Entrevista: Nada Surf (2016)

por Leonardo Vinhas

Em seus 24 anos de carreira, o Nada Surf saltou da condição de “hype do momento”, conquistada logo com seu álbum de estreia (“High/Low”, de 1996) ao de banda cult em pouco tempo. Nessa última condição, cresceram para se tornarem uma das mais fortes referências para as vertentes mais indie do rock e do pop. Álbuns como “Let Go” (2002) e “The Weight Is a Gift” (2005) foram fundamentais, ou ao menos presença constante, na formação musical e afetiva de muita gente afeita a canções pop confessionais e rock urgente e barulhento influenciado pelo underground norte-americano mais clássico (Dinosaur Jr, Sonic Youth etc).

Matthew Caws (guitarrista, vocalista e compositor de quase todas as canções) e Daniel Lorca (baixo) formaram a banda em 1992. Três anos depois, Ira Levin substituiu o baterista original, Aaron Comte, e com essa formação a banda se mantém até hoje. Ok, na verdade, desde 2012 passaram a contar com Doug GIllard (ex-Guided Voices e mais muitas outras bandas) na segunda guitarra. No clipe de “Popular”, canção que deu o primeiro grande destaque publico ao Nada Surf, Caws interpreta um professor de ensino médio. Coincidentemente, a fala de Caws é bastante professoral: pausada, pontuada com muitos exemplos e raciocínios circulares, alternando tranquilidade e empolgação, e sempre preocupado com o entendimento do ouvinte.

Essa voz chegou via Skype em uma ligação feita a propósito do lançamento de “You Know Who You Are” (2016), sétimo álbum da banda e que terá lançamento nacional pela Inker (que lançou por aqui “Let Go”, “The Weight Is a Gift” e também “The Stars Are Indifferent to Astronomy”, de 2012). Caws mais uma vez compõe todas as canções, mas dessa vez também dividiu a autoria de algumas – no caso, com Dan Wilson, do Semisonic. O som claro, nítido, deixa aparentes tanto as influências da banda quanto sua assinatura pessoal. O resultado disso é o disco mais dinâmico do Nada Surf, com muito pouco barulho, mas ainda assim bastante enérgico e inegavelmente pop. O sabor noventista é evidente, mas a produção de Tom Beaujour ajuda a evitar que isso deixe o álbum com uma sonoridade datada. Por isso a conversa se inicia exatamente a partir deste ponto.

Em “You Know Who You Are” existe uma urgência muito grande, uma energia imediatista em algumas canções, mas ao mesmo tempo nota-se um cuidado muito grande com os arranjos e com a nitidez do som. Houve uma decisão consciente por buscar essa clareza de timbres e de destaque às harmonias?
Não acho que tivemos nenhuma intenção especifica, era mais uma questão de dar um passo adiante. Queremos apenas que nossos discos soem cada vez melhores. Não sentamos e pensamos: “vamos fazer um disco mais roqueiro”, ou “vamos fazer um disco mais leve”. Certo, em nosso álbum anterior (“The Stars Are Indifferent to Astronomy”) tentamos soar tão rápidos como somos ao vivo, mas em geral apenas seguimos nossos instintos. O que houve sim de diferente foi a participação de Doug Gifford. Ele está conosco desde 2012, mas essa foi a primeira vez que ensaiamos juntos desde o começo e contamos com ele participando diretamente do processo. E dessa vez realmente tentamos tirar o máximo de cada canção, dar a cada uma delas o que ela pedia.

Bem, você acaba de dizer que não houve uma intenção deliberada de buscar uma sonoridade específica. Porém, existe uma pegada reminiscente do pop do começo dos anos 1990 – não apenas nas canções que você compôs em parceria com Dan Wilson (“Rushing” e “Victory’s Yours”), mas também em outras, como “Out of The Dark”, por exemplo. Parecem remeter ao R.E.M. do começo dos anos 1990, à época em que Natalie Merchant ainda estava nos 10,000 Maniacs – você sabe, aquele período em que o alternativo estava virando mainstream.
Não foi intenção, de fato. O que talvez explique isso é que ouvimos muita música comercial, como todo mundo – quer dizer, quem não ouve Beatles e Neil Young? – mas começamos como uma banda indie de garagem, que confiava mais nas ideias do que na técnica. E não estamos no momento de que venderemos mais discos porque somos uma banda jovem e cool – eu tenho 48 anos. Se formos vender mais discos é pelas canções e pela sonoridade. Eu meio que estou inventando isso agora, porque na verdade nossa ambição é outra: é ser o mais pop possível. Não no sentido Taylor Swift do pop, claro, mas no sentido de ser pop como o rock que você ouve no rádio daqui a 10 ou 20 anos e continua soando bem.

