por Marcelo Costa
Nascida em St. Louis, no Missouri, Angel Olsen lançou seus primeiros trabalhos em fita cassete em 2010 (“Strange Cacti” e “Lady Of The Waterpark”), quando tinha 23 anos, e em 2011 iniciou uma colaboração com Bonnie Prince Billy que renderia um 10 polegadas e dois álbuns bem bonitos, “Wolfroy Goes to Town” (2011) e “Now Here’s My Plan” (2012), que influenciariam seu debute, “Half Way Home” (2012), acústico. Tudo isso ficou para trás em “Burn Your Fire for No Witness” (2014), o segundo álbum, que inicia uma busca pelo pop perfeito nascido das faíscas do choque do indie dos anos 90 com a sonoridade sixtie, e que se cristaliza de forma incrível em “My Woman”, seu terceiro registro, e um dos grandes discos de 2016.
Com dois shows sold out em Nova York (o primeiro num sábado no mítico Webster Hall, para 1500 pessoas, e outro no Warsaw, no Brooklyn, para 800 pessoas, no dia seguinte), Angel Olsen celebrava no palco este novo momento acompanhada de um quinteto instrumental (três guitarras – contando a dela – mais baixo, bateria, backing e teclados) que buscava recriar a aura indie sixtie que paira sobre “My Woman”, e que, com certeza, deve colocar sorrisos no rosto de Phil Spector (mesmo na prisão). Com um visual delicadamente retro (ela de vestido verde com a banda toda de terninho cinza), Angel honrou o disco no Webster Hall.
A fofa “Never Be Mine”, com seu vocal cativante e o bonito arranjo de três guitarras, abriu a noite de forma alegre seguida da ótima “Hi-Five”, um dos singles do disco anterior. Mostrando confiança no repertório (que será focado em “My Woman”, com 9 de suas 10 canções tocadas durante a noite), Angel lança para a plateia “Shut Up Kiss Me”, seu single mais recente, e o local ferve com grande parte da audiência cantando o refrão: “Cale-se, beije-me e me abrace com força” e sendo carregada pela nuvem noise de riffs na segunda parte da música. Ao final da grande canção, todos sorriem, e ela brinca: “Que legal, vocês não foram embora (após o hit)”.
Então acontece algo “inusitado”. No celular do jornalista surgem várias mensagens de amigos avisando de um atentado no Chelsea e pedindo notícias. Na CNN, uma reportagem avisa que um artefato havia explodido em uma caixa de correio (11 quadras acima do Webster Hall) e deixado mais de 30 feridos. O show está absolutamente incrível, as pessoas estão felizes, mas o medo (aquele sobre o qual debruçou Aldous Huxley neste trecho do livro “O Macaco e a Essência”) surge: “Se explodissem algo aqui poderiam matar centenas de pessoas”, penso. Uma onda de frio percorre a espinha e passam cerca de 30 longos segundos de pânico.
O que fazer numa situação dessas? Desistir de sair de casa? Duvidar de tudo e todos? Será que alguém entre as 1500 pessoas no Webster Hall é um terrorista? Melhor abandonar o show? Não. Isso seria a vitória do terrorismo e é tudo o que eles mais desejam: impregnar o medo, fazer com que as pessoas rendam-se aos seus receios, e, desta forma, sejam dominadas. Como escreveu Ana Leorne de forma brilhante sobre o show do Boogarins em Paris logo após o atentado no Le Bataclan, “o simples ato de assistir a um concerto tem trabalhado como uma pequena vitória contra o medo”. É isso.
De volta ao show, e ainda mais entregue, Angel Olsen faz um passeio caprichado por sua carreira tocando inclusive canções lançadas apenas em EPs e singles como a sonicyoutiana “Sweet Dreams” e o bloco lo-fi composto por “Drunk and with Dreams” (do EP “Strange Cacti”) e “Acrobat”, uma das raras faixas do disco de estreia presentes na noite. Entre os grandes momentos no Webster Hall estão “Sister”, que começa suave e vai sendo envenenada pelas guitarras, que entorpece o arranjo e o arrasta por quase oito minutos, e a poderosa e dissonante “Not Gonna Kill You” em versão redentora. Antes de tocar, “Give It Up”, a saideira, ela sorri e, como se tirasse um peso de seus ombros (era a estreia da turnê em Nova York), desabafa para o público, “Foi um grande show, hein?”. Todos respondem de forma efusiva.
Para o bis, Angel Oslen separou duas canções novas e abre com “Intern”, que também é a responsável por abrir “My Woman”. Ela está no teclado acompanhada da backing vocal e de um dos guitarristas, agora também no outro teclado. O som que sai das caixas é o puro creme do sixtie e soa como uma canção de ninar que se emenda com “Woman” numa versão psicodélica que quase bate os 10 minutos de duração encerrando uma grande noite. Lá fora, apesar das bombas e da tristeza, a noite seguiu longa e agitada olhando para a frente. Como tem que ser…