por Marcelo Costa
“Animais Noturnos”, de Tom Ford (2016)
O estilista, diretor e roteirista Tom Ford começou sua carreira cinematográfica em 2009 com o pé direito: “Direito de Amar” (“A Single Man”, com Colin Firth e Julianne Moore), seu filme de estreia, foi bastante elogiado e deu a Colin Firth uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Ator (que ele venceria no ano seguinte com “O Discurso do Rei”). Agora, sete anos depois, Ford ressurge com seu segundo filme, o intenso e absolutamente estilístico thriller noir “Nocturnal Animals”, e leva mais um ator para a cerimônia da Academia: Michael Shannon concorre no posto de Melhor Ator Coadjuvante, numa atuação tão brilhante quanto a do favorito Mahershala Ali, do excelente “Moonlight”. Em “Animais Noturnos”, Tom Ford estiliza seus personagens ao ponto da caricatura já que o que move o filme é a maneira com que a famosa galerista Susan Morrow (Amy Adams num trabalho muito mais interessante e exigente do que em “A Chegada”) recria em sua cabeça o romance que seu primeiro marido, o escritor Edward (Jake Gyllenhaal), lhe enviou. O relacionamento de Susan e Edward não terminou nada bem e, tantos anos depois, a vida atual de Susan com seu novo marido também passa por uma crise. Sozinha em casa, Susan embarca na história do livro (e leva o espectador junto) tentando descobrir por que Edward o enviou, e a trama trágica do romance mexe com sua imaginação tanto quanto recupera momentos dramáticos de seu relacionamento com Edward. A trama do livro se passa no Texas e Michael Shannon entra em cena como o delegado às portas da morte que tenta ajudar um pobre homem a encontrar os assassinos de sua mulher e filha. Tom Ford carrega a mão no estilismo e em alguns momentos o filme parece que não vai sair do lugar, mas o roteiro previsível consegue engatar uma terceira marcha e levar os personagens até o final, satisfatório, deixando a sensação de que há um grande filme aqui, e que talvez cortando os excessos (uns 16 minutos dos 116 do filme) e acelerando um tiquinho a edição, talvez ele tivesse dado as caras. Do jeito que está ficou apenas bom. Se basta é outro assunto.
Nota: 5
“A Qualquer Custo”, de David Mackenzie (2016)
Com quatro indicações ao Oscar incluindo a sonhada nominação para Melhor Filme (além de Edição, Roteiro Original e Melhor Ator Coadjuvante para Jeff Bridges), “Hell or High Water” vem sendo vendido por ai como um filme de faroeste moderno em que dois irmãos (Chris Pine e Ben Foster, ótimos) saem assaltando bancos e um xerife às vésperas de se aposentar (Bridges) segue no encalço da dupla enquanto pratica o tradicional bullying com seu parceiro e amigo descendente de indígenas numa relação de amizade e abuso que deixa várias questões em aberto na tela. A rigor, “Hell or High Water”, cujo roteiro indicado ao Oscar estava na Lista Negra desde 2012 (ou seja, dando bobeira pra alguém pegar e investir), é na pele isso aí mesmo, sem tirar nem por. Porém se o espectador pegar um facão e passar na barriga da trama para fuçar suas entranhas encontrará retalhos do sonho americano destroçado por um capitalismo voraz cuja lei favorece os mais ricos, um sistema regido por bancos, advogados e investidores que não se preocupam nem um pouco com as pessoas endividadas e sem casa passando fome e a margem da sociedade, uma catástrofe social criada para tornar alguns poucos poderosos e outros muitos escravos. Os irmãos Toby e Tanner Howard se encaixam no segundo grupo, mas não se sentem muito à vontade ali. Eles perderam a mãe recentemente e agora devem perder a fazenda que herdaram (e cujo subsolo abriga petróleo) para o banco, uma história tão comum quanto a poeira do Velho Oeste. Acontece que os irmãos não planejam serem derrotados tão facilmente, e o ciclo de assalto a bancos se inicia. Porém, lembre-se, é o Texas, e o Estado é um personagem intimidador na trama, que resulta num final épico e delicadamente inspirador, que poderia ter a marcha celta “Death My Hometown”, de Bruce Springsteen, como pano de fundo. Jeff Bridges está ótimo (mas não é páreo para Mahershala Ali) assim como o Roteiro Original – que deveria ficar com o filme abaixo, mas deverá ir pra “La La Land” – resultando em um filme forte e corajoso que ainda traz Nick Cave e Warren Ellis assinando a excelente trilha sonora.
