por Tulio Bragança
Cantautor é uma palavra que os países de língua espanhola usam muito, mas nós brasileiros bem pouco. Basicamente é um cara que escreve, compõe e canta suas próprias músicas. Tem um detalhe que o dicionário não diz, porém, e é importante ressaltar: geralmente o cantautor também vive essas músicas. Só escreve sobre suas próprias experiências. O sueco Jens Lekman se enquadra perfeitamente nessa descrição.
Já são cinco longos anos desde que “I Know What Love Isn’t” foi lançado, um disco azedinho-doce com lindas músicas, mas que não continha os mesmos hits cantáveis dos seus álbuns anteriores, “Night Falls Over Kortedala”, de 2007, e “When I Said I Wanted to Be Your Dog”, de 2004, que lhe rendeu uma tour no Brasil (Porto Alegre, São Paulo, Recife e Curitiba).
Os cinco anos discograficamente “ausente” não querem dizer que Jens não lançou material novo nesse período. Postcards, seu projeto de 2015 de gravar uma música por semana, e Ghostwriting, uma espécie de instalação artística onde ele transformava histórias das pessoas em músicas nos EUA, no Cincinnati Contemporary Arts Center, e na Suécia, na Bienal de Gotemburgo, o levaram a uma produção frenética de canções. Mesmo não parando de criar, essas experiências foram como uma pausa para Jens. Um descanso de escrever sobre si mesmo. Um momento para ouvir mais e procurar inspiração no mundano (os dois projetos estão disponíveis para audição em https://soundcloud.com/jens-lekman).
“Life Will See You Now”, o recém-lançado álbum de 2017, mostra um Jens menos ingênuo. Não é mais aquele som do jovem sueco que está louco para experimentar o mundo, mas sim do adulto de 36 anos que já rodou o mundo, lançou discos, decepcionou-se e hoje já pode refletir melhor sobre todo esse fuzuê todo.
Musicalmente é o seu álbum mais pop, mas Lekman não perdeu a mão com suas letras íntimas que conseguem ter humor e profundidade na mesma medida. “Life Will See You Know” flerta com funk, sintetizadores, melodias caribenhas e muito dance. É como se Jens chamasse o Belle and Sebastian e o Camera Obscura pra dançar ao efeito de substâncias ilícitas.
A primeira música de trabalho, “What’s That Perfume That You Wear?”, nos leva pra uma Honolulu com sintentizadores, xilofones, violinos e ritmo dançante. Jens canta sobre um restinho de amor que ficou e é lembrado toda vez que ele sente certo cheiro. Se o Jens jovem tivesse escrito sobre isso em 2004 seria uma canção triste, mas sua versão madura a transformou em algo feliz e celebratório.
“Evening Prayer” tem uma das letras mais bizarras dos últimos tempos, mas incrivelmente consegue emocionar. Lekman foi fundo no surreal para ilustrar com um bar e um tumor construído numa impressora 3D a amizade de dois homens que não sabem se são o suficientemente próximos para se importar com os problemas um do outro.
Em entrevistas o cantor sueco falou que nos seus discos não consegue cantar algo que não tivesse vivido. Ele admite que às vezes exagera um pouco, mas é tudo baseado em experiências reais. “Wedding in Finistere” tem como pano de fundo uma noiva titubeante, em “To Know Your Mission” vemos como o cantor descobriu cedo sua missão na vida e “How Can I Tell Him” ele se coloca no lugar de uma mulher apaixonada que ficou no friendzone. “Hotwire the Ferris Wheel” é um dueto com Tracey Thorn, a mulher do Everything But the Girl, em que na própria letra ela pede: “Se você for escrever sobre isso, por favor, não transforme numa canção triste”. Passou da hora de ser feliz, Jens!
– Tulio Pires Bragança (www.facebook.com/tuliopb) é brasileiro, mas vive em Buenos Aires. Trabalha no Departamento de Criação da Fox International Channels e é responsável pelo excelente Aires Buenos.
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