por Pedro Salgado, de Lisboa
A gênese dos Ladrões do Tempo remonta a 2011, quando Zé Pedro, lendário guitarrista dos Xutos & Pontapés, lançou o disco “Convidado: Zé Pedro” e procurava uma canção que fosse o cartão-de-visita do álbum. Da colaboração com Tó Trips e Pedro Gonçalves (ambos do Dead Combo), bem como o vocalista Paulo Franco (Da Punk Sportif) e o baterista Samuel Palitos (Naifa e GNR) surgiu uma versão roqueira de “Mora na Filosofia”, de Monsueto, que eles conheceram na voz de Caetano Veloso. “Na minha adolescência eu escutava e gostava bastante do álbum ‘Transa’ e decorei a letra dessa faixa. É um orgulho tê-la como primeiro tema dos Ladrões do Tempo”, conta Zé Pedro durante uma animada conversa com o grupo numa famosa pastelaria lisboeta.
A entrada do novo baixista, Donny Bettencourt (da banda tributo ao Doors – Dead Cats Dead Rats), em substituição de Pedro Gonçalves, coincidiu com a participação dos Ladrões do Tempo na homenagem a Lou Reed, no Festival Super Bock Super Rock, de 2014. Em parceria com convidados como Legendary Tigerman, Tomás Wallenstein e Jorge Palma, entre outros, o supergrupo português cimentou uma ideia de coesão sonora e fruição do espírito roqueiro descontraidamente. “Encaramos a banda de uma forma séria e queremos levar esse projeto o mais longe possível, mas, acima de tudo, ele é um ponto de fuga nas nossas carreiras profissionais”, explica Zé Pedro.
Com a edição de “1º Assalto”, o álbum de estreia do coletivo, os Ladrões do Tempo assinam um rock direto, em que a abordagem classicista é complementada por refrões fortes. Outra característica do trabalho é o convite à mudança de atitude social, da qual a estrofe “Esta condição de tudo ser sem ter que agir / É a pura da contradição” (do tema “Rua”), exemplifica o sentimento latente nas letras do grupo. Já nas faixas “Quase Nada” e “Transmissões em Directo”, o grupo aposta num alargamento sonoro que enriquece o disco. Para o guitarrista Tó Trips, a procura de novos caminhos “é um processo natural e está ligado às experiências musicais dos seus integrantes”. E o conhecimento sobre a história do rock como músicos e ouvintes “resulta em algo único”, conclui. De Lisboa para o Brasil, os Ladrões do Tempo conversaram com o Scream & Yell. Confira:
Quando vocês se juntaram, pretendiam apenas celebrar o gosto comum pelo rock ou sentiram que tinham algo a acrescentar ao panorama musical português?
Achamos que foi um pouco das duas coisas. Sentimos um grande apetite por tocar e fazer música sem nenhum compromisso. Aliás, juntámo-nos para fazer uma cover de “Mora na Filosofia”, de Caetano Veloso, e a partir desse momento as coisas correram bem e seguimos em frente. Como todo o grupo tem um gosto enorme pelo rock, juntamos o útil ao agradável e fizemos os Ladrões do Tempo. Estivemos parados algum tempo, porque este projeto é paralelo às nossas bandas originais, e a partir de 2014 arrancamos com força (já com o Dony Bettencourt no baixo), gravamos o disco e estamos nesse ponto.
Em “1º Assalto” sinto que vocês conciliaram o rock musculoso com refrões fortes. Essa articulação visou conquistar mais público ou resultou apenas do processo natural de composição?
Os temas surgem normalmente nos ensaios, em que um de nós apresenta um riff e a partir daí trabalhamos as músicas. Normalmente, não pensamos se o público irá gostar das canções, pelo contrário, somos até um pouco infantis relativamente ao fato da faixa poder ser apelativa. Fundamentalmente, o que nos une é saber se gostamos do que fazemos. Somos bastante abertos e se as pessoas gostarem tanto melhor, mas não é algo premeditado e interessa-nos mais o resultado final.
Nas vossas letras encontro um desencanto com o atual contexto de crise, mas também uma revolta latente. Posso deduzir nelas um grito de revolta face à passividade social?
Quatro de nós (exceto o Donny) escreveram as letras, mas não arranjamos uma temática direta para o disco. Contudo, o rock também está relacionado com alertas sociais e serve para despertar consciências. A faixa “Oxalá”, por exemplo, tem uma mensagem positiva, não revela nenhum envolvimento concreto e é mais atraente do ponto de vista sentimental. Já “Transmissões em Directo” (escrito pelo Tó Trips) está relacionada com a recente ocupação da praça La Puerta del Sol, em Madrid (Espanha), que originou o Podemos (partido político), na qual houve uma emissão televisiva que transmitiu essa revolta. Somos todos a favor de uma mudança e o rock também. Achamos que a sociedade deve mudar tal como as pessoas e esses alertas estão presentes nas letras dos Ladrões do Tempo.
A principal característica dos vossos shows é a coesão musical e um apego à causa do rock. Sentem que esta a imagem tem beneficiado o trabalho do grupo?
Acima de tudo, um grupo de rock deve apresentar-se em palco, mostrando o seu trabalho e desafiando o público. Numa primeira fase, fizemos poucos shows e alguns com pouca consistência. Mas a partir de agora os concertos terão mais intensidade e serão mais regulares. Claro que o rock tem esse objetivo de despertar as pessoas e essa ideia está assimilada em nós, porque temos uma forte costela roqueira. Isso reflete-se na nossa atitude em cima do palco e do line-up de três guitarras, baixo e bateria.
Um dos momentos altos dos Ladrões do Tempo foi a participação na homenagem a Lou Reed no Festival Super Bock Super Rock, em Julho de 2014. O que recordam de mais positivo nessa experiência?
O aspeto mais marcante nessa atuação foi a entrada do Dony Bettencourt para o grupo, porque o baixista anterior (Pedro Gonçalves) não tinha disponibilidade para continuar na banda e saiu. Todos os ensaios foram fantásticos e tivemos seis artistas convidados que partilharam o palco com os Ladrões do Tempo. Foi uma arrancada muito positiva, porque saímos desse espetáculo e começamos a trabalhar em novas canções com os arranjos que o Donny introduziu no grupo. Ele acabou por ser co-produtor do disco com o Nelson Carvalho. Foi um show bom e serviu de mote para a nova vida da banda e o Donny deu-nos um grande impulso nas abordagens aos temas do Lou Reed, que conseguimos transformar e incorporar dentro de nós. E a edição do “1º Assalto”, no iTunes, incluirá um ou dois temas desse concerto, porque as gravações ficaram muito boas.
Este foi o vosso primeiro assalto. Já perspetivaram como será o segundo?
Quem é ladrão é ladrão para sempre (risos). Esperamos que a banda prossiga a sua caminhada, divertindo-se e continue a partilhar o gosto pelo rock. Ficamos contentes com essa perspectiva.
– Pedro Salgado (@woorman) é jornalista e traz novidades da nova cena portuguesa