por Marcelo Costa
Abrindo mais uma sequencia de cinco cervejarias com duas cervejas de cada uma pelo Paraná, estado brasileiro que abriga a elogiadíssima Way Beer, que marca presença aqui com a Sour Jabutigose, colaborativa da casa com as cervejarias Dum e Dogma que recebe adição de Sal Marinho (de Mossoró) e também de Jabuticaba. De coloração avermelhada com creme branco de boa formação e rápida dispersão, a Jabutigose exibe um aroma interessante com jabuticaba, frutas vermelhas e sal marinho intensos se destacando em meio a uma percepção láctica estranha que remete a plástico. Na boca, menos jabuticaba e mais salgado no primeiro toque, sensação que parece se equilibrar na sequencia. A textura é frisante. Daí pra frente, um bom conjunto que permanece sugerindo frutas vermelhas, jabuticaba e salgado. No fim, acidez e sal e jabuticaba, percepções que retornam no retrogosto junto a leve adstringência.
A segunda da Way é a Coffee Brown Ale, uma cerveja que foi produzida com o café orgânico e paranaense Fuc (Franck’s Ultra Coffee) que descansou (ainda verde e não torrado) em barricas de segundo uso de carvalho antes usados para fermentar cachaça. Na taça, uma cerveja de coloração marrom translucida com creme bege claro de boa formação e permanência, a Way Coffee Brown Ale exibe um aroma maravilhoso e contagiante de… café. Há, de maneira sútil, percepção de caramelo. Na boca, café no primeiro toque e caramelo logo na sequencia, com mais intensidade do que se percebe no aroma. A textura é suave e o amargor é baixo, com valorização do malte e do café (ainda que madeira e, principalmente, cachaça passem batido). Dai pra frente um conjunto bastante agradável com café verde e caramelo dominando. O final é suave enquanto o retrogosto reforça a ideia de café verde. Gostei.
Ainda no Paraná com duas cervejas da Bier Hoff: a primeira é a Juicy IPA da casa, uma cerveja de coloração alaranjada com creme bege clarinho quase branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, doçura de malte intensa oferecendo muito caramelo que descaracteriza o estilo New England (que o Juicy IPA do nome tenta “aproximar”) deixando o frutado cítrico em segundo plano com traços discretos de manga, casca de laranja e grapefruit. Na boca, primeiro toque reforça a pegada caramelada da receita, com cítrico aparecendo na sequencia um pouco mais intenso do que no aroma. A textura é suave, quase sedosa, quase DIPA. O amargor sujo e levemente resinoso soa maior do que os 48 IBUs adiantam (outro traço fora do estilo) e abre as portas para um conjunto bastante caramelado e levemente cítrico e resinoso. O final é doce, cítrico e amarguinho. No retrogosto, um balde de caramelo, resina suave e cítrico. Ok.
A segunda da Bier Hoff é uma releitura lupulada de um dos hits da casa, a Jerimoon, uma boa opção de Pumpkin Ale nacional que representa muito bem o estilo, mas que aqui recebe doses extras de lúpulo. O resultado é uma cerveja de coloração ambar alaranjada com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, a lupulagem domina o conjunto sugerindo frutas cítricas (maracujá e laranja) sobre uma base caramelada de malte. A abóbora, porém, desapareceu. Na boca, percepção de frutado cítrico embalado em caramelo compõe não só o primeiro toque, mas o que o bebedor perceberá na sequencia. A textura é suave, caramelada, e o amargor é médio, abrindo as portas para um conjunto que, por fim, acaba soando muito mais lupulado do que Pumpkin. O final é amarguinho e cítrico. No retrogosto, mais amargor, mais cítrico e mais IPA, e quase nada de Pumpkin. Define.
De Curitiba para Belo Horizonte com uma receita limitada da Wäls, que já havia produzido cervejas para o Pão de Açúcar (65 anos), para o Sushi Leblon, um trio especial para o Inhotim, uma para a Casa Santa Luzia e a série especial para o Empório Alto de Pinheiros (Wäls EAP), entre outros. Essa ICI 03 é a terceira cerveja exclusiva do restaurante paulistano ICI Brasserie (as duas anteriores são da Colorado – a ICI 01 já passou por aqui) e é uma Fruit Beer que recebe adição de suco de amora. Na taça, uma cerveja de coloração avermelhada e turva exibe um creme branco de boa formação e longa retenção. No nariz, aroma frutado com percepção de frutas vermelhas e leve trigo. Na boca, frutado dominante no primeiro toque sugerindo amora com acidez suave (e bem agradável) na sequencia. A textura é suave e levemente frisante. Há quase nada de amargor, mas um tiquinho de acidez numa cerveja que finaliza mais aconchegante do que acética. No retrogosto, acidez suave, leve adstringência e amora. Boa.