Você está satisfeito com o resultado final de “You Know Who You Are”?
Sim, estamos todos muito felizes. Quase o lançamos no ano passado, mas deixamos para depois, e foi uma ótima experiência passar mais tempo trabalhando no disco. Fizemos isso de uma forma diferente, trabalhamos bastante as canções depois, e o disco que saiu agora é diferente do que teria saído no ano passado.

Ainda sobre influências: mesmo com toda essa identidade pop, dá para ouvir os ecos das coisas que fizeram parte da formação de vocês e que certamente ainda ouvem, como as composições de J Mascis…
Pode crer.

…e ao mesmo tempo, dá para ver que isso vem com toda a identidade artística que vocês vem construindo ao longo da carreira. Então, sim, está com tudo junto: o pop e a influência mais alternativa, e também aquilo que já inerente e indissociável do Nada Surf. Como se vocês já tivessem claro quem são, mas não se bloqueassem para o que pode vir de fora.
Sim, com certeza! Eu já estou escaldado: prefiro evitar o sentimento de que estou tirando diretamente das influências. Se estou copiando alguém, sei que o resultado não será muito bom. Depois de tantos anos, acho que aprendemos a tirar as coisas de dentro de nós, mas sabemos que a música pela qual nos apaixonamos também dará forma ao que fazemos: J Mascis, Sebadoh, Sonic Youth, Stereolab, Sonics… Sabe, quando eu tinha 13 anos, o irmão do meu melhor amigo convidou a mim e a outros garotos para ouvir três discos na casa dele – que era uma casa imensa com grandes obras de arte antigas. E lá ele nos mostrou três discos: “Loaded”, do Velvet Underground; “Remain in Light”, do Talking Heads; e “Rocket to Russia”, do Ramones. Foi como se um raio tivesse me atingido. Porque veja, nesses três discos estão muitos dos elementos que caracterizam a “nova música” de hoje, a música indie, a música underground. Quer dizer, mas no fim você está tentando ser você mesmo a partir disso. É como uma fileira de árvores. Você olha de longe e elas se perfilam perfeitamente, mas quando examina de perto vê que cada uma é diferente. Acho que com arte é assim também. As estruturas das canções e a progressão de acordes podem ser totalmente parecidas. É música pop, é claro que há semelhanças. Mas a principal ilusão é que por três minutos aquela canção tem que soar individual, única.

Falando nisso, nessa coisa de soar ou não parecido com as referências: não sei se você está a par, mas existem muitas bandas do underground brasileiro que citam Nada Surf como uma de suas maiores influências, ou mesmo a maior.
Uau! (risos)

Sim. São bandas que escutam as mesmas referências que vocês têm, mas o Nada Surf tem muito mais presença no inconsciente.
Uau! Eu gostaria de ouvir essas bandas.

De qualquer forma, a pergunta é: com mais de vinte 20 anos nessa estrada, qual é a sensação de ser um grupo que inspirou o surgimento de outras bandas? Em “Blonde on Blonde” (do álbum “Let Go”), você canta sobre estar sozinho no quarto, ouvindo álbuns e tendo-os como inspiração e companhia. A música de vocês exerce esse papel para outros ouvintes hoje. Qual é a sensação?
Obviamente, a coisa mais simples de dizer é que é incrível e que também surpreendente. Mas fico confortável com isso, porque se você foi um padeiro a vida inteira, e foi modesto, mas de repente você se dá conta de que é bom para fazer pão, não é por isso que você vai mudar ou seu ego vai aumentar ou vai ficar super orgulhoso. É que simplesmente você fez isso por anos. Eu sempre quis estar em uma banda e fico à vontade em frente a um microfone. Nunca fui louco por controle, eu simplesmente gosto muito de tocar e me envolvo muito com isso. E é uma sensação boa, porque você dá muito e retribui o que a música te deu, e a música me deu tanto! É realmente um retorno da ajuda que a música deu. Não é apenas uma sensação boa e surpreendente, mas também faz me sentir útil.

