entrevista por Marcelo Costa
A primeira vez que ouvi falar de Mickey Junkies foi em 1993, numa letra do DeFalla, a clássica “Caminha Q Aqui é de Osasco”, em que a banda de Rodrigo Carneiro (crooner), Érico Birds (guitarra), André Satoshi (baixo) e Ricardo Mix (bateria) é citada pelo vocalista Edu K ao lado de Dunkeyass, Gringo, Mariana, Chininha, Edu Gnomo e outros personagens da fauna local de Osasco. Formada em 1990, com uma demo produzida por Edson X (Gueto) que foi elogiada por Dave Grohl e, depois, um contrato com uma gravadora, a Paradoxx, que rendeu o álbum “Stoned” (1995), o Mickey Junkies tinha uma estrada aberta à frente para caminhar no combalido cenário do rock no Brasil nos anos 90, mas a banda decidiu dar um tempo em 1997.
“De 1991 a 1997, nós vivemos intensamente alguns dos clichês do rock’n’roll”, relembra o vocalista Rodrigo Carneiro. “Éramos garotos selvagens e, lá pelas tantas, a dinâmica interna estava abalada. Na primeira temporada, a banda acabou por conta de um certo cansaço, uma leve egolatria e muita intransigência juvenil”, ele resume, definindo a história da banda (e a própria vida) como uma série conduzida por um roteirista louco. Nesse contexto, 10 anos após se separar em 1997, o Mickey Junkies voltou a se reunir e, quase 10 anos depois, em 2016, chegam ao o segundo álbum “Since You’ve Been Gone”, que segundo Carneiro é o refinamento do “nosso tradicional rock pauleira romântico”.
Uma das bandas que inspirou “Time Will Burn” (2016), documentário que cumpre com louvor a tarefa de mapear a cena de guitar bands que fez barulho no underground nacional dos anos 90, o Mickey Junkies está de volta com força total: “Since You’ve Been Gone” ganhou edição em CD e está presente nos principais portais de streamings, e o quarteto de Osasco segue oferecendo ao vivo apaixonadamente suas obsessões (“soul music, heavy metal, punk, blues etc”, segundo Rodrigo). “Apresentações ao vivo sempre foram o nosso lance. Espero que os curadores, organizadores, palpiteiros e financiadores de festivais entendam isso. E nos acolham em seus eventos”, avisa Rodrigo Carneiro num poético bate papo por e-mail. Confira.
21 anos após o primeiro disco vocês apresentam o segundo, “Since You’ve Been Gone”. Como é para vocês a conexão de sonoridades entre esses dois álbuns? Mudou o mundo? Ou vocês mudaram?
Mudou o mundo. E mudamos nós. Tudo muitíssimo. Porém, as dores e as delícias do amor, aquilo que Domingos Oliveira chamou de “o efeito colateral do sexo”, seguem inalteradas. Assim como as nossas obsessões (soul music, heavy metal, punk, blues etc). Há uma relação bastante amistosa entre os dois álbuns. É como se tivéssemos partido do exato momento em que concluímos o álbum de 1995. Isso com recursos artísticos maiores, experiências de vida e coisa e tal. Penso que refinamos o nosso tradicional rock pauleira romântico.
Vocês voltaram em 2007, certo? De quanto tempo foi o hiato? Por que parar? Por que voltar?
Estamos, neste ano de graça de 2017, a celebrar os 10 anos da segunda temporada dos Mickey Junkies – afinal, a vida é um seriado e os roteiristas são muito loucos (risos). De 1991 a 1997, nós vivemos intensamente alguns dos clichês do rock’n’roll. Éramos garotos selvagens e, lá pelas tantas, a dinâmica interna estava abalada. Na primeira temporada, a banda acabou por conta de um certo cansaço, uma leve egolatria e muita intransigência juvenil. Mas, como diria Itamar Assumpção, “na música, a pausa é importante”. A volta se deu pela confluência de fatores. Durante os 10 anos de recesso, o único que eu via com regularidade era o baixista, o maestro André Satoshi. E, curiosamente, nas situações mais improváveis, alguém me lembrava de um show, de uma audição, de algum impacto causado pela banda (manifestações de apreço de terceiros que aconteciam com os rapazes também; o que é uma dádiva, um troço muito comovente). No início de 2007, o baterista Ricardo Mix, o messias, estava em turnê pelo Japão e, do outro lado do mundo, fez com que eu e o guitarrista Érico Birds nos reaproximássemos, isso via e-mail. Em paralelo, o selo midsummer madness pretendia fazer uma reedição virtual do “Stoned” – que foi feita, acrescida de bônus tracks inéditos. Começamos a nos falar para tratar das questões burocráticas para a reedição. Mas um episódio foi determinante: no coquetel de lançamento do livro tributo “Zappa – Detritos Cósmicos”, do amigo e guru Fabio Massari, onde eu assino um dos textos, os Mickey Junkies foram em peso (aliás, o meu escrito pode ser entendido como um aceno inconfesso ao Birds, posto que ele é, depois do Massari, o sujeito mais zappamaníaco que eu conheço. Foi quem me guiou, de fato, pelo universo do Frank Zappa). Depois dos contatos cautelosos por e-mail dos quais falei, nos vimos pessoalmente naquela unidade da Livraria da Vila, em meio às taças de espumante e canapés. Foi uma baita demonstração de afeto da parte deles. Os presentes ao lançamento – que sabiam do nosso draminha roqueiro – também sacaram isso. Houve uma pequena comoção ali. Semanas após o reencontro, com as declarações de amor mútuo devidamente feitas, estávamos em uma sala de ensaio como se nada tivesse acontecido. Para o show de retorno foi um pulo.