Novo lançamento da mineira a Wäls, a Evita é uma Bière Brut produzida pelo método Charmat, modelo derivado do Champenoise, com uma segunda fermentação do líquido em tanque. Os lúpulos são norte-americanos e a levedura é belga. De bonita coloração amarela translucida com creme branco de belíssima formação e média alta retenção, a Wäls Evita exibe no nariz notas extremamente suaves (e deliciosas) que sugerem frutas cítricas (lichia em primeiro plano com uva verde presente), doçura caramelada (mel) além de percepção de acidez. Na boca, um balde delicioso de lichia seguido por doçura acentuada (mas não a ponto de enjoar) e nada que entregue os 8% de teor alcoólico. A textura é suave com percepção de acidez e o amargor é inexistente (8 IBUs). Dai pra frente surge uma cerveja bem interessante com alto potencial de harmonização. O final é leve e frutado. No retrogosto, lichia, lichia e mel. E leve acidez. Adorei.
De Belo Horizonte para Lauro Muller, cidade catarinense de 14 mil habitantes a cerca de uma hora de Criciúma e quase três da capital Florianópolis que abriga a Lohn Bier, que após marcar presença por aqui com a ótima linha Catharina Sour chega agora com as duas versões de sua elogiada Carvoeira, uma Russian Imperial Stout que recebe adição de funghi secchi, cumarú e candy sugar além de lúpulo Challenger. O resultado é uma cerveja de coloração marrom quase preta com creme bege de excelente formação e longuíssima retenção. No nariz, baunilha, café, torra, tosta, álcool (9.5%) perceptível e uma aproximação com licor de chocolate. Na boca, doçura achocolatada deliciosa no primeiro toque acompanhada de leve amargor e seguida de suave picância alcoólica com presença marcante de torra sugerindo defumado e cinzeiro. A textura é sedosa e o amargor, potente, ainda que envolvido pela torra e pelo álcool. O final é chocolate amargo incrível com álcool. Já o retrogost0, mais torra, chocolate amargo e álcool. Uou! Palmas!
Além da adição de funghi secchi, cumarú e candy sugar e da utilização do lúpulo Challenger, a Lohn Bier Carvoeira é produzida com seis maltes, três ingredientes não malteados e levedura inglesa. Além da versão tradicional há a Lohn Bier Carvoeira Wood Aged, que é maturada em barris de amburana. Repetindo a visão da versão tradicional, a Carvoeira Wood Aged exibe coloração marrom quase preta com creme bege de excelente formação e longa retenção. No nariz, porém, a amburana surge para equilibrar os destaques da versão tradicional, colocando quase todas as percepções (baunilha, café, chocolate amargo, álcool, torra e madeira) em pé de igualdade e suavizando a paleta aromática. Na boca, o que o aroma adianta se realiza, com um perfil mais domado oferecendo chocolate amargo, torra, café e madeira no primeiro toque, seguido de leve percepção alcoólica e defumado suave na sequencia. A textura segue sedosa e o amargor (60 IBUs) permanece impactado pela torra e pelo álcool num conjunto mais equilibrado e menos arisco do que na versão tradicional (tendo mais ao café do que ao chocolate amargo). O final é café com leve baunilha e álcool. No retrogosto, mais café, baunilha, leve madeira e álcool. Palmas novamente.
Fechando este quinteto de cervejarias nacionais com a cada vez melhor Tupiniquim, de Porto Alegre, aqui presente primeiramente com a Coconut Super Porter, uma Robust Porter lançada em julho de 2017 que recebe adição de extrato de coco queimado. De coloração marrom bem escura, quase preta, com creme bege escuro de boa formação e média retenção, a Tupiniquim Coconut Super Porter exibe um aroma com total predomínio do coco queimado, ainda que se possa perceber derivados da torra (café principalmente) de forma sútil na retaguarda. Na boca, doçura achocolatada com coco suave no primeiro toque, que se abre de forma intensa com coco queimado na sequencia. A textura é cremosa e amargor de 40 IBUs não é nada amargo. Dai pra frente um baita conjunto com coco queimado dominando, mas a sugestão de café dá um colorido especial e até baunilha marcando presença. No final, coco queimado, baunilha e café, percepção que se estende até o retrogosto, caprichado. Baita cerveja.
Encerrando a série com mais uma variação da linha Russian Imperial Stout da Tupiniquim, que conta com as excelentes Mandala, Manjar Negro e Pecan mais as boas Espresso e Malagueta. A sexta receita da série leva o nome de Manjar dos Deuses e é uma Russian Imperial Stout com coco queimado. De coloração marrom bastante escura praticamente preta com creme bege espesso de ótima formação, e média alta retenção, a Tupiniquim Manjar dos Deuses exibe um aroma com predomínio de coco queimado, mas também bastante perceptível sugestões de café e leve chocolate. Na boca, doçura de baunilha rápida no primeiro toque seguida de forte presença de coco queimado e logo depois 12% de álcool. A textura é macia e sedosa enquanto o amargor é equilibrado com a doçura intensa do conjunto, que não chega a enjoar, mas deve combinar maravilhosamente com sobremesas. O final é quente, achocolatado e com coco. No retrogosto, mais coco queimado, chocolate, café e calor alcoólico. Excelente.
Balanço
Abrindo a série com mais uma Sour com Jabuticaba, desta vez da Way (em parceria com Dum e Dogma), que consegue colocar mais percepção de fruta do que a Lohn Bier coloca em sua Catharina Sour Jabuticaba, mas o conjunto da Lohn é melhor. Acho que eu nunca falei por aqui, mas Red Ale e Brown Ale são estilos que não me impressionam. Por isso a boa surpresa com a Way Coffee Brown Ale, com bastante café verde na receita dando personalidade ao conjunto. Curti. Já a BierHoff Juicy IPA é uma boa American IPA, mas não tem nada de Juicy, o que torna este lançamento um equivoco. Já a Bier Hoff Jerimoon Pumpkin IPA é um equivoco diferente: há tanto lúpulo na receita que a característica Pumpkin foi pro espaço. Outro tropeço, mas a cerveja final é boa. A Wäls ICI 03 é uma Fruit Beer interessante, que combina amora, trigo e acidez de maneira envolvente. Já a Wäls Evita é uma bela surpresa, uma Bière Brut de bom custo / beneficio oferecendo um balde de lichia no aroma e no sabor. Deliciosa. Agora em Santa Catarina, primeiro com a versão tradicional da Lohn Bier Carvoeira, uma Russian Imperial Stout que consegue sair da casinha acrescentado funghi secchi, cumarú e candy sugar e alcançando um resultado sensacional. Já a Lohn Bier Carvoeira Wood Aged me soou excessivamente comportada, limando as arestas deliciosas da versão tradicional. Tão boa quanto, mas se eu tivesse que escolher entre as duas, ficaria com a tradicional. Partindo agora para a última cervejaria, a Tupiniquim, que mantém o alto nível de suas últimas receitas com esta ótima Robust Porter chamada Coconut Super Porter, uma delicia que sugere coco queimado, café e baunilha. Fechando a série com mais uma RIS de alto nível da Tupiniquim, Manjar dos Deuses, com coco queimado se destacando no conjunto. Excelente.
Way Jabutigose
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3.5%
– Nota: 3,32/5
Way Coffee Brown Ale
– Produto: Brown Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3,36/5
Bier Hoff Juicy IPA
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,15/5
Bier Hoff Jerimoon Pumpkin IPA
– Produto: Pumpkin Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,22/5
Wäls ICI 03
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.1%
– Nota: 3,33/5
Wäls Evita
– Produto: Bière Brut
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,83/5
Lohn Bier Carvoeira
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9.5%
– Nota: 3,99/5
Lohn Bier Carvoeira Wood Aged
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9.5%
– Nota: 3,98/5
Tupiniquim Coconut Super Porter
– Produto: Robust Porter
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,81/5
Tupiniquim Manjar dos Deuses
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 12%
– Nota: 4,00/5
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