por Leonardo Vinhas
Injustiça histórica, o Espírito Santo é um Estado da federação que costuma ser “esquecido” na produção cultural brasileira. Então que tal saber que uma das atuantes intérpretes da música uruguaia contemporânea vem da terra de Sergio Sampaio, Roberto Carlos e Juliano Gauche? Pois este é o caso da cantora Tamy.
A moça já tinha pavimentado uma estrada considerável no Brasil, tendo gravado por aqui os álbuns “Soul Mais Bossa” (2005), “Tamy” (2008) e “Caieira” (2013) – esse último conseguia a proeza de juntar Kassin, Roberto Menescal, Jacques Morelenbaum e o congolês Lokua Kanza no mesmo disco. Além disso, a bolachinha de 2008 trouxe “Vem Ver”, canção que depois viraria tema da novela global “Viver a Vida” (2009-2010).
Porém, razões familiares a levaram a estabelecer residência no Uruguai, e em Montevidéu ela começou o circuito de shows TAMY Invita (“Tamy convida”, em espanhol), no qual ela sobe ao palco acompanhada de músicos e cantores brasileiros e uruguaios. A ambição não era pequena: do país natal, compareceram os capixabas SILVA e Juliano Gauche, além de Duda Brack, Donatinho, Luiz Brasil, Nina Becker e outros; já do país de residência vieram tanto veteranos como Hugo Fattoruso (talvez o maior nome dos Fattoruso, família de extrema relevância na música uruguaia há mais de quatro décadas), Ruben Rada (percussionista e cantor popular de grande fama latino-americana), quanto novatos como Samantha Navarro e Sebastián Jantos.
Esse projeto de integração refletiu em sua música, e o quarto álbum de Tamy, “Parador Neptunia”, virá com forte influência do candombe e de outras linguagens musicais uruguaias, tanto em composições próprias como em versões – não à toa “Te Parece”, original de Ruben Rada, é o primeiro single, e marca claramente a ruptura com os anteriores, que traziam bossa nova e MPB em pegada mais pop. O novo álbum, a ser lançado ainda em abril em todas as plataformas digitais, terá distribuição pela Universal Music, o que pode ajudar a difundir não apenas a música de Tamy, mas também a herança charrua que o inspira.
O que a levou a viver no Uruguai – e adotar o espanhol como idioma de algumas canções?
Vim por conta de uma proposta de trabalho feita ao meu marido. Depois de cinco anos aqui, resolvi adotar a língua local para cantar. Já usava no dia a dia, foi super natural.
Você vem do Espírito Santo, um Estado com uma produção musical riquíssima, mas que fica totalmente à margem no cenário brasileiro. A que você atribui esse “isolamento” capixaba?
O Espírito Santo sempre foi um estado bastante produtivo. Talvez pelo fato de sermos um estado mais jovem e menor que Rio de Janeiro, São Paulo e Minas, pode ser que não tivemos o destaque esperado na cena nacional todo o tempo. Mas temos muitos nomes importantes que saíram do Espirito Santo, como o proprio rei Roberto Carlos e agora o SILVA, que é um dos nomes mais cotados da cena pop nacional.
O que te alimenta musicalmente, hoje?
As minhas principais fontes de inspiração sempre foram encontros e emoções. Por isso mesmo estou lançando agora o “Parador Neptunia”, um disco onde canto canções minhas e também autores uruguaios, porque me apaixonei pelo país. Assim como canto canções, neste mesmo disco, dos meus amigos Cesar Lacerda e Matheus Von Kruguer, brasileiros, amigos, artistas que me comovem.
Como você chegou a essa parceria com o Roberto Menescal em “Me Diz” e “Saint Tropez”? Pergunto por que chamar o homem para tocar é uma coisa, mas compor com ele é ainda mais forte.
O Menescal é um amigo. Ele curte meu jeito de cantar e compor e eu, como todos, sou super fã dele. Começamos fazendo um show juntos e daí saiu “Me Diz”. Tenho o maior carinho por essa musica porque muitas cantoras gostam de cantar e gravar este tema. Acho que acertamos na mão.
Você acaba de lançar uma canção de Ruben Rada, já colaborou com integrantes da família Fattoruso… Como começou sua relação com a música uruguaia? E como conseguiu chegar como parceira aos maiores nomes dela?
Minha relação com a musica deste país começou quando viemos morar aqui. Eu não conhecia quase nada do Uruguai e tive uma maravilhosa surpresa quando comecei a conhecer. Hugo, Rada e [Eduardo] Mateo são a santíssima trindade da música do país e têm uma obra realmente fascinante, que se aproxima muito da música brasileira. Isso se nota na estrutura das canções, no romantismo e na “tara” pelo groove. Foi muito massa conhecer os artistas aqui, de repente eu virei a brasileira do meio (risos). Acho que pelo meu projeto TAMY Invita, já que trago artistas do Brasil e junto com artistas uruguaios, comecei a fazer um certo nome em Montevidéu e acabei conhecendo todo mundo. Montevidéu não é uma cidade enorme… (nota: são 1,3 milhões de habitantes segundo o censo de 2011, quase a metade da população do Uruguai).
Artisticamente, onde você posiciona sua música? Uruguai, Brasil, América do Sul? Ou sua música não precisa de passaporte?
Este disco, “Parador Neptunia”, será um disco “brasileiro-uruguaio”, porque gravei musicas minhas, de autores uruguaios e também de brasileiros. Mas te confesso que tenho vontade, interesse mesmo, na musica sul-americana de um modo geral, e expandir essa conexão para outras fronteiras é uma deliciosa possibilidade.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.