Que demais! Bom, nos anos 90 havia uma cena (ou ao menos a gente imaginava que existia), e hoje parecem que existem dezenas de cenas. Como era ter uma banda nos anos 90 e como é para vocês ter uma banda hoje?
Exato. São mesmo dezenas de cenas. Todo mundo, parafraseando o La Carne, desconhecendo o rumo, mas indo (risos). Pra nós, ter uma banda lá nos anos 1990 era atividade lúdica em plena Idade Média. Hoje, é atividade lúdica aplicada à era da pós-verdade. Nossa contraposição à Babilônia. Irie!
“Since You’ve Been Gone” reúne canções novas e antigas (inclusive “Stoned”, que deu nome ao primeiro disco). Como rolaram as gravações? Como foi decidido o caminho que vocês queriam apresentar com este álbum?
“Stoned” surgiu quando o primeiro disco já tinha sido gravado, ou um pouquinho antes. A gente gosta dela. É um retrato de época que funciona bem ao vivo. O período de gravação foi ótimo. Incrível trabalhar no Wah Wah Studio sob a orientação do nosso amigo Michel Kuaker – cuja sugestão acertadíssima para o papel de produtor veio do Marco Antonio Pereira, misto de agente, roadie, psicólogo e psiquiatra da banda. Já a mais antiga música do disco, “Sweet Flower”, já figurava na primeira demo tape, de 1992, desapareceu do repertório, ressurgiu, foi se desenvolvendo, tomando corpo, até chegar à estrutura atual. A faixa-título foi escrita semanas antes do início das sessões. “A Tired Vampire”, composta e arranjada durante o processo. Não estava programada, mas se impôs naqueles dias quentes. Enfim, quando entramos em estúdio, tínhamos em mente peso, discursos amorosos, groove e o aniversário.
O Mickey Junkies é uma das quatro bandas em que o documentário “Time Will Burn” se baseia. Como foi para vocês se verem na telona? Como foi relembrar aquela época?
Essa é outra das experiências fabulosas vividas ao lado dos rapazes. Quando demos os nossos depoimentos aos diretores, Marko Panayotis e Otavio Sousa, não tínhamos ideia de que seríamos, digamos, estrelas do filme. Assistir ao resultado final foi, do ponto de vista emocional, bastante intenso. Trata-se, ao mesmo tempo, de um capítulo da história da música brasileira sendo retratado – num país que tem inúmeros problemas com relação à sua própria memória – e um recorte da nossa juventude, de fortes laços de amizade. Diante das exibições do filme, outros se (des)organizavam na minha cabeça. Gente que partiu, pirou, as primeiras paixões, os discos. Toda uma gama de sentimentos. É uma honra – e uma choradeira brava – participar de algo dessa natureza. “Jovens, envelheçam”, aconselhava o Nelson Rodrigues. Pois bem.
Aquele mano, o baterista daquela banda, o Nirvana, elogiou bastante o primeiro disco de vocês. Foi isso? Como vocês imaginam a reação dele ao ouvir “Since You’ve Been Gone”?
Na real, o que o Dave Grohl ouviu foi uma das demo tapes que a gente gravava nos estúdios da extinta Rádio Brasil 2000 FM e distribuía gratuitamente – num esquema maluco de envio e recebimento de fitas cassete e selos postais. Não consigo imaginar o que ele acharia do álbum. Quisera eu que gostasse. Fazemos canções para nós mesmos – naquela jogada de atividade lúdica, terapêutica -, mas também queremos agradar aos outros. Dicotomia velha de guerra. O que eu posso afirmar com toda certeza é que o verão grunge de 1993, como diz a molecada, foi loko (risos).
“Since You’ve Been Gone” está nos streamings da vida, mas vocês também fizeram uma tiragem física, certo? Como a galera encontra? E como o Mickey Junkies na estrada? Planos de rodar festivais com o novo disco?
Formatos físico e digital. Num primeiro momento, eu pensava só nas plataformas, mas fui convencido do contrário – o que foi ótimo. A edição em CD Digipack ficou uma beleza. Fotos captadas na França pelo Jorge Lepesteur e direção de arte do Birds. O álbum tem a distribuição da Shinigami Records e pode ser encontrado em lojas físicas de diversos estados brasileiros. Também em sites e como Submarino.com e Americanas.com. Há ainda a possibilidade de encomendas pelo perfil da banda no Facebook. Quem o faz por lá, caso queira, tem o encarte autografado. Sobre a estrada, adoramos. Apresentações ao vivo sempre foram o nosso lance. Brinco, com seriedade, que queremos tudo com o disco. Espero que os curadores, organizadores, palpiteiros e financiadores de festivais entendam isso. E nos acolham em seus eventos (risos). Em outubro, por exemplo, voltaremos a Curitiba, lugar que sempre nos recebeu maravilhosamente bem.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne