por Daniel Tavares
O som da Bratislava, banda composta pelos irmãos Victor (vocais/teclas) e Alexandre Meira (guitarra/vocais) com Sandro Cobeleanschi (baixo) e Lucas Felipe Franco (bateria), tem um muito de psicodélico, mas eles próprios se definem como rock alternativo (“Porque é mais abrangente”) e ainda mantém a capacidade de surpreender, o que é algo cada vez mais raro na música brasileira que toca nas rádios.
As vésperas de levar (o álbum) “Um Pouco Mais de Silêncio” para o festival Lollapalloza Brasil 2017, Victor Meira rebate: “Não acho o nosso solo infértil. Acho que há muita coisa surpreendente sendo feita hoje no Brasil, muita coisa original e inovadora. É só cavar mais fundo que você acha”. No Lolla, os integrantes se dividem entre o que querem ver e citam Strokes, Glass Animals, Haikaiss, MØ e Metallica.
A discografia do quarteto conta com o EP “Longe do Sono” (2011), o álbum “Carne” (2012), e o disco fanzine “Um Pouco Mais de Silêncio” (2015), todos disponíveis para download gratuito no Bandcamp da banda (https://bratislavabr.bandcamp.com). No papo abaixo, Victor Meira fala sobre o convite do Lolla, conta a história da banda, sua pausa na carreira literária e a comunicação entre o Victor escritor e o Victor músico. Confira.
Vamos começar do começo, pelo nome? Que mensagem vocês gostariam de passar para quem toma conhecimento da música de vocês dando à banda o nome de um cidade europeia? Não há nenhuma crítica nisso, só gostaria de entender mesmo.
A ideia inicial da banda era misturar rock com música cigana. Quando eu e o Alexandre (meu irmão) começamos, ali no finzinho de 2009, estávamos ouvindo muitos sons do leste e norte europeu, desde música cigana como Taraf de Haidouks e Mahala Rai Banda, ou como o metal-progressivo-klezmer-finlandês da Alamaailman Vasarat, até sons folks mais suaves também. Aos poucos fomos mudando o rumo da nossa estética, mas quando nomeamos a banda estávamos nessa onda, pra nós fazia sentido. E, acho que acima disso, curtíamos a sonoridade do nome, achávamos que soava maneiro. Anos depois, um amigo nosso nos falou sobre a etimologia da palavra Bratislava, que vem de uma junção de “Brat”, que é “irmão” e “Slava”, que é algo como “sucesso, glória”. Aí achamos mais legal ainda, com a coincidência e o significado. Acho que não há necessariamente uma carga simbólica, uma mensagem que queiramos passar com o nome da banda por si só.
Como vocês definiriam o som que vocês fazem?
Isso sempre foi uma questão cabeluda. A gente se descreve como “rock alternativo”, mas justamente por que é uma maneira abrangente, genérica, de se descrever. Tem gente que acha a gente psicodélico, outros acham teatral/literário, outros acham rock progressivo, cabeçudo… Já ouvimos de tudo e a gente curte ir coletando essas impressões. Nosso compromisso é com cada composição em si, cada música que a gente cria, independente de estilo. As influências de cada um da banda são muito variadas e isso mantém essa característica de uma estética musical difusa, que curtimos cultivar.
Uma das músicas que mais gostei em “Um Pouco Mais de Silêncio” foi “Ingestão”. Surpreendeu-me. É algo imprescindível na música, mas que tem se perdido no Brasil hoje. Vocês acreditam que a música produzida no Brasil hoje perdeu essa capacidade de surpreender? Como vocês veem nossa música hoje?
