Texto e fotos por Marcelo Costa
Papo reto: das últimas três edições do Porão do Rock em que o Scream & Yell esteve presente, esta edição de 2016 foi, disparada, a melhor. Sem concorrência. Nem que juntasse as edições de 2014 e 2015. A estrutura de palcos permaneceu a mesma, mas o que fez a diferença foi um line-up muito mais caprichado (com jovens promessas agarrando a oportunidade com vontade e medalhões surpreendendo), um som que (no geral) esteve muito melhor do que em outros anos e a entrada em cena de vários food trucks oferecendo boas comidas quase sempre sem filas.
Se tudo foi melhor do que nos anos anteriores, por que o público de 20 mil pessoas em 2015 (uma edição caseira, com muitas bandas da cidade que se apresentavam pela enésima vez no festival, sem surpresas) caiu para 15 mil pessoas em 2016? Talvez, e principalmente, pelo tempo. Desde o dia anterior, sites especializados em previsão de tempo acusavam chuvas e trovoadas para o sábado do festival, e logo na abertura dos portões o visual do céu não era dos mais agradáveis. Choveu, mas pouco, felizmente. Também tenha faltado um headliner de peso para o palco pesado, reclamaram alguns. Quem não foi, no entanto, perdeu um baita festival.
Quem abriu o dia pontualmente às 15h30 (o festival só iria terminar às 3h30 da madrugada) foi a boa My Last Bike, com influências de punk rock californiano, gritos de #ForaTemer e um cover do Cólera, “Adolescentes”, dedicado aos estudantes nas ocupações país afora. O EP deles de 2015, “Resiliente”, pode ser baixado gratuitamente no Bandcamp. No palco ao lado, os Gatunos mostraram sua boa surf music sem se intimidar com a garoa. “Apesar da chuva, somos a banda mais ensolarada do festival”, brincou o guitarrista Fabrício Paçoca (que também ataca de baterista d’Os Dinamites). Vale ouvir o álbum “Os Gatunos Vão à Praia”.
Egressos das seletivas do Porão do Rock – assim como My Last Bike e Os Gatunos – realizadas meses antes com novas bandas concorrendo a vagas para tocar no festival, a Joe Silhueta foi uma das felizes surpresas do evento. Eles já tinham sido um dos grandes destaques do Festival PicNik 2016 e o ótimo EP “Dylanescas” já adiantava boas influências, mas o show no Porão mostrou uma banda ainda mais entrosada, madura e cada vez mais consistente ao vivo. O som é mezzo psicodélico, mezzo rock rural, com o vocalista Guilherme Cobelo (traduzindo Woody Guthrie em seu violão) à frente e integrantes da Rios Voadores, Almirante Shiva e Satanique Samba Trio criando uma massa sonora robusta e contagiante num show arrebatador.
E o Porão não parava de surpreender. Vencedora de uma seletiva realizada em Fortaleza, a excelente Nafandus mostrou um som potente com influências de nu metal e raízes nordestinas – com direito a citação do hino “Lamento Sertanejo”. Funcionou muito e a banda deixou o palco sob aplausos. Partindo para o Palco Pesado do festival, a Zumbis do Espaço divertiu a galera mostrando hinos de 20 anos de janela como “A Marca dos Três Noves Invertidos”, “Banho de Sangue” e “Nos Braços da Vampira” além de canções novas como “O Mal Imortal”. Para o fim do show, cantada em coro, “O Mal Nunca Morre” e a promessa de – após 15 petardos – voltar a Brasília para um show completo (o set list original tinha 27 canções!).
Num dos palcos principais, Supla, em seu quarto (!) Porão do Rock, assassinava John Lennon (acelerando “Imagine”), honrava David Bowie (numa versão fiel de “Heroes”), pescava uma boa canção esquecida do Tokyo (“Mão Direita”) e, claro, cantava “Garota de Berlim” e “Humanos” num show divertido e esquecível. Mostrando que o rap é o novo rock, Emicida fez um show raivoso embalado pela polêmica levantada por idiotas sobre sua participação no SPFW: “A sociedade fica em choque por ver 40 preto numa passarela. Emicida ganhando dinheiro com a favela não pode. Grandes corporações como Apple e Samsung enchem o bolso com a favela e um preto não pode”, atacou. Com um dos melhores shows do Brasil hoje (vencedor da APCA em 2015), Emicida mostrou no Porão uma das melhores versões ao vivo de “Hoje Cedo”, cantada em coro pela plateia. De arrepiar!