Vocês tocaram aqui duas vezes, em 2004 e 2012. Na primeira, foram muitas cidades, inclusive no interior. A segunda foi um pouco menor. Você sentiu diferenças entre o público nas duas turnês?
Não acho que foi tão diferente, mas essa é uma pergunta complicada, honestamente, porque não sei. Acho que foi do mesmo jeito, num bom sentido. Foi positivo, muito acolhedor e um lugar com muita música. Espero que possamos voltar.

Até agora, há algum plano de voltar? Ou nenhum plano de turnê por aqui?
Não para agora. Parece que é por causa da economia, parece que estamos um pouco caros para sermos levados para o Brasil. Não que sejamos uma banda cara, longe disso! Mas nesse momento parece que as condições econômicas não estão ajudando.

A banda praticamente mantém a mesma formação. Claro, Doug entrou há pouco e Ira não estava nos primeiros anos. Mas de qualquer forma, você, Daniel e Ira estão juntos há muitos anos. Não apenas em uma banda, mas em qualquer atividade profissional, é difícil manter três pessoas unidas por tanto tempo. O que tornou isso possível em sua opinião?
Acho que sorte, e acho que o público ajuda bastante também. Ele realmente nos motiva e dá apoio, sempre tivemos essa energia positiva vindo de fora. Claro, tivemos algumas discussões, mas nunca foram longe demais. Acho que é porque somos pessoas realmente diferentes. Meio que estou elaborando isso agora, mas talvez se houvessem duas pessoas iguais na banda, não teríamos durado tanto, pois seriam dois contra um, dois lados se opondo na banda. Tanto que no começo houve quem quisesse nos chamar de Village People do indie (risos)! Sério! Sempre fomos muito diferentes, você olha as fotos e nem mesmo nos vestimos igual. Somos diferentes em personalidade, e temos isso, “eu vou ser esquisito do meu jeito, você do seu e o outro do dele, e assim nos respeitamos”.

Acho que esse tipo de raciocínio funcionaria também para muitos casamentos. Salvaria vários deles (risos).
Sim, eu vou me casar logo mais e você tem razão, é algo bom para se pensar a respeito. Se você tenta mudar alguém, então você tem um grande problema. Mas se você aceita as diferenças, tem uma longa jornada para fazer em boa companhia, que pode ser bastante prazerosa.

A banda teve um grande hype no começo, depois teve períodos de menor popularidade, nos quais vocês até adotaram empregos regulares. Qual é a posição que o Nada Surf ocupa na vida de vocês hoje?
Acho que é prioridade para todos, mas tenho composto com outras pessoas, e diria que a música em si é minha prioridade. Numa comparação, eu diria que dirigir é minha prioridade e o Nada Surf é meu carro favorito. Faço canções para outros, faço umas trilhas sonoras – e gostaria de fazer mais – e shows solo, mas eu sei que nada que faço será tão importante para outros e para mim como o Nada Surf. E também sinto que há um contrato social, como se fosse uma obrigação de continuar com a banda, porque eu sinto que o que fazemos tem feito muitas pessoas felizes e se não fizermos mais isso será injusto. Digamos que se eu der um sanduíche a uma pessoa toda segunda-feira, um sanduíche pelo qual ela não pediu, e eu continuo dando… bem, ela vai gostar e um dia se eu deixo de dar esse sanduíche, eu vou criar uma ausência, ela vai sentir. Creio que criamos uma dependência de ambos os lados, na verdade. Porque também se não fosse pelos fãs, eu não teria uma carreira como a que tenho.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– Nada Surf (entrevista 2012): “Não costumo pensar muito sobre a nossa trajetória” (aqui)

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3 thoughts on “Entrevista: Nada Surf (2016)

  1. Pleno por estar tão perto destes companheiros e mestres nesta tranquila estrada do rock independente! Vida longa ao #nadasurf e muita Luz para que todos possam entender o valor que tem a Arte! Gracias irmão Leo Vinhas!

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