por Leonardo Vinhas
“Es Ahora”, Leo Sosa (Independente)
Montevideano, o cantautor uruguaio Leo Sosa está acostumado a fazer pontes entre a música de seu país e a do nosso, já que passou muitos anos de sua vida vivendo em Artigas, cidade fronteiriça à brasileira Quaraí e hoje reside em Porto Alegre (RS). Seu álbum solo “Es Ahora” traz sete canções em que essa proximidade binacional se faz presente, seja na sonoridade ou na lista de convidados. “Raíces”, por exemplo, traz o veterano gaúcho Richard Serraría entregando um rap com a cara do Brasil noventista em meio a uma canção de inspiração afrouruguaia, enquanto “Quéxtraño” é uma milonga de vocação pop cantada a duo com a também gaúcha Lara Rossato. “Faro” une Fernando Cabrera e Zeca Baleiro na mesma fonte inspiradora, assim como se ouve ecos de Moska e de Martín Buscaglia ao longo do disco. Nessa mescla onde as fronteiras musicais se tornam quase indistinguíveis, Sosa impõe sua marca, identificada por dois paradoxos: uma voz tão grave quanto suave, e uma instrumentação majoritariamente acústica que não nega vigor às canções (quase roqueiro em “Lluvia de Verano”), Merece atenção também o trabalho percussivo, onde aí sim a tradição de seu país natal sobrepuja a de sua residência atual. Questões nacionais à parte, “Es Ahora” é uma grata surpresa, que surge discreta e vai ganhando cada vez mais espaço na preferência do ouvinte que se dispõe a ouvi-la com atenção.
Nota: 8 (ouça no Bandcamp)
“AfroTaína”, Carolina Camacho (Independente)
Carolina Camacho é dominicana; seu produtor e parceiro, Raúl Sotomayor (integrante da banda que leva seu sobrenome), é mexicano. “AfroTaina” é o álbum que os dois fizeram em parceria, cada qual em seu país, e que traz tamanho entrosamento que parece ter sido feito por pessoas que passaram semanas vivendo trancados no mesmo estúdio. Carolina tem uma voz impressionante em alcance e modulação, e escreve letras que têm o significado sublinhado por essa potência vocal. A Raúl coube adequar esses traços marcantes a composições que nascem da tradição dançante da República Dominicana e passam por ritmos mais disseminados pela América Latina, como o merengue, o reggaeton, o mambo e o afrobeat. É incrível como o disco pode ser espiritual tanto no vigor dançante de “Leona”, primeiro single, como na introspecção percussiva de “Vida”, a belíssima faixa de abertura, conduzida por um arranjo vocal que faz pensar em uma reverência tecnológica aos ritos xamânicos. “Viaje” e “Las Espinas” sugerem sensualidade, mas suas letras vão fundo em questões da identidade feminina, e rendem os momentos mais hipnóticos do disco– a primeira em formato mais pop, a segunda mais psicodélica. ”Amarra” se aproxima do reggaeton (ou se distancia, já que traz algumas soluções pouco óbvias), enquanto “Palo de Colores” e “Terrícola” são peças onde a tecnologia reforça a atemporalidade da tradição folclórica. Em apenas nove faixas, Carolina Camacho completa um grande disco, e ainda usa sua voz para falar com veemência de temas importantes ao universo feminino que têm sido maltratados pela reverberação de opiniões nas redes sociais.
Nota: 9 (ouça no Soundcloud)
“Instantes Decisivos”, Papina de Palma (Independente)
Mesmo com seu forte caráter individual, o álbum de estreia da uruguaia Papina de Palma guarda referências no trabalho de outras cantoras e compositoras: a canadense Feist, a russa Regina Spektor e um pouquinho da norte-americana Fiona Apple. Curiosamente, a imprensa uruguaia – que tem apontado “Instantes Decisivos” como um dos melhores álbuns nacionais de 2016 – prefere falar de uma injustificável semelhança com a mexicana Julieta Venegas. Porém, há algo em comum em todos esses nomes citados: são artistas cujos trabalhos miram – e acertam – num pop tão intimista quanto acessível, no qual a aparente simplicidade esconde grande engenhosidade musical. Papina tem a rara habilidade de acomodar versos longos ou pouco convencionais numa métrica particular, deixando que a canção funcione apesar (ou por causa) de certa estranheza. Os arranjos, elaborados em parceria com o argentino Juanito el Cantor (que também produz), não caem na obviedade nem nos temas mais doces, permitindo que eletrônica, música folclórica e elementos roqueiros convivam no mesmo espaço sem se estranhar ou causar estranheza. A verdade é que a paciência, a paixão e o talento dos envolvidos se faz ouvir em cada faixa do disco, e fica difícil não fazer eco aos que o apontam como um dos maiores acertos musicais de 2016. E é apenas o primeiro disco da jovem. Que venham outros!
Nota: 9
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.