo) com meu público. Depois de “Cantar” tive que recomeçar a minha carreira. Veio o disco “Gal Canta Caymmi” (1976) e eu entrei numa fase mais pop. Outra mudança radical aconteceu com o “Gal Tropical” (1979), um pouco antes eu ainda era meio hippie, e o (empresário) Guilherme Araújo teve a ideia de fazer esse show. Nós montamos o repertório e ele pensou naquele figurino, desenhado pelo Guilherme Guimarães, que era um costureiro da high-society carioca – ele fez duas roupas lindas para mim, uma para cada ato do show. Foi um grande sucesso e também uma mudança radical. Fiquei um ano e dois meses em cartaz num teatro do Rio de Janeiro com o show “Gal Tropical”, depois vim a São Paulo e viajei o Brasil inteiro e o exterior. Depois… vamos lembrar do “Recanto” (2011), que é um disco mais recente, mas que foi uma ruptura também. “Recanto” é um disco muito fechado, mas muito bonito e totalmente coerente com a minha história. Eu vivo disso, dessas rupturas, e é bom. Sim, é muito difícil, não vou dizer que não é sofrido, porque é sofrido, mas traz vitalidade, frescor e renovação. A minha carreira é pautada por essas mudanças. Quem me conhece, quem segue o meu trabalho desde o início, sabe que essas coisas acontecem. Então quem gosta de mim, vai acompanhar. Quem não gosta… Por exemplo, “Festa do Interior”, que foi um estouro imenso no Brasil inteiro que até o mecânico daquela cidadezinha minúscula lá no interior cantava, esse público é aquele que o sucesso popular pega, mas o público fiel me acompanha e entende isso.
Como foi passar essas canções do disco para o ao vivo?
Foi simples. Como a gente tocou muito, fez muito show, as canções foram amadurecendo, tomando forma e até se modificando um pouquinho. Quando a gente gravou o “Estratosférica” (2015), todo mundo estava muito seguro (dos arranjos), então foi fácil (passar isso para o palco). É claro que no palco sempre há mais energia, mais força, não só os músicos como eu também, a minha performance. Ao vivo tem mais raça. Esse disco tem uma atmosfera rock’n roll. Acho que é o disco mais bem gravado que tenho na minha história, no meu trabalho. Estou muito feliz com o resultado.
Como é o tesão de subir ao palco ainda hoje?
É igual!
Você curte todo o ritual do show?
Curto e curto com mais maturidade, tranquilidade, embora ainda tenha frio na barriga em alguns momentos. Fazer show é um prazer. Graças a Deus eu trabalho. O trabalho é a melhor coisa que pode acontecer para qualquer pessoa, qualquer tipo de trabalho. Outro dia estava pensando que se não trabalhasse, talvez estivesse deprimida ou me sentindo velha, e não estou: eu tenho uma alma jovem, meu espirito é jovem e não acompanha a minha idade cronológica. Eu canto para jovens… como eu (sorriso). Trabalhar para mim é algo precioso. Todo ser-humano tem que dar valor ao que faz, tudo, você tem que dar importância, fazer aquilo como se fosse uma dádiva, uma oração, um presente. É bom trabalhar.
“Estratosférica ao Vivo” traz três canções que você nunca havia gravado oficialmente: “Cartão Postal”, da Rita Lee com Paulo Coelho, “Os Alquimistas Estão Chegando”, do Jorge Benjor, e a inédita “Por Um Fio”, do Marcelo Camelo…
Eu nunca tinha gravado nada do Paulo Coelho, mas gosto muito das coisas dele com Raul Seixas…
Nunca pensou em gravar alguma coisa do Raul?
Até já pensei. Gosto dele, quem sabe cantarei no próximo disco alguma coisa do Raul (suspense)… Já “Os Alquimistas Estão Chegando” tem muito a ver comigo, com o que penso. O Marcus Preto me lembrou dessa canção e topei na hora. Adoro o Jorge Benjor. Essa música tem tudo a ver com o que penso a respeito da espiritualidade e do misticismo. “Por Um Fio”… acho que o Marcelo (Camelo) fez pra mim junto com “Espelho d’Água”, mas acabei me encantando com a segunda e gravei-a no “Estratosférica”. No entanto foi bom porque tive a oportunidade de estrear “Por Um Fio” no show (e agora no DVD).
No “Estratosférica ao Vivo” você interpreta vários clássicos da música brasileira, entre eles, “Pérola Negra”, do Luiz Melodia, que nos deixou recentemente. Você foi a primeira a gravar essa canção, no “Fa-Tal / Gal a Todo Vapor” (1971), antes mesmo dele. Gostaria que você falasse um pouco sobre o Luiz Melodia…
Senti muito a morte dele porque além dele ser um grande compositor, cantor e showman, ele tinha uma presença de palco maravilhosa, eu gostava muito dele. Eu tinha uma coisa… um chamego, um apego, um carinho, um amor por ele muito grande. Tenho muito orgulho de ter lançado “Pérola Negra” e de ter gravado outras canções do Luiz Melodia. Ele sempre foi um querido, amado mesmo.
Como é a sua conexão com os músicos da banda e essa sensação de estar lançando um de seus melhores discos ao vivo?
A minha conexão com os músicos é total. Gosto de participar, de dar ideias nos arranjos, às vezes falo alguma coisa musical e eles traduzem, entendem. Tenho total harmonia com a banda e só sei trabalhar assim: em harmonia. Sinto-me muito feliz porque, pessoalmente, gostei muito do resultado da gravação e as pessoas também estão gostando. Achei que o som está muito bem feito, bem gravado, com uma qualidade sonora perfeita e isso é importante. Valeu a pena registrar. Alguns shows meus não foram registrados e lamento não ter feito registro.
No release para a imprensa, Caetano escreve: “O show ‘Estratosférica’ é um acontecimento que enche a alma. Vim da Bahia com Bethânia, Gal e Gil na cabeça e no coração, como promessas de transformação nacional. Se eles estão mostrando forças e nenhum sinal de desistência, concluo que o Brasil é viável”. Você acredita que, hoje, o Brasil é viável?
Acho que o Brasil está (vivendo um momento) muito difícil, mas ainda o acho viável. Tudo é viável! E é viável na medida em que as pessoas se empenhem e tenham consciência de que tem que melhorar. Quero ser otimista. Não podemos perder a esperança nem o tesão de fazer as coisas, de modificar as coisas.
Você já está gravando seu novo disco de inéditas…
Não posso falar muito sobre… mas esse disco novo já tem toda uma ideia estética musical desenvolvida. Já tenho todas as bases prontas, nas minhas tonalidades. Quem está produzindo é Pupillo com Marcus Preto e em janeiro devo colocar vozes. Não tem nome ainda, mas vamos conversar com a Biscoito Fino para ver quando irá ser lançado.
Marcus Preto e Pupillo: podemos esperar uma continuação do “Estratosférica”?
Não posso falar nada (risos), mas não é um “Estratosférica 2” (mais risos). Aguarde.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre é uma reprodução do Twitter oficial de Gal Costa.
Leia também:
– Gal Costa (2013): “O público jovem já anda ouvindo meus discos dos anos 60? (aqui)
– Gal Costa (2015): “Queria um disco arrojado, que tivesse uma estranheza nos arranjos” (aqui)
– “Live in London, 1971”, de Gilberto Gil e Gal Costa, é um álbum histórico (aqui)