por Marcelo Costa
“I’m Your Man: A Vida de Leonard Cohen”, de Sylvie Simmons (Editora Best Seller)
Falecido em novembro de 2016 aos 82 anos, Leonard Cohen teve sua vida revista neste volume de 505 páginas lançado em 2012 na gringa, com edição nacional de 2016 traduzida por Patrícia Azeredo. No trecho inicial, bastante arrastado, Sylvie narra a infância de Cohen em Montreal, filho de um judeu canadense com uma judia russa: “Os ancestrais de Leonard construíram sinagogas e fundaram jornais e empresas”, conta. Seu futuro já estava praticamente selado quando ele se deparou, aos 15 anos, com a poesia de Federico Garcia Lorca (“Espanhol, homossexual e abertamente antifascista”) e se rebelou. Na mesma época, comprou um violão e descobriu “The People’s Songbook”, livro de tablaturas de canções socialistas que ele decorou num verão. Esses dois fatos definem a persona do jovem Leonard, que criticará abertamente o capitalismo da família enquanto, inquieto, desbravará o mundo viajando de Hidra, na Grécia, para Londres, Havana e Nova York, que é realmente quando o livro começa a tornar-se arrebatador. Na Big Apple, Leonard lança seu primeiro disco, apaixona-se por Nico, a musa do Velvet Underground, que prefere Jimi Hendrix e Jim Morrison a ele, tem um caso de uma noite com Janis Joplin (que lhe renderá uma placa no Chelsea Hotel e uma grande canção) e algo um pouco mais longo (e turbulento) com Joni Mitchell. Contrário à zona de conforto, mudará de cidades inúmeras vezes, lançará livros e discos e, no auge de sua popularidade, após o sucesso do álbum “I’m Your Man”, de 1988 (“Various Positions”, o predecessor de 1984 com “Dance Me to the End of Love” e “Hallelujah”, fracassou em vendas porque a gravadora não conseguiu “entender” o disco), irá para um retiro espiritual por cinco anos, do qual sairá falido com um rombo de cerca de 12 milhões de dólares desviados por sua manager. Ultrapasse o começo truncado de “I’m Your Man: A Vida de Leonard Cohen” para se encantar com um personagem genial, apaixonante e autodepreciativo num livro que, entre outros, ainda traz Bob Dylan, Phil Spector, Iggy Pop, Frank Black, Suzanne e Marianne como coadjuvantes.
Nota: 9
Leia também:
– Discografia comentada: todos os discos de Leonard Cohen, por Julio Costello (aqui)
– Um show inesquecível de Leonard Cohen na Espanha, 2008, por Marcelo Costa (aqui)
“Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil”, Bento Araújo (Editora poeira Press)
Bento Araújo é o fanzineiro que deu certo. Jornalista, pesquisador, colecionador e vendedor de loja de discos (na saudosa Nuvem Nove, em São Paulo), Bento criou, em 2003, o excelente poeira Zine, uma revista (impressa!) com foco notadamente no rock (psicodélico, progressivo, hard) dos anos 60 e 70, sem negar espaços para outros artistas e gêneros solenemente ignorados pela grande imprensa. Em julho de 2016, Bento lançou no Catarse um projeto de financiamento coletivo para custear a produção e lançamento de seu primeiro livro, “Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil”. A meta total era colher R$ 45 mil, mas 538 pessoas quase dobraram o valor inicial proposto por Bento arrecadando mais de R$ 84 mil e tornando o livro uma realidade. Lançado no final de 2016, “Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil” já nasceu uma Bíblia musical nacional que toda pessoa que gosta de música brasileira precisa ter em casa – e não só os nascidos na Ilha de Vera Cruz: como a música brasileira (principalmente psicodélica) vem conquistando fãs ao redor do mundo, a edição bilíngue do livro (em inglês e português) facilita o acesso além fronteiras. No formato de compacto de vinil, “LSD” parte do álbum-manifesto “Tropicália ou Panis et Circencis”, de 1968, como “uma espécie de marco zero da psicodelia autoral nacional” para listar discos famosos de Caetano, Gil (o disco do “fardão”), Mutantes, Alceu Valença, Secos & Molhados, Lô Borges (o disco do tênis) e Novos Baianos (e, claro, “Paebiru”) até obras pouco conhecidas fora do meio como os únicos discos do The Galaxies (relançado em vinil recentemente pelo Selo 180), dos candangos do Matuskela (que faziam rock na capital federal 10 anos antes de Legião, Plebe e Capital) e da dupla Rubinho e Mauro Assumpção (álbum do qual o uruguaio Nicolás Molina resgatou “A Montanha” para o disco “Brasil También Es Latino”, lançado pelo Scream & Yell), entre muitos outros, num compêndio imperdível que merece a etiqueta “obrigatório”.