Nota: 9
“O Lagosta”, de Yorgos Lanthimos (2015)
Imagine um mundo em que não é permitido estar solteiro. Isso mesmo. Todo mundo precisa estar vivendo um relacionamento oficial, e aqueles que porventura perderem seus pares, por doença ou traição, e ficarem sozinhos, são destinados a um resort cujo regulamento lhes concede 45 dias para encontrar um novo par ideal (casamento arranjado é crime aqui!). Se após os 45 dias você não conseguir encontrar um par, será transformado no animal que desejar e solto na floresta da cidade. É o destino e é nesse momento que encontramos David, que foi abandonado pela esposa e terá que enfrentar a via crucis da sociedade surreal criada pelos gregos Efthimis Filippou e Yorgos Lanthimos (também responsável pela direção) neste absolutamente genial “The Lobster”, que faturou diversos prêmios ao redor do mundo, e foi indicado ao Oscar na categoria Melhor Roteiro Original. No futuro distópico previsto pelos roteiristas, os solteiros seguem regras árduas do regulamento do hotel e conseguem retardar o cronometro diário de sua pena caçando aqueles que tentam fugir do poder do Estado. Ainda que textualmente deliciosamente provocante (a palavra cu vence amor por 1 x 0 – se englobássemos sexo anal seria 2 x 0, mas há diferenças: há romance – ainda que narrativamente frio, como todo o filme – no cu enquanto a proposta de sexo anal é desesperada e constrangedora validando a máxima de que é melhor morrer (ou ser transformado em um animal) a casar-se com quem não se ama – um dos lemas de um filme que fala de amor sem falar de amor), a metáfora proposta por “O Lagosta” é encantadoramente (e politicamente) romântica, e talvez ai resida a beleza do roteiro magnifico, que ecoa os melhores momentos de Charlie Kaufman e Spike Jonze, destes gregos que ainda balbuciam Nick Cave na trilha sonora esparsa (e incrível: David canta “Where The Wild Roses Grow” em certo momento enquanto “Something’s Gotten Hold of My Heart”, stardart soturno de Gene Pitney regravado por Cave no essencial disco de covers “Kicking Against the Pricks”, de 1986, embala uma não festa). Com um elenco tão surreal quanto o filme (Rachel Weisz, Léa Seydoux, Jessica Barden, Ben Whishaw, John C. Reilly e Colin Farrel), “O Lagosta” – que não chegou aos cinemas no Brasil sendo disponibilizado diretamente online – é daquelas obras que vão arrebatar a atenção de gatos pingados (no meu caso, um leão pingado), e todos eles vão aplaudir de pé ao final do filme. Palmas.
Nota: 11
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Oscar 2016
– O sueco “Um Homem Chamado Ove” é um filme bonito e delicado (aqui)
– Apesar das arestas pontudas, “Toni Erdmann” é uma pequena joia cinematográfica (aqui)
– O brilhante “Campo de Minas” versa sobre humanidade em 101 minutos de suspense (aqui)
– Asghar Farhadi conduz a trama de “O Apartamento” com delicadeza e genialidade (aqui)
Oscar 2015
– “Ida” é uma complexa jornada de descoberta (tardia) de identidade (aqui)
– “Leviatã” é movido a vodka, desmandos, contradições religiosas e traições (aqui)
– Com roteiro bem construído, “Tangerines” tem na inocência sua maior força (aqui)
– Representante argentino no Oscar, “Relatos Selvagens” era uma obra em mutação (aqui)
– “Dois Dias, Uma Noite”, dos Irmãos Dardenne, supera vários filmes do Oscar (aqui)
– Tudo é intencionalmente exagerado em “Birdman”. E funciona brilhantemente (aqui)
-“Boyhood – Da Infância à Juventude” soa tanto um elogio à família quanto ao destino (aqui)
– “O Jogo da Imitação”: Alan Turing merece mais que uma homenagem torta (aqui)
– “Whiplash” é um tratado sociológico moderno (embalado numa bela trilha sonora) (aqui)
– “O Abutre” é o retrato de uma sociedade viciada na espetacularização da tragédia (aqui)
– “Foxcatcher” se arrasta em meio a clichês numa trama repleta de buracos (aqui)
– Badalado filme britânico do ano, “A Teoria de Tudo” é esquemático e chapa branca (aqui)
– Drama básico sobre doença, “Para Sempre Alice” é salvo por Juliane Moore (aqui)
– As atuações de Reese Witherspoon e Laura Dern fazem valer a pena “Livre” (aqui)
Inacreditável a Amy não estar concorrendo a melhor atriz, adorei as criticas daria uma nota 7,5 pro filme ” Animais Noturnos, fiquei curiosíssimo pra ver ” O Lagosta “, e ” A Qualquer Preço “.