por Lucas Vieira
“1755”, Vaiapraia e as Rainhas do Baile (Spring Toast Records)
Direto das terras lusitanas, Vaiapraia e as Rainhas do Baile é um trio que mistura influências de pós-punk, rock alternativo e indie dos anos 2000. Em “1755”, seu primeiro álbum, a melancolia e timbres de baixa definição dominam a obra, com um vocal quase incompreensível. O português nativo e a voz arrastada, somados à estética lo-fi proposital da gravação transformam a voz do vocalista Rodrigo Vaiapraia em mais um instrumento musical. O disco oscila entre esses momentos depressivos que soa como um Los Hermanos interpretando Joy Division (“Perfeito”, “Yuppie Casado”) e também caminha por faixas mais rápidas (“Sniffa Cola”, “Kate Winslet”, “Hey Rocky”). Nas 12 faixas, tanto baixo quanto guitarra ficam na mão da musicista Frankie Wolf: ambos são sujos, garageiros e atingem o ouvinte como um disco de rock alternativo do fim dos anos 1980. Em questão de timbre, o trio gabaritou o dever de casa. As letras, todas assinadas pelo líder, são de um português que passou muito tempo lendo e ouvindo as histórias da blank generation e andando pelos subúrbios de Setubal. Mas a banda não deixa de se aventurar em canções de amor, como “Sinos” e “Cosmotusa”, com estrutura de baladas, mas soando com a essência da banda. A arte da capa parece uma fotocópia de uma foto muito difícil de identificar em que se lê a palavra “polícia”. Em “1755” – que sai em versão digital e em um kit que inclui uma fita cassete com as músicas e também um fanzine – Vaiapraia e as Rainhas do Baile alcança a façanha de fugir do óbvio em um bom álbum.
Nota: 7 (ouça no Bandcamp)
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“Belemgue Banger”, Félix Robatto (Natura Musical)
Não é de hoje que o nome de Félix Robatto é destaque no som paraense, seja à frente do La Pupuña, combo que misturava guitarrada e surf music no começo deste século, seja como produtor musical do premiado “Treme” (2011), da conterrânea Gaby Amarantos. Neste segundo álbum da carreira solo, Félix entrega um disco com pouca pretensão de parecer uma nova descoberta da música brasileira. Apesar da estética guitarrada-hipster, a sonoridade moderninha está muito enraizada na música do norte do Brasil, Félix Robatto explora com excelência todos os clichês do gênero, com uma intensidade maior que em seu antecessor, “Equatorial, Quente e Úmido” (2015). Felix tira da guitarra o som e o timbre exato que o estilo pede, com a maestria de quem estudou a fundo tanto as sonoridades quanto a história de ícones como Mestre Vieira e Pinduca. Da primeira à última faixa, o ouvinte é contagiado por uma guitarra suingada, um teclado totalmente latino e expressões muito próprias, como “derrame de gelada na guela” e “vou roçar nos cambito dela”. Com o álbum, o artista conseguiu deixar o som da lambada menos datado. Enxugou o som da bateria eletrônica e transformou os sintetizadores em meros efeitos nas faixas. É uma gravação bastante coesa que traz novos ares para as futuras coletâneas. “Hoje Vai Ter Fritação”, “A Gente Chama de Lambada” e “Interior do Pará” são três exemplos de clássicos imediatos que fazem o ouvinte ter a sensação boa de “eu já ouvi isso antes em alguma rádio cafona nos anos 1980”. A única canção que destoa da obra é “Quando Te Vejo (Brega da Cerveja)”, uma aventura bem sucedida pelas balada bregas dos anos 80 que encerra o disco. “Belemgue Banger” é um disco feito para dançar do início ao fim. Não é uma obra cult para ser contemplada, mas sim um disco para os quadris.
Nota: 7,5 (download gratuito do álbum aqui)
“Saudade de Pernambuco”, Alceu Valença (Deck Disc)
Lançado somente em 1998, em um fascículo de jornal, o disco que seria o sexto de Alceu Valença foi gravado no ano de 1979 e agora finalmente recebe uma reedição à altura, 37 anos depois, em meio às comemorações dos 70 anos de Alceu. Com uma capa em preto e branco trazendo o artista com um traje que parece a mistura de cangaceiro com pirata, “Saudade de Pernambuco” é o início da transição de Alceu da psicodelia nordestina para o cantor de hits como “Anunciação” e “La Belle de Jour”. Gravado em Paris num momento de autoexílio na França, o antecessor cronológico de “Coração Bobo” (1980) traz o cantor mais calmo que em gravações como “Agalopado” e “Vou Danado Pra Catende”. Com a companhia de feras que estiveram ao seu lado na fase mais agressiva de sua carreira, como o Ave Sangria Paulo Rafael (guitarra e violas) e Zé da Flauta (flauta), o pernambucano entrega um lado mais melancólico e introspectivo do que mostrara até então. Porém, a energia roqueira do cantor também está viva no álbum, em uma roupagem mais acústica, ainda longe dos arranjos pop e radiofônicos da década de 1980. Em momentos como a faixa título e em “O Ovo e a Galinha”, a tradição dos repentistas dá a forma; um dedilhado em tom de desespero e uma liberdade de improviso marcam “Colcha de Retalhos” e também “Casa de Buinha”, com muitas vocalizações. A gravação em vinil está inclusa no recém-lançado box Alceu Valença 70 e também está sendo vendida avulsa – o que, infelizmente, não ocorre com os outros clássicos da caixa – em CD.
Nota: 8,5 (ouça o álbum completo no Youtube)
– Lucas Vieira (Facebook) está no último período da faculdade de jornalismo, escreve sobre música desde 2010 e assina o blog Dizconauta