Embalado, o festival chegou ao auge com uma apresentação absolutamente impecável do Far From Alaska, de Natal. Em 2014, ainda inseguros, eles fizeram um dos grandes shows daquele Porão. Em 2016 a coisa toda evoluiu: a banda está à vontade no palco, se divertindo e promovendo um esporro sonoro sensacional. Uma das melhores bandas do Brasil, hoje. Por conta de ajustes no palco da Nação Zumbi, a Far From Alaska engatou uma jam barulhenta, e quando Jorge Du Peixe surgiu à frente dos mangueboys, algo no som ainda não encaixava (numa reprise da última apresentação da Nação no Porão, também imperfeita). O show rememora o brilhante “Afrociberdelia” (196), tocado de cabo a rabo, e festejado em hits como “Cidadão do Mundo”, “Macô”, “Manguetown” e, principalmente, “Maracatu Atômico”, a cover de Jorge Mautner entoada em coro pelo público.
Queridinhos da crítica internacional, o Boogarins segue cada vez mais entrosado na psicodelia sonora que rende longas improvisações. O show, porém, é perfeito para um local menor e fechado, mas frio e distante em um grande palco, e sofre com constantes testes das luzes que irão embalar o show da headliner Planet Hemp futuramente. A sensação é de que a excelência sonora do Far From Alaska deixa os shows seguintes menores, e Boogarins e, principalmente, Ira! pagam o pato. O quarteto paulistano é quem sofre mais já que a bateria soa chocha, baixa e embolada, uma pena diante de um repertório que veria Nasi e Edgard mostrarem o clássico álbum “Vivendo e Não Aprendendo” (1986) na integra. Quem viveu (e ouviu) os anos 80 não ligou para o som e até derrubou lágrimas em “Casa de Papel” (única que Nasi precisou ler a letra), “Nas Ruas”, “Vitrine Viva” e “Quinze Anos”. Até “Pobre Paulista” (vertida para “Pobre Brasília”) deu as caras, com Edgard emendando: “Parou, pensou e chegou a essa conclusão: Fora Temer”.
Para a reta final, uma boa sacada da produção: escalar duas bandas novas menos conhecidas no melhor horário da noite para aquecer o público para o Planet Hemp. A Darshan mostrou potência grunge enquanto a Almirante Shiva embarcou na psicodelia. Às 2h10 em ponto, um vídeo divertidíssimo passava “três dicas para sobreviver ao show”: 1) Olhe os amigos ao redor e cuidado com o mosh 2) Não desligue o celular! Dê a sua opinião e participe do show 3) Passe a bola, não enrola (para delírio do público presente). B Negão e Marcelo D2 entraram dando o recado: “Não Compre, Plante”. Foram 25 músicas em 1h30 de #LegaliseJá, muito hardcore (rolou até “Crise Geral”, do #RDP) e apoio aos estudantes acampados em escolas ocupadas. Para o final, “Samba Makossa”, de Chico Science e Nação Zumbi, e, cantando em coro, “Mantenha o Respeito”.
Em sua 19ª edição, o Porão do Rock deu passos interessantes que melhoraram a experiência dos anos anteriores. O bom começo do festival mostrou que a safra das seletivas foi caprichada, e nomes como Nafandus e Joe Silhueta merecem acompanhamento atento, pois podem (e devem) voltar ao festival em edições futuras tocando em horários melhores. A opção de apostar em nomes mais novos antes do headliner foi excelente também, e merece ser reprisada. Quanto ao palco pesado, que já recebeu as grandes estrelas nacionais inúmeras vezes, talvez seja o momento de testar nomes gringos para atrair o público novamente (nem precisa ser medalhão com cachê alto, só precisa ser realmente bom de palco!). Em sua edição recente mais bacana, o Porão do Rock mostra que tem muita lenha pra queimar. Ano que vem, aniversário de 20 anos. Bora incendiar as velinhas.
Top 5 – Marcelo Costa, Scream & Yell
1 – Far From Alaska
2 – Emicida
3 – Planet Hemp
4 – Joe Silhueta
5 – Nafandus
Top 5 – Marcos Bragatto, Rock em Geral (leia a cobertura)
1 – Planet Hemp
2 – Ira!
3 – Zumbis do Espaço
4 – Voodoopriest
5 – Almirante Shiva
Top 5 – Rakky Curvelo, Tenho Mais Discos Que Amigos (leia a cobertura)
1 – Ira!
2 – Planet Hemp
3 – Emicida
4 – Nafandus
5 – Far From Alaska
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– O saldo final do Porão do Rock 2014 foi bastante positivo, mas… (aqui)
– Porão do Rock 2015: “Espera-se muito mais de um festival com a trajetória do Porão” (aqui)
– Confira a galeria de fotos completa do Porão do Rock 2016 no Facebook (aqui)
Tive essa mesma impressão sobre o show dos Boogarins. Pecaram na escolha do set. Umas duas músicas do Plantas que curam junto com Avalanche e acho que o jogo já virava pra eles.
Meu top 3 (cheguei depois do Emicida por causa da chuva :/): Planet Hemp, Far from Alaska, Ira!