Ah, que massa! “Ingestão” é uma das preferidas da banda também. Acho que é uma música pouco convencional, sem um centro/refrão bem definido, não repete trechos, possui partes instrumentais longas… e fala sobre o cansaço do amor, a alienação da vida a dois, o desgaste dos relacionamentos, seja uma forte amizade, seja um namoro, um casamento. Sobre o elemento surpresa, acho que existem maneiras de se fazer existir no cenário musical, de se fazer interessante, e também existem atalhos. Muitas bandas decidem moldar suas composições em estéticas quase caricatas, à luz de referências consolidadas, o que faz com que elas sejam mais facilmente assimiladas, relacionadas a determinados estilos, épocas ou figuras. Muitas dessas obras são maravilhosas, mas acho que é um caminho que pode te impedir de surpreender. E não acho o nosso solo infértil não, viu? Acho que há muita coisa surpreendente sendo feita hoje no Brasil, muita coisa original e inovadora. É só cavar mais fundo que você acha.
O Lollapalooza é um festival que traz sempre grandes medalhões da música, mas também é uma grande vitrine. Como surgiu o convite para tocar no Lolla?
Com certeza é uma vitrine, a gente tá muito feliz de fazer parte dessa edição do evento. O convite veio por telefone, no dia 30 de agosto de 2016, não esqueço a data! Foi uma alegria sem tamanho, comemoramos juntos em um show de amigos nossos no SESC Pompeia (a instrumental recifense Kalouv tava tocando esse dia no Prata da Casa, era uma terça-feira).
Dos artistas que vão se apresentar com vocês, quais vocês estão mais ansiosos para ver? Algum faria com que vocês se comportassem como fãs mais, digamos, desesperados se vocês cruzassem com eles no backstage? E, principalmente, quais tem alguma influência sobre a música de vocês?
Essa eu posso responder pela banda toda, já sei o que cada um mais quer ver no festival. O Sandro é muito fã do Metallica desde moleque, Xande e Lucas se amarram no Haikaiss, e todos nós curtimos a MØ! Hahaha, pega essa mistura! Queremos curtir também Glass Animals e Strokes.
Vocês já tocaram fora do Brasil? Não sei se tocaram especialmente em Bratislava? Seria inusitado, interessante… Como vocês acham que seria um show do Bratislava lá?
Pois é, a gente até tem amigos que moram lá… Quem sabe um dia fazemos um show em Bratislava, só por fazer, só pela brincadeira, haha! E não, ainda não tocamos fora do país. É uma das nossas maiores vontades, mas é algo que requer planejamento e um grande investimento. Acho que vai rolar na hora certa.
Vocês lançaram o álbum “Um Pouco Mais de Silêncio” no formato de um zine, ou acompanhado de um zine, se assim é melhor dizer. Conte um pouco sobre ele, sobre esse formato, sobre essa iniciativa.
Desde o planejamento do álbum, na época ainda da composição dos arranjos, começamos a discutir isso. Questionamos o formato tradicional (nenhum dos quatro da banda ouve música usando CD, CD player) e ficamos incomodados, com vontade de fazer algo diferente. Chegamos até a perguntar pros nossos seguidores no instagram e a maioria das respostas estava em sintonia com as nossas intuições. Ao mesmo tempo, queríamos um formato no qual pudéssemos explorar aspectos gráficos. Eu coleciono zines que compro em feiras de arte gráfica (como a Feira Plana) e aí me veio o estalo.
Escrever é algo que já está no seu sangue também. Agora, já com alguns anos desde o lançamento de “Um Pouco Mais de Silêncio” e “Carne”, como você vê a diferença entre escrever um conto, uma estória e a letra de uma música?
Pois é, são formatos que parecem próximos, de certa forma, mas são tão diferentes quanto línguas diferentes, sabe? Pra mim, escrever um conto e escrever uma letra de música é como a diferença entre falar grego e falar japonês. São linguagens radicalmente diferentes, cada qual com suas possibilidades, com suas exigências, com suas limitações e potências. Hoje em dia escrevo pouquíssima literatura. Tô completamente dentro do processo lírico e quando vou criar, minha “língua-criativa” atual é a letra de música. Nem sei se eu saberia escrever um bom conto hoje. Se fosse o caso, seria necessário novamente um gradual e árduo retorno a essa linguagem.
O que da parte mais literária, digamos assim, da sua carreira você aproveitou na parte musical? E vice-versa, o que você pode dizer que mudou na sua forma de escrever depois de ter entrado de cabeça na música? E há algum “vício” de uma carreira contra o qual você teve que lutar na outra carreira?
Ah, acho que trago da literatura noções de narrativa, vocabulário, coerência figurativa… Sobre o “vice-versa”, não sei dizer por que ainda não fiz o caminho de retorno (que sei que um dia vou fazer). Quanto aos vícios, acho que no comecinho eu tinha muitos. Conforme o tempo passa, mais eu me torno consciente dos que ainda me restam e consigo ir me livrando dos vícios que não me servem.
“Um Pouco Mais de Silêncio” foi feito por financiamento coletivo. Hoje você acha que foi a melhor opção? E para quem quiser adquirir hoje o CD e o Zine, conte como fazer.
Não existe o CD do “Um Pouco Mais de Silêncio”. O áudio mora todo na internet. E o zine continua à venda nos shows, mesmo depois do financiamento coletivo. Foi uma ótima opção mesmo, porque funcionou como uma pré-venda e uma divulgação prévia do novo trabalho. E em breve iremos disponibilizar a lojinha online com os produtos da banda.
Vamos aproveitar para falar um pouco sobre o livro “Bemóis” também. Ele veio antes dos discos, mas você consegue enxergar alguma correlação entre eles?
O “Bemóis” foi lançado em 2014, por uma coleção do selo Poesia Maloqueirista. Reúne contos que escrevi entre 2009 e 2014, a maioria deles já antes publicado nos blogs literários dos quais eu participava (Maná Zinabre, Poema Dia e o meu próprio, Quadrado Vermelho). Ele veio depois do “Carne” (2012), antes do “Um Pouco Mais de Silêncio” (2015), mas já era uma fase em que eu escrevia pouca literatura. Acho que veio pra fechar um ciclo pra mim, e foi uma época entre-atividades da banda, que pude trabalhar o lançamento do livro em saraus literários na cidade.
E quais são os seus planos pro futuro, para depois do Lolla, tanto no campo literário quanto na música?
No campo literário permaneço estacionado, por hora. Mas há muitos planos musicais e trabalhos já em andamento, coisas que serão lançadas nesse ano com a Bratislava e, talvez, também com projetos paralelos.
Há uma pergunta que sempre faço para os entrevistados. Para os gringos pergunto o que eles conhecem de música brasileira. De você eu quero saber o que conhece e gosta de música nordestina, que artistas você escuta em sua casa ou até mesmo que tenham alguma influência no seu som.
De música nordestina especificamente acho que o disco que mais ouvi na adolescência foi o “Um Concerto a Palo Seco” (1974), do Belchior. É engraçado, porque é um disco que não consta em algumas discografias oficiais do cantor, acho que por ser meio que um “best of”, mas é tá entre meus preferidos. Arranjos simples, puros, voz e violão. O Belchior tem essa pureza constrangedora, um jeito naive de escrever, soa despretensioso e sincero. São sempre histórias muito bonitas e sensíveis.
Um recado…
Coração aberto pra novas experiências, ouvir música com uma atitude atenciosa e participativa, atenta, mesmo quando ela for trilha sonora no trânsito, mesmo quando tiver tocando em um churrasco. Uma música é uma peça de carga sensível, que existe pra nos mostrar (ou nos lembrar de) certos sentimentos, descobertas, deslumbramentos. Pode ser um grito politizado, pode contar a dor da perda ou o medo da morte, pode falar sobre como somos fortes ou como somos pequenos átomos em um universo em expansão. Pode apenas descrever cenários, ou contar histórias sem cenário algum. É abstrata e nos pega de assalto. Nos faz chorar nas horas certas e nas horas erradas, no escritório, no trabalho. É uma entidade poderosa, invisível e inevitável (você vai ouvir música por aí, na rua, mesmo que não procure por ela) e, por isso, deve ser ouvida e selecionada com critério. É a forma de arte mais constantemente presente na nossa vida. É uma forma de ser, de sentir e de amar.
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza. A foto que abre o texto é de Daniel Moura / Divulgação