Nota: 10 (adquira direto com o autor)
“Joy Division: Unknown Pleasures”, Peter Hook (Editora Seoman)
Baixista fundador do Joy Division e do New Order (que ele deixou em 2006), Peter Hook é o epíteto do cidadão pop de Manchester, na Inglaterra, uma pessoa de humor corrosivo que prefere perder o amigo a perder a piada. Partindo dessa característica (muito mais tosca à la irmãos Gallagher do que intelectual à la Morrissey – ainda que o ex-Smiths adore escorregar pela tosqueira vez em quando), Peter Hook entrega um dos livros mais divertidamente rock’n roll já escritos. Lançado em 2012 na Inglaterra e editado em 2015 no Brasil (com 375 páginas, prefácio bacana de Edgard Scandurra, do Ira!, e tradução de Martha Argel e Humberto Moura Neto), “Joy Division: Unknown Pleasures” é introduzido pela frase: “Esse livro é a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade… do modo que me lembro”. Dai em diante, Peter passará grande parte das páginas sacaneando Bernard Sumner, o amigo com quem decidiu formar o Joy Division recrutando Ian Curtis como vocalista e, após testar dezenas de bateristas, Stephen Morris. “O apelido de Bernard na infância era Barney, e ele odeia. Por isso nesse livro ele será chamado de Barney”, provoca Peter, que contará sobre seus anos de formação em Manchester (esse trecho sobre os Sex Pistols merece ser emoldurado e colocado na parede), falará sobre seu estilo de tocar, a primeira vez em que ele e Barney perceberam Ian Curtis (“Ele era só um cara com ‘HATE’ escrito no casaco”), os shows, os discos, a estrada, a Factory, tudo isso embalado por uma narrativa “conversa de boteco” que, em seus melhores momentos, fará o leitor chorar de tanto rir quanto se emocionar nos trechos mais pesados. Após esse livro, Hook já lançou outros dois: “The Hacienda: How Not to Run a Club” (2014) e “Substance: Inside New Order” (2016). Bernard conta sua versão dos fatos em “Chapter and Verse: New Order, Joy Division and Me” (2014), que se junta ao livro de Deborah Curtis na documentação do mito Joy Division valorizando a ideia de que a verdade tem várias faces.
Nota: 10
Leia também:
– Peter Hook: “O punk era apenas um meio de dizer: faça do seu jeito” (aqui)
– “Tocando a Distância”: Deborah Curtis humaniza e mitifica vocalista do Joy Division (aqui)
– Assista na integra: documentário de Grant Gee conta a história do Joy Division (aqui)
– “Low Life”, do New Order: De Manchester para a alma de quem escuta (aqui)
– “Best Of”, coletânea do Joy Division, é apenas para quem descobriu Ian Curtis ontem (aqui)
– Na Colômbia, 2013, New Order faz de seu show uma experiência bastante divertida (aqui)
– Em São Paulo, 2006, quem esperava perfeição do New Order deve ter se frustrado (aqui)
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne